Foto: Julio de Mesquita Filho (quarto, de pé, da direita para a esquerda) com parte dos docentes contratados
O jornalista Julio de Mesquita Filho dedicou os anos de exílio em Portugal, após a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932, ao planejamento da maior obra de seus sonhos: a criação de uma universidade em São Paulo. Quando o engenheiro Armando de Salles Oliveira, seu cunhado e acionista do jornal O Estado de S. Paulo, foi nomeado interventor e o convidou para coordenar a comissão encarregada de levar o projeto adiante, ele já sabia o que fazer para a construção de um sistema universitário capaz de buscar solução para as deficiências do ensino em todos os seus níveis.
“O principal problema com que lutamos, problema número 1, primacial do País, era, sem dúvida alguma, o do seu ensino superior”, dissera Julio de Mesquita Filho, ao comentar as conclusões de uma série de entrevistas feitas pelo sociólogo Fernando de Azevedo, em 1926, com personalidades de destaque sobre o aparelho cultural do Estado e a necessidade de se fundar, em São Paulo, a primeira universidade brasileira. Julio de Mesquita Filho vinha pensando nesse projeto desde 1925, quando publicou o livro A Crise Nacional, no qual sugeria a reforma do ensino.
O jornalista participou, antes da revolta dos paulistas contra Getúlio Vargas, de uma comissão nomeada pelo governo estadual para preparar a futura universidade, trabalhando ao lado de Fernando de Azevedo, Lúcio Rodrigues e Raul Briquet. Na redação do Estado, que logo abraçou a causa, a discussão atraiu outros colaboradores, entre os quais Paulo Duarte. O projeto já estava maduro na cabeça de seu principal formulador quando os Mesquitas - Julio e seus irmãos Francisco e Alfredo - foram lutar nas trincheiras da Revolução de 1932.
Tratando-se de projeto amadurecido desde o inquérito sobre a educação, na redação, na prisão e no exílio, a proposta foi implementada com rapidez: a USP foi criada em 25 de janeiro de 1934, aniversário de São Paulo, por decreto de Armando de Salles Oliveira, nomeado interventor por Getúlio Vargas, numa tentativa de reconciliação com os paulistas.
Mais uma vez, Julio de Mesquita Filho integrava a comissão encarregada de montar a instituição, agora ao lado de Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, Fonseca Telles, Raul Briquet, André Dreyfus, Rocha Lima, Agelisan Bittencourt e Vicente Rao.
A USP nasceu como uma universidade pública, leiga, gratuita, pluralista e democrática, no ensino e na pesquisa. O núcleo central foi a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, recém-criada, à qual se juntaram as tradicionais Escola Politécnica, Faculdade de Medicina e Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, além da Faculdade de Medicina Veterinária, a Escola Superior de Agricultura, de Piracicaba, o Instituto Biológico e o Instituto Butantã. A Cidade Universitária, mais tarde batizada de Armando de Salles Oliveira, era já um sonho de Julio de Mesquita Filho.
Incumbido de coordenar a contratação de professores europeus, o jornalista pediu o auxílio do psicólogo francês Georges Dumas, professor da Sorbonne e seu amigo, entusiasta da modernização acadêmica. O professor Teodoro Ramos foi enviado a Paris para conversar com Dumas e efetivar a contratação. Eram jovens desconhecidos que se tornariam figuras ilustres 20 anos mais tarde, como Fernand Braudel, Claude Lévi- Strauss e Jean Maugüé.
Julio de Mesquita Filho convidava a equipe a reunir-se em sua casa para discutir os rumos da nova universidade. De Dumas, ele ouviu o elogio de que a USP fazia bem em contratar jovens talentos capazes de se beneficiar de sua experiência no Brasil, em vez de trazer medalhões europeus.
O jornalista tomou o cuidado de evitar docentes clericais, fascistas e nazistas, para garantir um perfil pluralista e democrático. O resultado motivou Dumas a cumprimentar o diretor do Estado pela organização da universidade, especialmente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. “Contam vocês com uma das mais belas faculdades que se possa desejar, pois em nenhuma das faculdades da França existe um conjunto de professores igual àquele que representa atualmente nossa cultura em São Paulo.”
Como afirmou em 25 de janeiro de 1937, em seu discurso de paraninfo da primeira turma formada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Julio de Mesquita Filho considerava ser “de capital importância para as nacionalidades a organização de um ensino secundário capaz de suscitar valores e capacidades em condições de construir uma sólida elite dirigente”.
Em 1976, o então governador Paulo Egydio Martins prestou uma homenagem ao jornalista, dando o seu nome à Universidade Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp), que se somou à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e à USP para se tornar a terceira universidade pública de São Paulo.
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