Uma mulher foi condenada neste mês, em 2ª instância, a pagar R$ 15 mil em multa por danos morais causados por sua filha de 10 anos, que praticou bullying contra uma colega em uma escola particular de Santa Maria (RS). O caso reforça o entendimento da Justiça de que, além da escola ou do poder público, que podem ser responsabilizados por omissão no enfrentamento do problema, os autores da agressão também são alvo de punição - no caso de menores de idade, os pais.
A condenação pelo tribunal gaúcho seguiu normas como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei do Bullying, de 2015. Mas especialistas acreditam que, com a nova legislação sobre cyberbullying, sancionada no começo deste ano, responsabilizações desse tipo devem ficar ainda mais comuns.
A lei recém-sancionada, que inclui o tema no Código Penal, endurece as penas pela prática de intimidação sistemática, que vão de multa à reclusão de até quatro anos. Educadores também apontam para a necessidade de os pais ficarem atentos não apenas para quando o filho é vítima, mas também quando ele é o agressor.
A filha da ré, então aluna do 5º ano, postou em um grupo de WhatsApp uma imagem da colega acompanhada de frase pejorativa. Segundo os pais da menina alvo da publicação, depois disso a filha começou a sofrer perseguição e piadas de outros colegas da instituição. Além de circular entre os alunos, a publicação também chegou a um outro grupo de WhatsApp, mas este dos pais de alunos.
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Depois da repercussão, a menina deixou a escola e a mãe dela moveu ação na Justiça por danos morais contra a autora da postagem. Ao apresentar a defesa da filha, a mulher que acabou condenada alegou que a filha fez uma brincadeira e que a prática era comum entre as crianças. Ela ainda negou a intenção da filha em praticar bullying e ressaltou que o caso não se tratava de violência reiterada.
Os argumentos, porém, não convenceram os juízes. “É evidente que a apelante (autora) sofreu os efeitos diretos do bullying digital, inclusive, após as postagens, seus pais a transferiram de escola e passou a fazer tratamento psicológico. A apelante, com 10 anos de idade, uma criança, deveria ter sido respeitada e acolhida, ter-se sentido pertencente à turma escolar”, escreveu a desembargadora Cláudia Maria Hardt, do Tribunal de Justiça gaúcho.
O Estadão não conseguiu contato com a defesa da condenada. Já os advogados da garota vítima de bullying não quiseram comentar. O colégio, inicialmente réu na ação, não foi considerado negligente ou omisso pelos desembargadores.
Para Gustavo Scandelari, especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a nova lei é um avanço. “Primeiro por reconhecer um fenômeno social contemporâneo, que antes não era reconhecido, segundo porque as pessoas que praticarem essas condutas poderão ser enquadradas em um crime mais adequado”, avalia.
Segundo ele, a intimidação virtual ganhou pena mais alta por causa do seu alcance. “O cyberbullying, praticado na internet, em redes sociais, em jogos online, normalmente tem uma audiência, e esse público pode ser gigantesco. O impacto da ofensa é bem maior. E aí há uma incidência de depressão, de prejuízo à saúde mental do agredido muito maior”, aponta Scandelari.
Meu filho pratica bullying?
Professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e especialista em psicologia escolar, Luciene Tognetta alerta para a necessidade de identificar os agressores. A literatura especializada, segundo ela, já aponta características comuns de praticantes de bullying.
- Baixa empatia ao sofrimento alheio e aos sofrimentos sociais
- Atitudes egoístas
- Valorizam relações baseadas em poder, fama e dinheiro
- Dão pouca importância para valores como unidade, generosidade e respeito
- Demonstram sinais de arrogância e prepotência
“É como se lhe faltasse empatia aos sentimentos do outro. Também dão sinais de arrogância”, enumera Luciene. Alguns, continua ela, agem até por medo de se tornarem as próximas vítimas.
Outra característica é que autores de bullying se desengajam moralmente de modo mais rápido. Culpam a vítima e se desresponsabilizam das ações sociais.
Estudo feito na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) analisou os dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, de 2015, e identificou que entre as características mais frequentes relatadas pelos autores de bullying estão solidão, insônia e não ter amigos. E a prática era mais comum entre aqueles que faltam à aula sem comunicar a família ou apanham de parentes.
Uma queixa comum de gerações mais velhas é de que a popularização do bullying impede brincadeiras entre amigos. Luciene reconhece que a linha que separa uma relação amistosa do bullying é tênue, mas aponta um norte para identificar a prática: a reciprocidade.
“Uma vítima nessa situação pública normalmente não rebate”, afirma a especialista. “É diferente de um conflito ou uma brincadeira em que se você fala do meu nariz, eu falo do teu olho; se fala do meu cabelo, eu falo da tua perna”, resume a professora da Unesp.
Diante da dificuldade de identificação pela família, na maior parte do tempo afastada do ambiente escolar ou das redes sociais onde ocorre o bullying, ela defende estratégias mais articuladas para lidar com crianças e jovens agressores. “Políticas educacionais de formação de professores, que levem em conta aspectos da psicologia, da educação, que já preveem outros tipos de abordagem para o diagnóstico.”
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