MEC quer que universidade federal aumente captação de recursos próprios

Governo estuda alterar forma de manutenção financeira das instituições para investir mais verba na educação básica. Hoje, federais podem arrecadar dinheiro por meio de parcerias e aluguéis, por exemplo, mas teto de gastos dificulta utilização

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SÃO PAULO - Com a promessa de aumentar recursos para a educação básica, a equipe do Ministério da Educação (MEC) quer mudar a forma de manutenção financeira das universidades e institutos federais. Entre as propostas mais avançadas estão aquelas que buscam incentivar a busca de fontes alternativas de financiamento, como a possibilidade de uso integral dos recursos próprios – arrecadados por meio de parcerias com prefeituras, governos estaduais e empresas privadas – e a criação de fundos patrimoniais. 

Universidade de Brasília foi a que teve maior valor de arrecadação própria bloqueado Foto: ERNESTO RODRIGUES/ESTADAO

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O objetivo é incentivar a arrecadação própria para reduzir o papel dos recursos da União na manutenção e investimento nas universidades. Fontes do ministério dizem que, mostrar o potencial de arrecadação própria e dar mais autonomia para o uso desse recurso, seria um caminho para convencer os reitores e a comunidade acadêmica sobre a cobrança de mensalidades. Durante a eleição, a equipe de Bolsonaro já defendia a cobrança de mensalidade nas universidades federais para alunos de maior renda – uma das bases para a proposta é um documento feito em 2017 pelo Banco Mundial que sugeriu ao Brasil acabar com a gratuidade do ensino superior. 

A proposta de mudar a regra para uso de recursos próprios já era estudada pela gestão anterior do MEC e foi recebida com entusiasmo pela nova equipe. As alterações têm de passar pelo Congresso e já haveria disposição de parlamentares. No fim de 2018, o Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara finalizou relatório em que propõe uma nova emenda constitucional para liberar os recursos arrecadados pelas universidades.

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) enxerga como positiva a mudança do uso da arrecadação própria, mas teme que a alteração possa resultar em um novo enxugamento de recursos da União para as universidades. Levantamento da Andifes mostra que o orçamento para custeio e investimento caiu de R$ 9,9 bilhões em 2014 para R$ 7,7 bilhões no ano passado. 

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Até 2015, as universidades contornavam a redução de recursos da União com a captação de recursos próprios, como cobrança de aluguel por uso de seus espaços, prestação de serviços, contratos de pesquisa e taxa de matrículas (para cursos de extensão). Com o teto de gastos federais, porém, qualquer “excesso” de arrecadação deve ser usado para abater a dívida pública, ou seja, a instituição de ensino não pode ficar com o recurso. 

Por exemplo, uma universidade federal que tenha orçamento de R$ 500 milhões e consiga arrecadar, por esforço próprio, R$ 50 milhões. Se ela tiver previsto essa arrecadação quando elaborou a proposta de orçamento, poderá ter esse incremento compensado com redução de fontes livres - recursos ordinários ou destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino. Ou seja, a União repassará R$ 450 milhões para essa universidade, por saber que os outros R$ 50 milhões virão de outra fonte. Se o recurso próprio não estiver previsto no orçamento, o excesso de arrecadação fica indisponível para uso e passa a integrar o resultado primário do governo central.

O estudo da Câmara mostra que, em 2010, as universidades e institutos federais chegaram a usar R$ 1,6 bilhão de reais de recursos próprios para cobrir suas despesas. Esse montante vem em declínio e chegou a R$ 700 milhões, em 2017. Se mantida a regra atual de impedimento do uso de recursos próprios, a tendência é que a arrecadação própria tenha cada vez menos peso na cobertura das despesas das instituições.

UnB foi a mais afetada por bloqueio

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Segundo acompanhamento da Andifes, a Universidade de Brasília (Unb) foi a que teve o maior valor de arrecadação própria bloqueado. A reitora Márcia Moura conta que a instituição tinha R$ 98 milhões poupados nos últimos dez anos com recursos próprios, a maior parte de aluguel de imóveis.

A verba era poupada para que a universidade construísse um prédio e investisse em infraestrutura (troca de computadores, renovação dos livros da biblioteca, etc). No entanto, o recurso foi congelado e só parte dele – R$ 65 milhões –, liberado em 2018. E a União descontou o mesmo valor que iria repassar. Ou seja, o dinheiro da arrecadação própria teve de ser usado para o pagamento de servidores. 

O mesmo aconteceu com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), que teve bloqueados R$ 81 milhões de captação própria por meio de pesquisa. No fim de 2018, R$ 65 milhões foram liberados. “Mas a União subtraiu o mesmo valor, que tinha sido liberado, do repasse para a folha de pagamento de pessoal, ativo e inativo. Ou seja, o recurso que a gente captou e que tínhamos planejado uma outra destinação, foi obrigatoriamente para pagar os servidores e aposentados”, explica Ricardo Marcelo Fonseca, reitor da instituição.

A universidade planejava a construção de um laboratório para pesquisas de imunogenética com parte do recurso, que havia sido captado com pesquisas na área. "Quando assumi a reitoria [em 2017], os coordenadores do projeto tinham acumulado R$ 14 milhões e queriam começar a obra, mas o recurso estava bloqueado. Imagine a frustração desses pesquisadores", diz Fonseca.

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Reinaldo Centoducatte, presidente da Andifes e reitor da federal do Espírito Santo (UFES), explica que as universidades nunca tiveram de fato autonomia para gerir os recursos arrecadados por esforço próprio, até 2016, para usar o montante era necessário solicitar a abertura de crédito suplementar ao Congresso. No entanto, com o Novo Regime Fiscal, os limites orçamentários autorizados não podem ser ampliados, ainda que por excesso de arrecadação. "Antes ainda era possível ter um orçamento maior, via aditivos da lei orçamentária. Hoje, o teto [de gastos] não permite mais. O que adianta captar recursos, se não podemos gastar?".

Relatório elaborado pela Câmara propõe uma nova emenda à constituição para excluir as despesas de instituições federais de ensino, que sejam financiadas por receitas próprias, da base de cálculo e dos limites individualizados para as despesas primárias do governo federal. Ou seja, excluir o recurso próprio do entrave fiscal imposto pelo teto de gastos. 

Amaury Gremaud, professor e especialistas em Economia do Setor Público pela Universidade de São Paulo, diz que a mudança na regra para uso do recurso próprio é importante e pode estimular a busca por mais convênios e formas alternativas de arrecadação. No entanto, ressalta que essas fontes alternativas representam um valor muito pequeno diante do custo das instituições de ensino. “É uma medida paliativa e muito pequena. Pode ajudar a melhorar a infraestrutura e com alguns investimentos, mas tem um efeito limitado. Nunca vai ser suficiente para manter toda a universidade, não é assim nem mesmo nos Estados Unidos ou em outros países”, diz.

Além disso, ele defende que é preciso um acordo dentro das próprias instituições sobre o uso dos recursos para evitar desequilíbrios, já que algumas áreas têm mais facilidade para a captação do que outras. “As pesquisas em tecnologia ou engenharia custam, em geral, mais caro do que em humanas. Então é preciso uma definição para que não apenas uma parte da universidade seja beneficiada”, diz.

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