MEC suspende processos de autorização para novos cursos a distância em 17 áreas; veja quais

Medida não atinge graduações já em funcionamento. País vê aumento do modelo remoto, mas qualidade preocupa. Faculdades privadas dizem que EAD beneficia população mais vulnerável

PUBLICIDADE

Foto do author Renata Cafardo
Atualização:

O Ministério da Educação (MEC) publicou portaria que suspende os processos de autorização de novos cursos a distância de 17 áreas, entre elas Direito, Medicina e todas as licenciaturas. O Brasil teve uma explosão do ensino superior não presencial: o número de graduações aumentou 700% entre 2012 e o ano passado. Embora seja vista como opção para alunos mais vulneráveis, especialistas têm questionado a qualidade da modalidade a distância, especialmente em cursos de formação de professores.

Avanço do EAD vira opção para alunos mais pobres, mas qualidade na oferta preocupa especialistas Foto: Tiago Queiroz/Estadão

PUBLICIDADE

A portaria publicada nesta quarta-feira, 29, veio após consulta pública realizada neste mês pelo MEC e não afeta graduações que já estejam em funcionamento.

Processos que já estavam em andamento para abrir cursos a distância nas seguintes áreas foram suspensos:

  • Biomedicina;
  • Ciências da Religião
  • Direito;
  • Educação Física;
  • Enfermagem;
  • Farmácia;
  • Fisioterapia;
  • Fonoaudiologia;
  • Geologia/Engenharia Geológica;
  • Medicina;
  • Nutrição;
  • Oceanografia;
  • Odontologia;
  • Psicologia;
  • Saúde Coletiva;
  • Terapia Ocupacional
  • Licenciaturas em qualquer área.

Publicidade

Além disso, o MEC suspendeu os pedidos de credenciamento de instituições de ensino superior que queiram ter cursos a distância, mas não obtiveram conceito 4 na avaliação do governo federal. A escala de conceitos vai de 1 a 5.

O texto da portaria diz que a suspensão terá o prazo 90 dias “para fins de conclusão da elaboração de proposta de regulamentação de oferta de cursos de graduação na modalidade de Educação a Distância - EaD”.

O crescimento na oferta de cursos EAD tem sido registrado no País desde os anos 2000. O ritmo de criação de novos cursos aumentou a partir de 2018, impulsionado pela edição de decreto do presidente Michel Temer (MDB) no ano anterior. A norma flexibilizou a abertura de polos de educação a distância. Desde então, houve crescimento de 189,1% na oferta de cursos nessa modalidade.

Na divulgação do último censo da educação superior, o ministro da Educação, Camilo Santana, demonstrou preocupação com a expansão acelerada e disse que o MEC iria aprimorar a regulação do setor, implementando novas diretrizes para qualificar os cursos a distância.

Publicidade

“Estou bastante preocupado, primeiro com a qualidade desses cursos. Claro que facilita muito a vida do trabalhador, que tem de se deslocar. Temos de avaliar qual tipo de curso ofertado para boa formação do profissional que possa ser a distância”, disse. “Não estamos aqui demonizando o ensino a distancia. É importante para facilitar a vida. Mas, quero prezar pela qualidade da oferta desses cursos”, acrescentou o ministro.

Aumento na formação docente é uma das principais preocupações

Organizações do terceiro setor, como o Todos pela Educação, também têm demostrado preocupação com o crescimento da educação a distância, em especial para formar professores. Hoje, 4,3 milhões de alunos cursam graduação a distância no Brasil. Eram 1,1 milhão em 2012.

Presidente executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz comemorou. Para ela, a medida corrige “o erro de gestões passadas que relaxaram na regulação e autorização de cursos que não preparam os estudantes para as complexas carreiras profissionais, especialmente as licenciaturas”. Segundo ela, a formação docente é a base para melhorar o ensino básico e para o desenvolvimento social e econômico. “Permitir cursos EAD e de baixa qualidade apenas beneficia um setor específico enquanto todo o País perde.”

Em carta conjunta ao ministro este mês, o Todos pela Educação, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o conselho de secretários estaduais da educação (Consed) e outra organizações pediram medidas urgentes com relação à formação de professores na regulação da educação a distância.

Publicidade

“Ainda que os desafios da formação inicial certamente não se restrinjam apenas à questão do EAD e que o uso das tecnologias deva ser incentivado, uma sólida formação inicial exige intensa articulação teoria e prática, vivência em escolas de educação básica desde o início do curso e o desenvolvimento de habilidades relacionais que só pode ser assegurado de forma presencial”, alertava o texto.

Faculdade privada diz que EAD é opção para alunos pobres

Setores do ensino superior privado argumentam, no entanto, que a modalidade a distância permite que alunos mais vulneráveis e que precisam trabalham possam cursar educação superior. “A escolha não é entre presencial ou EAD. Hoje, para muitos no Brasil, a escolha é entre EAD ou simplesmente não poder estudar”, disse ao Estadão, em março, o diretor de ensino da grupo Yduqs e reitor da Universidade Estácio de Sá, Flávio Murilo Gouvea.

Alguns especialistas do setor dizem ainda que as medidas do MEC deveriam focar em avaliação e garantia de qualidade de cursos e não apenas em barrar o seu crescimento.

“É preciso avaliar e supervisionar as instituições que não oferecem qualidade, mas é preciso valorizar aquelas que praticam um ensino de excelência”, declarou, em nota, a presidente do Semesp, Lúcia Teixeira, entidade que representa mantenedoras de ensino superior privado. “O País também não pode ignorar que há atualmente 2 mil municípios brasileiros que possuem apenas a modalidade EAD como alternativa de ensino superior, e as populações dessas comunidades não podem ser prejudicadas por qualquer decisão intempestiva.” Segundo ela, é preciso estabelecer parâmetros e diretrizes curriculares para “respeitar e estimular as especificidades de cada curso em relação à quantidade de carga presencial e a distância”.

Publicidade

As entidades avaliam que a suspensão abrangente dos cursos, além de gerar insegurança regulatória, sinaliza o distanciamento entre a realidade do setor, a vontade da sociedade e as decisões do MEC.

Associações que integram o movimento eadinclui.org.br, de defesa da educação a distância, pedem que o MEC reavalie e “promova diálogo mais amplo com as instituições”. Para elas, a medida “suscita incertezas” e deixa “em alerta mais de 2 milhões de estudantes das áreas afetadas”.

Fazem parte do movimento estão a Associação Brasileira dos Estudantes (ABE), a Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), a Associação Nacional de Universidades Particulares (Anup) e Associação Nacional de Procuradores e Pesquisadores Institucionais das IES Privadas (Anpi).

Já para o assessor jurídico da Associação das Universidades Comunitárias (Abruc), Dyogo Patriota, a medida é correta e deve ser ampliada. “Esses cursos foram capazes de precarizar a formação dos estudantes, que não desenvolvem as habilidades profissionais necessárias e não se inserem no mercado, e debilitar gravemente a relação trabalhista com os professores, que são, na prática, obrigados a ceder direitos autorais de suas aulas já gravadas e repassadas a milhares de alunos.”

Publicidade

Em 2021, em todos os cursos de formação docente analisados, o Enade (avaliação do MEC para cursos superiores), as notas médias de EAD eram menores do que na modalidade presencial. Atualmente, 6 em 10 professores formados no País fizeram curso a distância.

Na formação de professores, pesquisas mostram que essa modalidade da distância tem maior evasão e que 70% dos alunos não realizam nem a quantidade mínima de horas de estágio obrigatório. Especialistas argumentam ainda que os professores, após a graduação, precisam dar aulas presenciais nas escolas e por isso é importante que sejam formados dessa maneira também.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.