Merenda escolar sem reajuste faz com que crianças dividam até ovo

Repasse não cresce há 5 anos e Bolsonaro veta aumento para 2023; há relatos em vários Estados, com denúncias de crianças que dividem um ovo e carimbo para aluno não repetir prato

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Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:

Com a verba federal sem reajuste desde 2017 e a inflação dos alimentos, relatos de racionamento e cortes de merenda escolar se multiplicam pelo Brasil. Alunos que tiveram a mão carimbada para não repetir o prato, ovo dividido para quatro crianças e corte de itens básicos, como arroz e carne, estão entre as queixas. Com o alto número de pais sem trabalho, a merenda é uma chance de refeição equilibrada para parte das crianças.

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Em agosto, a gestão Jair Bolsonaro vetou o reajuste, com correção pela inflação, aprovado pelo Congresso. A justificativa foi que isso poderia drenar verbas de outros programas e estourar o teto de gastos. Depois, ele não previu reajuste no Projeto de Lei Orçamentária.

A responsabilidade de custeio é de União, Estados e municípios, mas a participação federal é importante, principalmente em cidades pobres. Gestores locais dizem que a defasagem do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) tem feito os municípios gastarem mais. A inflação da cesta básica, que inclui feijão e verduras, teve alta de 26,75% de maio de 2021 a maio deste ano.

‘Antes meu filho chegava em casa e não pedia comida’, diz Natan Oliveira, pai de um aluno de 2 anos de escola pública de Belo Horizonte. Foto: Douglas Magno / ESTADAO CONTEUDO

Em Belo Horizonte, famílias de alunos da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Ipiranga denunciaram nas redes sociais a pouca quantidade de comida. As fotos mostram a refeição com a quarta parte de um ovo, uma colher de arroz, pequena porção de verduras e um pouco de molho de carne.

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“Antes meu filho chegava em casa e não pedia comida. Quando passou a pedir, achei um pouco estranho”, diz o policial Natan Oliveira, pai de um aluno de 2 anos. “Depois que vi as imagens (de pratos quase vazios), entendi que não só ele, mas todas as crianças estavam recebendo menos alimentação do que a quantidade ideal.” A merenda, diz ele, melhorou após as queixas.

Crianças recebem um quarto de ovo cozido na merenda em escola infantil de Belo Horizonte. Foto: Redes sociais/Reprodução

A prefeitura nega redução de alimentos na rede e diz que investigará o caso. Em nota, afirma que desde 2018 elevou em 260% o gasto próprio com merenda (R$ 32 milhões), “considerando que o repasse previsto do governo federal no âmbito do Pnae não sofre reajuste desde 2017, mesmo com a alta dos preços do alimento e do custo da logística”.

Vice-diretora de Emei em Porto Alegre, Francisca Carneiro diz que mães agradecem ao saber que o filho come carne e frutas. “São itens que subiram muito de preço e às vezes faltam em casa.” Na cidade, não faltou merenda porque a prefeitura dobrou o repasse próprio (de R$ 3 milhões em 2019 para R$ 6 milhões este ano). A verba federal, diz o município, só dava para o 1.º semestre.

O Pnae atende 41 milhões de alunos no País. O valor diário enviado a Estados e municípios para cada aluno é definido conforme a etapa e a modalidade de ensino. É de R$ 1,07 na creche; R$ 0,53 na pré-escola e R$ 0,36 para o fundamental e o médio. Em nota, o Ministério da Educação (MEC) diz que o Pnae alcança todos os matriculados na rede pública. E cada escola recebe alimentos conforme o número de alunos.

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Afirma ainda que o FNDE, órgão do ministério responsável pelo programa, não tem autonomia para elevar os valores per capita. Toda escola em área de vulnerabilidade social ou que recebe alunos de área vulnerável pode oferecer refeição extra, diz a pasta. Procurada para comentar o veto ao reajuste, a Presidência não respondeu.

“A alimentação escolar deve ser responsabilidade compartilhada entre União, Estados e municípios”, diz Gabriele Carvalho, do Observatório da Alimentação Escolar. “Se um desses falha, afeta o equilíbrio do sistema, pois os outros são obrigados a complementar.” Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional mostram que a fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos: de 9,4% em 2020 para 18,1% este ano.

Alunos têm a mão carimbada para não repetir merenda em escola de Planaltina, no Distrito Federal. Foto: Redes sociais/Reprodução

Carimbo

Neste mês, imagens de alunos do Centro Educacional 3 de Planaltina, no Distrito Federal, com a marca de carimbo na mão para não repetirem a merenda circularam nas redes. A diretoria da escola justificou que a medida foi de um professor para evitar “fura-fila”, com alunos servidos mais de uma vez e outros ficarem sem. Já a Secretaria da Educação disse repudiar a medida e afirma não faltar alimentos nem haver veto a repetir. Segundo a pasta, o caso foi isolado e é apurado pela Corregedoria. O sindicato dos professores diz que há restrições em mais escolas – o governo nega.

Em Cascavel (PR), pais também reclamam da falta de itens básicos, como arroz. A prefeitura diz ter notificado a empresa vencedora da licitação para corrigir eventuais faltas e destacou ter comprado R$ 33 milhões em alimentos. Auxiliar de escritório, Thais Amaral, de 29 anos, tem um filho de 6 anos na rede. “Faz mais de uma semana que ele diz que não tem arroz.” A Secretaria de Educação de Cascavel afirma que o cardápio é feito pela equipe de nutricionistas e o arroz não é o único item que compõe a lista.

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Em Melgaço (PA), relatório do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, de agosto, aponta que a merenda, de baixa qualidade, não é oferecida todo o mês. Quando falta, diz o documento, muitos alunos “ficam com fome e têm seu rendimento prejudicado. Até mesmo a ida para a escola é condicionada à existência da merenda”. Educadores relataram que, na maioria das vezes, são ofertados suco e bolacha. A prefeitura não se manifestou.

Justiça

Em Cachoeira de Goiás (GO), a Justiça mandou repassar os R$ 755 mil da Festa do Divino Pai Eterno para a merenda, já que as escolas serviam só bolacha, leite e suco.

Em Alcântara (MA), a Justiça mandou regularizar o fornecimento. As prefeituras dizem ter resolvido o problema. COLABOROU FÁBIO DONEGÁ, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

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