Ministro diz que meta é ensino integral para todos e defende debater democracia e política na escola

Universalizar modelo de jornada ampliada é meta, diz Camilo Santana; ele também fala sobre importância de discutir democracia em sala de aula

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Foto do author Renata Cafardo
Entrevista comCamilo SantanaMinistro da Educação

O ministro da Educação, Camilo Santana (PT), quer que todas as crianças estudem em tempo integral nas escolas públicas brasileiras. Para isso, seria necessário mudar a situação de mais de 80% dos cerca de 40 milhões de alunos do País, que hoje permanecem nas escolas por cerca de 4 horas. Em países desenvolvidos, contando esportes e atividades extraclasse também gratuitas, o ensino chega a ocupar 10 horas.

“O plano será ousado para que possamos dar um salto mais rápido na educação do País”, disse ao Estadão, na 1ª entrevista no cargo. Estados como Pernambuco e Ceará, chefiado por Camilo por oito anos, estão entre os que mais têm alunos no integral. Pesquisas dizem que o modelo reduz o abandono escolar, cria mais empregabilidade e aumenta a conexão do professor e do aluno com a escola. Mas custa o dobro do valor por aluno – e o governo Lula (PT) começa com espaço fiscal restrito.

Camilo, porém, diz que o ensino básico é prioridade para o presidente e que “não tem dúvidas” de que haverá investimento. Nos 13 anos da gestão federal petista, houve o Mais Educação, programa de ensino integral, que perdeu recursos na 2ª gestão Dilma Rousseff (PT). O modelo também não teve impulso sob Jair Bolsonaro (PL). O MEC é uma das áreas que mais sofreram no último governo, com brigas ideológicas, influência de pastores e cortes de verba. Camilo afirma ainda avaliar o que foi feito pelo antecessor e não fala em eliminar agora o programa de escolas cívico-militares.

Camilo diz que o ensino básico é prioridade para o presidente e que “não tem dúvidas” de que haverá investimento  Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Menos de 15 dias após os ataques em Brasília, ele diz que alunos devem aprender sobre democracia, liberdade de expressão e política. “Sou aquele que defende que tudo na vida é uma questão política. Não política partidária”, afirma. “A democracia é você entender que as pessoas pensam diferente.”

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O sr. anunciou esta semana o aumento do piso do magistério, mas são os Estados e municípios que devem arcar com o reajuste. E a Confederação Nacional dos Municípios está reclamando do custo e dizendo para os prefeitos ignorarem a decisão.

O que estou cumprindo, aqui como ministro, é o reajuste que era anunciado todo janeiro nos anos anteriores. As regras foram estabelecidas anteriormente, baseadas em parecer técnico e jurídico. Este é um tema que os prefeitos e governadores já vinham há algum tempo discutindo. Ao longo dos meus oito anos como governador, implantei todos os reajustes no meu Estado, entendo a importância da valorização dos professores, fator determinante para melhorar a qualidade da educação. Mas também temos que olhar a sustentabilidade disso. E agora, ao longo do ano, vamos abrir essa discussão.

Há resistência de alas do PT à reforma do ensino médio, aprovada na gestão Michel Temer e já em vigor. Como vai lidar com isso?

Tivemos avanços importantes na reforma. Há pontos em que há questionamentos por parte de alguns setores. E a ideia é que possamos fazer uma avaliação. Convocar secretários estaduais, especialistas na área, comissão do Senado e da Câmara, para avaliar quais foram os pontos importantes e os gargalos que podem ser corrigidos. Repito: o meu estilo e a minha determinação é que a gente possa sempre abrir um diálogo e nada seja feito sem ouvir todos os segmentos envolvidos. E também estamos verificando algumas medidas mais urgentes que serão tomadas e o presidente da República está ciente disso. Há seis anos não há reajuste da alimentação escolar. Já estamos finalizando um estudo para anunciar um novo reajuste e também vamos discutir uma nova política do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Por causa do momento de intolerância e ataques à democracia, muitos falam sobre a importância de ter no currículo valorização da democracia, cidadania, ética. Concorda?

Esse tema precisa ser transversal. Quando discute matemática, discute a importância da liberdade de expressão, de crítica, pensamento e democracia. Precisa permear todas as áreas do conhecimento. Espaços de criatividade e raciocínio, assim como questões socioemocionais, haja visto os atos ocorridos. E o último governo tinha viés ideológico muito forte. O MEC foi praticamente desmontado, tentando criar viés ideológico onde ia contra valores de democracia, liberdade e instituições no País.

O MEC foi praticamente desmontado, tentando criar viés ideológico onde ia contra valores de democracia, liberdade e instituições no País

Camilo Santana, ministro da Educação

Há quem defenda que não se deve falar de política na escola, enquanto muitos educadores dizem que sim.

Sou aquele que defende que tudo na vida é uma questão política. Não falo de política partidária. Quem define o salário mínimo é a política. Precisa ser discutida nas escolas, sindicatos, bares e condomínios. A política é que decide o futuro do Brasil. A democracia é você entender que as pessoas pensam diferente.

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A política é que decide o futuro do Brasil. A democracia é você entender que as pessoas pensam diferente.

Camilo Santana, ministro da Educação

Os professores estão preparados para essa discussão?

O Brasil, apesar de uma democracia nova, tem dado demonstrações firmes de valorizar a sua democracia e instituições. Isso é muito maior e mais forte que os fatos lamentáveis no último dia 8.

O Enem mudará em 2024 para se adequar à reforma do ensino médio?

O Manuel Palácios, novo presidente do Inep, é um grande especialista na área. Ainda não me reuni com ele. Mas a gente tem um desafio enorme no Enem. Tivemos uma redução drástica de participantes. Em 2014, chegamos a ter quase 6 milhões de alunos e, no último, 1,9 milhão. Temos de induzir a participação, criar uma nova comunicação, discutir esta questão de se adequar à reforma do ensino médio.

Como vê o MEC anterior?

O MEC não teve muitos critérios do ponto de vista técnico para os programas. Houve direcionamento forte dos recursos de emendas parlamentares. Não se chamou os governadores e prefeitos para as discussões, dou este testemunho porque eu era governador (do Ceará). A primeira coisa que quero mostrar é que o MEC vai abrir o diálogo para discutir com todas as instituições, os representantes de secretários municipais, estaduais, prefeitos, governadores, entidades de trabalhadores, representantes dos professores e também dos estudantes. Qualquer política pública, principalmente na área da educação, só tem sucesso e resultado se tiver o regime de colaboração entre as três esferas da federação. Esse foi o exemplo de sucesso do Ceará, a parceria entre Estado e municípios. O MEC tem papel importante de coordenar isso.

Menos de 15 dias após os ataques em Brasília, ministro diz que alunos devem aprender sobre democracia  Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

As escolas cívico-militares, ainda terão incentivos?

Solicitei estudo do resultado do programa. A política de alfabetização anterior também não tem indicadores e já recebeu várias reclamações. Todos serão avaliados para tomarmos decisões mais seguras.

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É uma meta melhorar a posição do Brasil no Pisa (avaliação mundial da OCDE)?

Claro. Mas precisamos corrigir muitas questões. Não é algo que consegue de um ano para o outro. Exige cooperação entre os entes, alfabetização, qualificação dos professores. Apenas ⅓ um terço das crianças consegue aprender a ler e a escrever na idade certa. Sobre os professores, quase 400 mil não têm licenciatura ou formação para a área que ensina. Precisamos corrigir isso urgentemente, envolvendo universidades, Capes, com bolsas. E ainda a escola em tempo integral. É outra determinação do presidente: uma proposta para universalizar e permitir que as escolas sejam de ensino integral.

Dá para universalizar?

A meta é essa. Mas vamos avaliar em quanto tempo o Brasil pode alcançar isso.

Só no ensino médio ou fundamental também?

Defendo em todas as séries. Mas, claro, vamos definir planejamento, que se inicia pelo médio, nas últimas séries do fundamental, os anos mais delicados para o jovem. Queremos apresentar um plano para os próximos cem dias. Será ousado para que possamos dar um salto mais rápido na educação do País. Além de garantir oportunidade a nossas crianças, é uma política de proteção da meninada. A maior política de prevenção à violência é implementar a escola em tempo integral em todos os níveis.

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A maior política de prevenção à violência é implementar a escola em tempo integral em todos os níveis.

Camilo Santana, ministro da Educação


Mas é preciso muito dinheiro.

Mas se o Brasil pensa em dar prioridade para a educação, isso precisa ser discutido. O país que não investe na educação está fadado ao fracasso. Mas nada pode ser feito sem planejamento. Quem vai tomar essa decisão será o presidente. Ele também quer que todas as escolas de nosso país estejam conectadas e também o acesso a tecnologia digital, como podemos ampliar para que todas as escolas tenham internet e computador. Até porque a pandemia acelerou esse processo.

Como avalia a disposição do governo para investir, de fato, mais em educação?

Não há dúvida que é prioridade. Temos o ministro da Fazenda (Fernando Haddad), que já foi da Educação e sabe da realidade. O presidente tem colocado isso como prioridade. Combater a fome, ensino básico e reduzir filas de atendimento da saúde.

O deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos) disse nas redes que o presidente Lula estaria atrapalhando as pessoas com deficiência ao revogar decreto da educação inclusiva editada pelo governo Bolsonaro. O que o senhor tem a dizer?

A proposta anterior era de que as crianças com deficiências deveriam ter salas especiais, escolas especiais. Então, havia toda uma divergência. Temos outra visão, de que essa inclusão precisa estar dentro da própria estrutura, da própria escola, da convivência das pessoas com deficiência com todos e todas que estão na escola. Ao contrário, acho que foi uma decisão importante do presidente.

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As universidades federais sofreram cortes sucessivos de verba. Há possibilidade de melhorar esse cenário?

Conseguimos no orçamento aprovado no fim do ano compor um pouco do orçamento que as universidades perderam nos últimos anos. Vamos ter uma recuperação, não somente em investimentos, mas em custeio de bolsas. O importante é que o presidente quer fortalecer a autonomia das universidades e seus investimentos. Consideramos a importância do papel da universidade, da ciência e da tecnologia.

E as universidades particulares: qual vai ser a política para aprovação e credenciamento de cursos e faculdades?

As universidades particulares têm papel importante na formação e qualificação de jovens. Temos várias parcerias com elas, como o Fies, que financia cursos para os alunos. Sobre criação de novos cursos, vamos avaliar. Revoguei uma portaria que tinha sido publicada em 31 de dezembro (sobre a criação de cursos de Medicina), que não tinha parecer conclusivo do jurídico, e ainda precisa ser discutida. Precisamos criar cursos, de acordo com as demandas e ver a qualidade desses cursos. Isso é fundamental. Foram criados muitos cursos de educação a distância, mas que estão longe da qualidade ideal para a formação de um profissional. São questões que precisamos reavaliar e discutir, convocando os representantes dos setores.

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