Brasil perde mais 650 mil alunos na educação infantil durante a pandemia

Queda de matrículas na creche foi de 9%, puxada pela redução na rede privada; crise sanitária e econômica explicam diminuição

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O Brasil perdeu mais de 650 mil matrículas de estudantes na educação infantil durante a pandemia. O número de matrículas em creches (0 a 3 anos) no Brasil caiu 9% no ano passado, na comparação com 2019. Na pré-escola (4 a 5 anos), a queda foi de 6%. A redução foi puxada, sobretudo, pela saída de alunos da rede particular, em meio às crises econômica e sanitária pela covid-19. 

O cenário impõe a necessidade de estruturar a rede pública para absorver a demanda e fortalecer o trabalho em sala de aula, para atender crianças que não tiveram contato com a escola. Os dados são do Censo Escolar 2021, divulgados nesta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC). 

Creche é apontada por especialistas como fundamental para o desenvolvimento da criança Foto: Hélvio Romero/Estadão

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Segundo o levantamento, as matrículas em creche caíram de 3,7 milhões em 2019 para 3,4 milhões em 2021, o que representa 338 mil crianças a menos na escola. Até 2019, havia tendência de crescimento nas matrículas nessa etapa. O recuo ocorreu principalmente na rede privada, com queda de 21,6%, de 2019 a 2021. Na rede pública, também houve redução, mas em ritmo menor. O levantamento evidencia, segundo especialistas, que a saída de crianças das escolas particulares durante a pandemia não foi absorvida completamente pela rede pública. 

A educação infantil é apontada por especialistas como fundamental para o desenvolvimento das crianças. Durante a primeira infância, até os 6 anos, ocorre a maior parte das conexões cerebrais e os estímulos oferecidos em casa e pela escola têm maior potencial de retorno futuro.  Sem dinheiro para pagar escolas particulares, famílias deixaram de matricular os filhos na creche durante a pandemia, já que essa etapa não é obrigatória. O medo da contaminação pela covid também levou à redução nas matrículas. 

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Cecília, de 3 anos, foi uma das crianças que deixou de ir à escola. “Tive receio de retornar com ela, por segurança em relação à saúde”, conta a mãe, a tradutora Zoe di Cadore, de 32 anos, de Belo Horizonte. A menina deve voltar agora, depois que a família foi vacinada. 

Já a artesã Sarah Araújo, de 28 anos, até tentou, desde o início da pandemia, matricular a filha Flora, de 2, mas não conseguia vaga na rede municipal. Ela conta que não tinha prioridade na fila de espera porque perdeu o emprego formal e não recebe auxílio do governo. “Em tudo que faço, ela está junto. Em casa, enquanto ela dormia, eu tinha de trabalhar. Fico muito cansada.” A mãe, de Goiás, só conseguiu uma vaga para a filha este ano. 

A pré-escola (4 a 5 anos) também apresentou tendência semelhante de recuo. No período entre 2019 e 2021, a queda foi de 6% no número de matrículas nessa etapa de ensino (redução de 315 mil matrículas). Já na rede privada, o recuo foi ainda maior, de 25,6%. “De 8 até 14 anos praticamente universalizamos o acesso (à escola). Temos desafios nos anos iniciais e sobretudo na creche, quando a frequência à escola cai no Brasil”, afirmou o diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, Carlos Eduardo Moreno Sampaio. 

A redução nas matrículas coloca o País mais distante de cumprir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Na faixa de 0 a 3 anos, a frequência escolar é de 35,6%, conforme os últimos dados disponíveis, de 2019 - a meta do PNE é de 50%. Isso significa necessidade de ampliar o número de matrículas de 3,4 milhões para cerca de 5 milhões. Já para a faixa etária de 5 anos os dados de atendimento escolar mais recentes também mostram queda: de 93,5%, em 2020, para 83,9% em 2021. O PNE estabelece que o atendimento deve ser universal de 4 a 5 anos.

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Segundo Anna Helena Altenfelder, do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), a redução nas matrículas em escolas particulares faz crescer a demanda na rede pública, que deve se preparar para receber mais crianças, com qualidade. “Podemos ter cenário de aumento de fila.”

E, do ponto de vista pedagógico, escolas e redes de ensino terão de lidar com um contingente de alunos que não passou pela creche ou pré-escola na pandemia. “As crianças precisam ter experiências educativas em quantidade e qualidade. Sem dúvida, o afastamento da creche traz prejuízo.” Segundo ela, será preciso que educadores estejam atentos a questões como socialização das crianças e desenvolvimento da linguagem. 

Resposta à pandemia mostra disparidades

Os dados do Censo Escolar também evidenciam as disparidades no ensino durante a pandemia. Na rede privada, 7 em cada 10 escolas não retomou as atividades presenciais no ano de 2020 - a taxa salta para 85,9% na rede estadual e para 97,5% na rede municipal.

Além disso, foi baixo o número de municípios que conseguiu oferecer aulas síncronas (ao vivo) durante a pandemia em 2020. A maior parte dos municípios (2.449) informou que nenhuma de suas escolas teve aulas ao vivo, mediadas pela internet, em 2020. Esse tipo de aula possibilita a interação direta entre o professor e o aluno e foi utilizada por boa parte das escolas particulares de elite no País.  COLABORARAM MARINA RIGUEIRA E GABRIELA MACÊDO

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