‘Não é tribunal racial’: pró-reitora da USP rebate críticas à banca que avalia candidatos a cotas

Avaliação pode ser aperfeiçoada, mas é fruto de debates, pondera Ana Lúcia Duarte Lanna; à Justiça, universidade justificou vaga negada a jovem autodeclarado pardo por ‘lábios afilados’ e ‘pele clara’

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Por Ma Leri
Atualização:

A pró-reitora de Inclusão e Pertencimento da Universidade de São Paulo (USP), Ana Lúcia Duarte Lanna, rebateu as críticas de que a banca de heteroidentificação para avaliar candidatos às cotas seja um “tribunal racial”. Críticas desse tipo vieram à tona após casos de estudantes autodeclarados pardos que tiveram a matrícula negada pela comissão, que faz uma análise das características físicas dos candidatos.

USP adota comissões de heteroidentificação desde 2023. Na imagem, a fachada da Faculdade de Medicina  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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“Essa posição que diz que as comissões de heteroidentificação como tribunal racial são muito complexas, porque desconhecem o acúmulo de debate em torno dessa questão, indo contra a política de cotas”, disse ao Estadão a professora, à frente do órgão criado em 2022 para cuidar das políticas de diversidade na maior instituição de ensino superior da América Latina.

“Não é um tribunal racial. É assumir que os traços fenótipos estão na base da discriminação e da violência que a população negra sofre no Brasil”, acrescentou. As comissões de heteroidentificação são adotadas pela instituição desde 2023, com o objetivo de coibir fraudes nas autodeclarações.

A pedido da Justiça, a USP apresentou os motivos de ter negado vaga ao candidato Alison dos Santos Rodrigues, de 18 anos, em fevereiro. Ele foi aprovado em Medicina por meio das cotas para pretos, pardos e indígenas (PPI), mas teve a inscrição barrada pela banca.

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Os avaliadores entenderam que o jovem, que se autodeclara pardo, não apresenta as características fenotípicas de uma pessoa negra. A universidade o descreveu o como “de pele clara”, com “boca e lábios afilados” e disse que o “cabelo raspado” impediu a comissão de identificá-lo adequadamente.

Alison dos Santos Rodrigues foi aprovado em Medicina. Foto: Arquivo pessoal/Laise Mendes dos Santos

Não foi o único questionamento levado à Justiça. O caso é semelhante ao de Glauco do Livramento, de 17 anos, aprovado para Direito, que também teve seu ingresso negado. Segundo a pró-reitora, o total de judicalizações é pequeno diante do número de candidatos que passam pela análise da banca: 20 ações movidas diante de cerca de 2,3 mil avalições.

Ana Lúcia afirma que os processos são acompanhados pela pró-reitoria em diálogo com a procuradoria jurídica da USP e reafirma que a universidade cumpre as determinações da Justiça. “Eles (equipe da procuradoria) nos informam os quantitativos e se precisam de algum tipo de esclarecimento para poder responder às demandas do juiz, como deve ser feito democraticamente”, afirma.

Ela também reconhece que o debate sobre como conduzir esse processo é complexo, sobretudo diante das demandas da população parda (cuja identificação fenotípica é mais difícil) e que demanda aperfeiçoamentos.

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“É uma longa discussão, mas basicamente o que estamos fazendo é seguir todo uma normativa que existe já consolidada, toda uma demanda dos movimentos negros, toda uma discussão acumulada nas universidades”, argumentou.

Desde 2018, quando a maioria das instituições de ensino superior começou a criar comissões de heteroidentificação, estudantes vêm reclamando de “injustiças”. Cursos muito concorridos, como o de Medicina, estão entre os que mais apresentam queixas. São essas carreiras em que há maior pressão contra fraudes, prática que era mais frequente antes de criadas as comissões.

De modo geral, as comissões de heteroidentificação em universidades são compostas por docentes e servidores técnico-administrativos selecionados com critérios de diversidade racial e de gênero. Na USP, alunos da graduação e da pós-graduação indicados pela Coligação dos Coletivos Negros da universidade, e um representante da sociedade civil, também participam.

“Todo ano, nós produzimos uma avaliação dos resultados e uma avaliação das políticas, dialogando com Unesp e Unicamp, que são as outras (universidades) estaduais paulistas, e vamos produzindo coletivamente uma aprimoramento desse instrumento que é importante para a construção de um ambiente inclusivo”, afirmou Ana Lúcia.

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STF deu aval a avaliação por características físicas

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O Supremo Tribunal Federal (STF), em Ação Declaratória de Constitucionalidade de 2017, definiu que as características para esse tipo de avaliação devem ser físicas, visto que o preconceito no Brasil tende acontecer a partir de julgamento de fenótipos.

O Supremo instituiu, na mesma ação, que no caso de pretos e pardos as características que devem ser consideradas por bancas avaliadoras em concursos e processos seletivos como vestibulares são:

  • Textura do cabelo (crespo ou enrolado);
  • Nariz largo;
  • Cor da pele (parda ou preta);
  • Lábios grossos e amarronzados.

Documentos do candidato e a ancestralidade (se há pessoas pretas e/ou pardas na família) não devem ser avaliados ou considerados, conforme recomendação do STF. Antes de 2017, quando o tribunal criou essa definição, era comum que as comissões utilizassem critérios próprios.

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