Brasil no Pisa revela que desempenho que era tão ruim não podia piorar; leia análise

Nota de países que integram a OCDE caíram de forma vertiginosa em Matemática e Leitura em comparação com a avaliação anterior

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Por Guilherme Lichand
Atualização:

Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2022 foram divulgados nesta terça-feira, 5. O exame avalia estudantes de 15 anos matriculados na escola, cobrindo questões de múltipla escolha e discursivas de Matemática, Leitura e Ciências em 81 países.

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Além das notas médias em cada área do conhecimento, o Pisa classifica os estudantes em diferentes níveis de proficiência. No exame de 2022, a nota média dos jovens nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) retrocedeu 15 pontos em Matemática (o equivalente a 75% de um ano letivo) e 11 pontos em Leitura (55% de um ano letivo) em relação à última edição, em 2018.

Os números são muito parecidos com os que documentamos em um estudo recente realizado com dados do universo dos estudantes dos anos finais do ensino fundamental e médio do Estado de São Paulo (The Lasting Impacts of Remote Learning in the Absence of Remedial Politices: Evidence from Brazil, em co-autoria com Carlos Alberto Dória). Um ano após a retomada das aulas presenciais, estimamos perdas acumuladas da mesma magnitude, medidas por meio de avaliações padronizadas.

Pisa é focado na avaliação de competências, em particular através de perguntas discursivas Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

No Pisa, contudo, a nota média dos estudantes brasileiros praticamente não retrocedeu em relação a antes da pandemia. O que explica essa aparente inconsistência entre os resultados do Pisa e aqueles no nosso estudo?

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As grandes diferenças são o que medem as diferentes avaliações e o desempenho dos estudantes brasileiros em cada uma delas. Como costuma afirmar Francisco Soares, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), as avaliações brasileiras alinhadas ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) são exclusivamente de múltipla escolha e focadas em habilidades específicas, ao invés de exigir que o aluno combine múltiplas habilidades na resolução de problemas complexos. Já o Pisa é focado na avaliação de competências, em particular por meio de perguntas discursivas.

O Brasil teve desempenho tão ruim nessa avaliação ao longo da última década que não havia muito espaço para piorar. Em 2012, quase 70% dos nossos estudantes de 15 anos não atingiam o nível básico de proficiência em Matemática – isto é, não eram capazes de interpretar ou reconhecer, sem instruções diretas, como uma situação simples pode ser representada matematicamente (como, por exemplo, comparar distâncias entre rotas alternativas, ou converter preços de dólares para reais).

Já na OCDE, em 2012, apenas 25% dos estudantes estavam aquém do nível básico de proficiência em Matemática. O relatório recém-divulgado mostra que as perdas foram fortemente concentradas entre os estudantes de alta proficiência em cada disciplina.

Se considerarmos, portanto, que as perdas dos estudantes brasileiros foram tão dramáticas quanto as do resto do mundo (apenas mais difíceis de capturar nesta avaliação), nos resta discutir o que fazer (para além de lamentar). Nesse mesmo estudo, documentamos que políticas de recomposição de aprendizagens são necessárias para avançar.

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Em particular, programas de tutoria no turno escolar e estratégias de comunicação com os estudantes e suas famílias focada em habilidades socioemocionais, tão negligenciadas no período de ensino remoto, podem até mesmo dobrar as taxas de aprendizagem diante das enormes perdas acumuladas. Infelizmente, essas e outras políticas ainda não são adotadas em escala por quase nenhuma rede no país.

*Guilherme Lichand é professor de Educação da Universidade Stanford (EUA). Tem PhD em Economia Política e Governo pela Universidade de Harvard