Como é o ensino médio nos países ricos? ‘Ou o Brasil descobre um jeito de ser produtivo ou quebra’

Há menos flexibilidade do que o modelo oferecido hoje no Brasil e investimento para que os alunos cursem ensino técnico ao mesmo tempo, diz estudo de pesquisadores de Stanford

PUBLICIDADE

Foto do author Renata Cafardo
Atualização:

Países com notas mais altas em avaliações internacionais e baixo índice de abandono da escola têm menos flexibilidade e menos opções de escolha para os alunos do que prevê o novo ensino médio no Brasil. Depois de pressões por revogação, o modelo passa por consulta pública no Ministério da Educação (MEC), que deve anunciar propostas de mudanças a partir do mês que vem.

PUBLICIDADE

As conclusões são de um estudo de pesquisadores da Universidade de Stanford (EUA), que mostra ainda que países desenvolvidos investem fortemente para que o alunos cursem o ensino profissional e tecnológico junto com o médio. No Brasil, só 10% dos alunos estão nessa modalidade, quando a taxa é de 68% na Finlândia e de 49% na Alemanha. O técnico é hoje uma das opções que podem ser oferecidas no novo ensino médio brasileiro.

Um dos autores do estudo, o economista e professor brasileiro de Educação em Stanford Guilherme Lichand, diz que o ensino técnico pode ser um modo de o Brasil ter mais produtividade e reduzir a desigualdade, já que mais jovens estariam prontos para entrar no mercado após o médio.

“Estamos no fim da transição demográfica. Daqui a poucos anos vamos ter mais aposentados do que gente trabalhando, em um país pobre. Ou a gente descobre um jeito de o País ser mais produtivo ou quebra”, afirma Lichand.

“Todos os países analisados ofertam, em maior ou menor escala, a educação profissional e tecnológica. Mais do que isso, dentre os países analisados, aqueles com os níveis mais altos de proficiência e com as maiores taxas de conclusão são, tipicamente, os que possuem maior cobertura da EPT (educação profissional tecnológica)”, conclui o estudo.

Publicidade

Segundo pesquisas, áreas como ciência de dados, comunicação, administração, turismo e tecnologia em geral são de grande interesse dos jovens para ensino técnico.

Levantamento realizado pelo Instituto Reúna e pelo Itaú Educação e Trabalho, analisando currículos do novo ensino médio de 11 Estados, mostrou que 72% deles tinham disciplinas estritamente acadêmicas; somente 28% incluíam a educação profissional e tecnológica.

O estudo do Centro Lemann em Stanford, intitulado Policy Review: Insumos para a reforma do Ensino Médio, faz parte de uma série que está analisando políticas públicas em vários países e as comparando com o Brasil. O primeiro deles foi sobre alfabetização. O documento afirma ainda que, apesar das nações analisadas terem também currículos flexíveis, o que é uma das ideias principais do novo ensino médio, as opções de escolha são reduzidas.

Em geral, são duas ou três trilhas possíveis para o adolescente escolher, que incluem um caminho mais acadêmico e outro técnico profissional, como na Finlândia, em Portugal e na Austrália. Há países, como a Alemanha, em que o estudante sequer pode optar, o que determina seu ensino médio são suas notas e avaliações feitas por professores aos 10 anos de idade.

São duas ou três trilhas possíveis para o adolescente escolher, que incluem um caminho mais acadêmico e outro técnico profissional, como na Finlândia (foto), em Portugal e na Austrália Foto: Agnieszka Flak/Reuters

Entre os analisados, só a Argentina tem quantidade grande de itinerários, que inclui ciências sociais, humanas, música, artes visuais e técnico. “No país, contudo, a taxa de conclusão do ensino médio é ainda mais baixa que no Brasil, ilustrando que flexibilidade curricular tampouco é condição suficiente para baixa evasão e alta proficiência”, afirma o estudo.

Publicidade

No Brasil, Estados atualmente oferecem até 17 itinerários formativos no novo ensino médio, mas nem sempre com qualidade ou em todas as escolas. Críticos da reforma afirmam que a amplitude e o pouco direcionamento do MEC para criação das trilhas foi um dos motivos dos problemas atuais.

PUBLICIDADE

Entre as sugestões para mudar o novo ensino médio entregues ao MEC estão a do Todos pela Educação, que pede um núcleo comum de conhecimentos e habilidades para cada área nos itinerários, “que dariam mais clareza aos sistemas de ensino”, segundo a entidade. Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que é a favor da revogação, acredita que os itinerários poderiam ser substituídos por matérias eletivas apenas no 3º ano do ensino médio.

“Se, em geral, alunos e pais têm poder de escolha sobre qual trilha será seguida nessa etapa de ensino, flexibilidade de escolha não é condição necessária para sistemas da alta proficiência e baixa evasão”, afirma o estudo. “O que mantém o aluno na escola é uma relação mais sistemática com ensino profissional e técnico articulado”, diz Lichand. Ele dá exemplos de países como a Suíça, uma das referências mundiais em ensino técnico, em que o aluno estuda e trabalha como aprendiz em empresas.

Na Suíça, uma das referências mundiais em ensino técnico, o aluno estuda e trabalha como aprendiz em empresas Foto: REUTERS/Denis Balibouse

Além do estudante aplicar diretamente o conhecimento adquirido, ele é remunerado, aumentando o engajamento e reduzindo a evasão. No Brasil, só 70% dos alunos terminam o ensino médio - cerca de 60% entre pretos e pardos. Em países desenvolvidos, a taxa é sempre superior a 80% e chega a 99% na Finlândia. Além disso, o número de alunos que têm desempenho abaixo do considerado adequado nas três áreas (Linguagens, Ciências e Matemática) no Pisa, avaliação internacional feita pela OCDE, não chega a 13%. No Brasil, são 43% dos meninos e meninas de 15 anos.

Estigma negativo do técnico

“Um dos grandes problemas em alguns países que tentaram sem sucesso introduzir programas de ensino técnico foi que eles não conseguiram superar a imagem negativa associada às habilidades vocacionais em comparação às habilidades acadêmicas”, diz a professora da Universidade de Zurique, na Suíça, e especialista na área, Uschi Backes-Gellner, que também faz parte do estudo. Segundo ela, esse estigma faz com que os programas de ensino técnico atraiam os estudantes com pior desempenho ou os mais pobres, como é o caso do Brasil.

Publicidade

Outra preocupação é a de que o ensino profissional fecharia as portas para a universidade. Para outro especialista que participa do estudo, o professor de Educação de Stanford Eric Bettinger, ocorre o contrário. Segundo ele, o ensino profissional tecnológico “democratiza a educação porque oferece um conjunto mais amplo de oportunidades aos estudantes”. “Quando os Estados Unidos expandiram a oferta dos community colleges (que oferecem ensino técnico), o total de jovens que seguiu estudando após o ensino médio aumentou.” O mesmo é registrado em países como Alemanha e Suíça, em que muitos dos que cursam o técnico durante o ensino médio ingressam na universidade.

O estudo conclui que “não é razoável esperar que, mesmo com mais horas na escola e a expansão da educação profissional e técnica articulada, todos os problemas do ensino médio brasileiro vão imediatamente desaparecer”. É preciso apoio técnico e financeiro para os Estados - que têm as escolas de ensino médio - organizarem com qualidade seus currículos e que ainda haja monitoramento das ações.

Na semana passada, em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, o ministro da Educação, Camilo Santana, disse que foi um “grande equívoco reduzir a carga horária da base comum curricular”, referindo-se às 1,8 mil horas que ficaram destinadas à formação básica – disciplinas tradicionais como Português, Matemática e Biologia - no novo modelo. Outras 1,2 mil horas são para os itinerários formativos. “Nós precisamos reformar isso. Nós também temos que olhar o Enem e estimular a formação do ensino profissionalizante, focar nas vocações do mercado de trabalho”, acrescentou Camilo.

A consulta pública no MEC sobre o novo ensino médio foi prorrogada até 5 de julho a pedido de entidades como o conselho de secretários estaduais (Consed). Depois disso, o ministério deve elaborar uma proposta de mudança, que pode ser feita por projeto de lei ou medida provisória, segundo o ministro.

São Paulo

O governo de São Paulo anunciou este mês que pretende aumentar a oferta de vagas no ensino técnico que será oferecido dentro das escolas estaduais. Segundo a Secretaria de Educação, serão criadas 65 mil novas vagas após pequisa que identificou o interesse dos alunos. A medida, no entanto, é vista como desnecessária pelo Conselho Estadual de Educação, que entende que o investimento em ensino técnico deveria ser feito por meio do fortalecimento do Centro Paula Souza, que também é do Estado. Especialistas ainda temem que os cursos tenham qualidade “precária e barateada”.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.