O Ministério da Educação (MEC) apresentou nesta segunda-feira, 7, suas propostas para readequar a reforma do ensino médio. Para especialistas e gestores ouvidos pelo Estadão, a pasta acerta em não revogar a reforma, em aumentar a carga horária de disciplinas básicas e em diminuir a quantidade de possíveis itinerários – pontos considerados críticos no modelo vigente. Mas ainda há, segundo eles, muitas lacunas a serem preenchidas.
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Segundo Vitor de Angelo, presidente do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), a proposta mostra que o ministério escutou especialistas, gestores e professores e está focado em reduzir as desigualdades na educação, que teria sido acentuada pelo modelo atual. Isso porque as escolas públicas geralmente têm menos infraestrutura do que as particulares para criarem seus próprios itinerários formativos, que faz parte da carga flexível do currículo.
O MEC não escolheu a revogação, conforme defendia parte das entidades, mas optou por ajustes, com base nos principais pontos críticos apontados pelos educadores. Falta, no entanto, detalhar melhor as propostas e considerar possíveis entraves na implementação, dizem os especialistas.
A equipe do MEC pretende consolidar a proposta até 21 de agosto, quando devem ser finalizadas as reuniões com entidades educacionais, para que o texto final de alteração da reforma do ensino médio possa ser apresentado ao Congresso ainda no início de setembro.
“O ministério aponta para o lugar certo, mas a maneira como aponta precisa ser discutida”, afirma de Angelo. “Da onde saiu essa definição desses itinerários propostos (antes eram cinco, e agora são dois mais o curso técnico)? São majoritários nacionalmente? Todos os Estados têm infraestrutura para ministrá-los? Por que esses e não outros, já que tem vários itinerários possíveis?”, pondera ele, secretário da Educação do Espírito Santo.
Olavo Nogueira, diretor executivo do movimento Todos Pela Educação, concorda com De Angelo. Para ele, o governo acertou também na restrição ao ensino a distância – que ele considera exagerada no modelo atual, que previa até 20% de aulas remotas na parte flexível do currículo .
Por outro lado, Nogueira vê restrição excessiva em relação aos possíveis itinerários e à liberdade dos Estados em escolher quais implementar.
Ricardo Tonassi, presidente do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede), diz ainda que é preciso avaliar o custo e a viabilidade dessas mudanças, já que muitos Estados já vinham implementando o novo ensino médio e fizeram diversas contratações e compras para isso nos últimos anos. Segundo ele, é preciso chegar a definições melhor lapidadas e justificadas.
O que diz a nova proposta do governo?
As principais mudanças propostas pelo governo para readequar o novo ensino médio são:
- Aumentar a carga horária de disciplinas de base (comum a todos, como Português, Matemática e Química) de 1,8 mil horas para 2,4 mil horas ou 2,2 mil horas (nos casos do ensino médio integrado com cursos técnicos);
- Diminuir a carga horária obrigatória das disciplinas dos itinerários formativos de 1,2 mil horas para 600 horas no mínimo, sem limite máximo – o que incentivaria a ampliação de cursos integrais;
- Reduzir as opções de itinerários formativos de cinco (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e Formação técnica) para três: 1) Ciências da Natureza, Linguagens e Matemática, 2) Ciências Humanas e Sociais, Linguagens e Matemática e 3) Formação Técnica e Profissional).
Carga horária e desafios no ensino profissionalizante
Para De Angelo, apesar do aumento da carga horária de disciplinas de base ser positivo, ele torna inviável a aplicação de cursos técnicos mais qualificados no modelo regular. É o caso de cursos de técnico de Enfermagem, por exemplo, que demandam mais tempo dedicado à profissionalização. “Mesmo com 800 horas disponíveis para o técnico, alguns cursos demandam mil ou 1,2 mil horas”, diz.
Dessa forma, os cursos técnicos só seriam ministrados no modelo integral, concomitante (quando é feito o ensino básico de manhã e o curso profissionalizante à noite, por exemplo) ou com o alongamento do curso de três para quatro anos. Esses modelos, no entanto, têm alta taxa de evasão e por isso não seriam ideais, afirma de Angelo.
“É um cobertor curto: puxa de um lado e descobre o outro. Precisa encontrar um meio termo”, diz o presidente do Consed. Ele aponta ainda que a diferença de horas no currículo de base (1,4 mil para a maioria e 1,2 mil para alguns cursos técnicos) também pode gerar confusão, afinal, o que seria passível de ser excluído em um currículo que deve ser entendido como básico e comum a todos?
“Esse é o principal debate que será formado agora: como será formulado o ensino profissionalizante? Minha opinião é de que deveria ser integrado, sem concorrer com a formação básica. Mesmo o ensino técnico deveria ter as 2,4 mil horas básicas”, opina Fernando Cássio, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) especialista em Políticas Públicas de Educação.
“Um caminho possível seria estabelecer 2,2 mil básico para todos. Facilitaria bastante a implementação”, afirma Nogueira.
O MEC não informou quais conteúdos ficariam de fora para os estudantes do ensino profissionalizante e, por isso, não é possível mensurar qual seria o prejuízo.
Itinerários formativos
De acordo com os especialistas, a redução dos itinerários diminui as chances de pulverização, ajudando a manter certa equidade na educação. Por outro lado, Nogueira acredita que houve um excesso nessa restrição, o que leva a uma diminuição na liberdade dos Estados sobre a implementação da carga flexível.
“Na verdade não reduziu de cinco itinerários para três. Foi uma redução de 15 para três″, afirma De Angelo. Isso porque, no modelo vigente, além do ensino técnico, são quatro áreas do conhecimento que podem ser combinadas entre si, gerando uma série de possíveis roteiros. Já na nova proposta, são duas grandes áreas do conhecimento – combinadas com Linguagens e Matemática, obrigatoriamente – mais o ensino técnico.
“O MEC está propondo uma transição de um modelo bastante aberto e flexível para um modelo com definição nacional exata de quais são os percursos a serem trabalhados em todo o território nacional. Nós defendemos um caminho intermediário, com a manutenção das quatro áreas do conhecimento, mais o ensino técnico, só que com diretrizes mais claras do que pode ser feito em cada área”, diz o diretor executivo do Todos Pela Educação.
“Eles também não esclareceram quais possíveis itinerários podem ser feitos dentro desses dois grandes grupos (como Tecnologia e Robótica em Ciências da Natureza ou Literatura e Comunicação em Ciências Humanas, por exemplo)”, lembra Nogueira. “Passados cinco meses da consulta pública, era de se esperar que as propostas viessem com maior grau de detalhamento”, aponta.
Demora nas definições mantém alunos e gestores inseguros
Uma das queixas dos representantes de instituições de Educação sobre a nova proposta apresentada pelo MEC é que ela demonstra um nível de detalhamento muito baixo, o que indica que ainda há um grande pela frente. Enquanto isso, gestores, professores, alunos e família se sentem inseguros sobre a educação e sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Para Nogueira, o governo deveria focar nas medidas que podem ser tomadas de forma infralegal, ou seja, que não dependem de aprovação do Congresso. São exemplos a definição de carga horária, as orientações sobre como devem ser construídos os itinerários e como se dará a redução do ensino a distância.
“Essas reformas deveriam ser aprovadas o mais rápido possível e em conjunto com os Estados e instituições, garantindo que a gente possa avançar de forma conjunta na velocidade e consistência necessárias para que em 2024 já estejam sendo implementadas nas escolas”, diz.
Já as medidas que demandam um novo Projeto de Lei a ser discutido e aprovado no Congresso poderiam ser encaminhadas na sequência, afirma o especialista. Assim, seria possível destravar a educação brasileira, passando mais segurança a toda a comunidade escolar e evitando que escolas tenham mais trabalho em reajustar suas rotas.
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