Novo ensino médio: por que proposta do MEC cria um problema para os cursos técnicos

Aumento de carga horária de disciplinas básicas torna expansão da modalidade no País mais desafiadora

PUBLICIDADE

Foto do author Renata Cafardo
Atualização:

A proposta do Ministério da Educação (MEC) que aumenta a carga horária das disciplinas de formação básica para o novo ensino médio esbarra nas exigências dos cursos técnicos que já existem atualmente no País. A educação profissional tecnológica é um dos itinerários possíveis no ensino médio e reconhecida no mundo como uma evidência de sucesso na aprendizagem e empregabilidade do jovem.

PUBLICIDADE

Mais de 65% dos cursos técnicos têm hoje 1.200 horas, segundo exigências curriculares do próprio ministério. Ao se adicionar as 2.200 horas para as disciplinas básicas, como quer o MEC, ficaria um total de 3.400 horas, o que não é possível de se oferecer em um turno apenas - manhã, tarde ou noite.

Para cumprir a nova carga horária, as escolas que oferecem o ensino médio junto com o técnico serão obrigadas a investir em ensino em tempo integral, que exige mais recursos e estrutura, ou terão de fechar vagas.

O aumento da carga horária básica, com disciplinas de Português, Matemática e História, por exemplo, era uma das maiores reivindicações de estudantes, professores, especialistas e secretários sobre o novo ensino médio. Alunos reclamavam principalmente de prejuízos à preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Apesar disso, a mudança torna mais desafiadora, segundo especialistas, a expansão do ensino técnico. O Brasil tem hoje apenas 10% dos alunos cursando essa modalidade, enquanto em países desenvolvidos passa de 50%. Na Finlândia, são 68%. Um estudo de pesquisadores da Universidade de Stanford (EUA) concluiu que países com bom desempenho em avaliações internacionais investem fortemente para que os alunos cursem o ensino profissional e tecnológico junto com o médio.

Aula em escola técnica de São Paulo: alunos têm opção de turnos da manhã, tarde e noite Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, feito pelo MEC e que orienta as instituições para oferta desses cursos no País, tem um total de 215 registros. Entre eles, 140 (65%) têm 1.200 horas, como muitos da áreas de saúde, infraestrutura e produção industrial.

Com 1.000 horas, são apenas 11% do total, como os técnicos em agroindústria ou em programação de jogos digitais. Os mais curtos são os de 800 horas, que representam 37% do catálogo, como os de técnico em confeitaria, cenografia e em guia de turismo. Somente esses se encaixariam atualmente numa grade curricular com 2.200 horas de formação básica - oferecida em um turno só.

Publicidade

Para serem reconhecidos como cursos de qualidade, as escolas e institutos do País seguem as recomendações do catálogo.

No Centro Paula Souza, do Estado de São Paulo, referência em ensino técnico no País, os cursos de ensino médio também têm 1.200 horas para o técnico e 1.800 para a formação geral básica. Eles seguem a carga horária exigida pela reforma do ensino médio, aprovada em 2017, e que o MEC pretende mudar agora. São cursos de áreas como tecnologia da informação (TI), indústria e recursos naturais. Eles têm cerca de 100 mil alunos, com 6 aulas diárias de 50 minutos, pela manhã, à tarde ou à noite.

“Para se adaptar à proposta do MEC, teríamos que fazer um curso semi integral ao menos. Teria que reduzir a oferta”, diz o coordenador do Ensino Médio e Técnico do Centro Paula Souza, Almerio Melquíades Araújo. Segundo ele, no entanto, tem aumentado a procura por cursos no período noturno pela possibilidade de o jovem poder trabalhar durante o dia.

Questionado, o MEC informou que “a proposta, no caso de cursos com 1200 horas, é que haja período de transição para ampliação de jornada, como ferramenta de indução para ampliação de tempo integral”. O presidente Lula sancionou no fim do mês passado um projeto de lei que pretende ampliar em um milhão o número de matrículas nessa modalidade até 2024, com R$ 4 bilhões de repasses a Estados e prefeituras. Mas o projeto inclui alunos de creche até o ensino médio. Secretários de educação afirmam que valor investido pelo MEC não é suficiente para a grande expansão que seria necessária também no ensino técnico.

Para especialistas, a educação integral é uma das maneiras de o Brasil dar um salto de qualidade, mas custa quase o dobro do valor por aluno. A escola precisa de uma estrutura maior, com refeição, mais funcionários, mais professores com dedicação exclusiva. Em países desenvolvidos, contando esportes e atividades extraclasse também gratuitas, o ensino chega a ocupar 10 horas.

Greve e pedidos de mais disciplinas básicas

Professores do Centro Paula Souza estão em greve este mês por reajuste salarial. Entre as reclamações dos alunos, que também se juntaram em algumas unidades aos docentes, está justamente a redução das disciplinas básicas.

Em um vídeo no Tik Tok, estudantes de uma escola técnica em Barra Bonita, interior de São Paulo, dizem que foi reduzido o número de aulas de Biologia, Sociologia, Filosofia, Química e Educação Física com o novo ensino médio. A queixa também é recorrente entre jovens ouvidos por um podcast especial do Estadão Notícias sobre o assunto.

Publicidade

Para atender a essa demanda, o MEC anunciou sua proposta de aumentar para 2.400 horas a formação básica no ensino médio regular e 2.200 no ensino médio técnico na segunda-feira, 7. Especialistas criticam ainda essa diferença de 200 horas, que pode causar confusão e desigualdade nas escolas. “O que ficará de fora na EPT (ensino profissional tecnológico)? Como organizar as duas ofertas numa mesma escola?” questionou uma nota técnica do Todos pela Educação.

Já o Diretor Geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Senai, Rafael Lucchesi, sugere que a formação geral básica fique em 2.100 horas para ambos. Dessa forma, restariam 900 horas para a parte técnica. “Um curso de 1200 horas pode ser dado em 900 horas, já fizemos esse teste no Senai. Há sinergia com componentes de Física, Matemática, que já são dados na formação básica”, explica.

Ele elogia a “habilidade do ministro Camilo Santana” em construir consensos em torno da reforma, mas diz discordar de uma política que force que todos os cursos sejam dados em tempo integral porque essa não é a realidade possível em todos os Estados e porque muitos alunos precisam trabalhar.

As propostas do MEC foram apresentadas nesta segunda-feira, 7, e a pasta pretende consolidá-las até 21 de agosto, quando devem ser finalizadas as reuniões com entidades educacionais, para que o texto final de alteração da reforma do ensino médio possa ser apresentado ao Congresso no início de setembro.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.