O debate sobre o Novo Ensino Médio tem dividido opiniões de especialistas, alunos e professores. A proposta está em revisão, sendo que recentemente o governo federal decidiu suspender o cronograma de implementação das mudanças. Atualmente, mais de 7 milhões de estudantes cursam o ensino médio, muitos já neste novo modelo, que começou a ser incorporado às escolas em 2022. Essa etapa tem impacto direto no ensino superior, e pesquisadores acreditam que a reforma do ensino médio precisa levar isso em consideração, de modo a preparar melhor os alunos para esse momento.
A atual proposta do ensino médio foi efetivada pela Lei 13.415, de 2017, no governo de Michel Temer, com o objetivo de implementar o ensino integral e tornar o formato mais atrativo, evitando a evasão escolar. Outro objetivo é garantir uma formação mais orientada para a vida profissional, alinhada ao projeto de vida de cada aluno, aproximando o estudante da carreira que deseja seguir.
No entanto, especialistas acreditam que faltam elementos importantes para se chegar a um modelo ideal, que forneça as ferramentas necessárias para que o aluno tenha condições de ingressar no ensino superior, permanecer e ser bem-sucedido. Para Daniel Cara, pesquisador e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, os itinerários formativos previstos na proposta acabam afastando o estudante da formação básica, ou seja, do conteúdo fundamental.
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“Caso o modelo seja mantido, os alunos vão chegar ao ensino superior com uma formação científica mais frágil, fazendo com que tenham mais dificuldade nas disciplinas da graduação. Vamos ter de compensar a falta de aprendizado desses novos alunos e garantir os recursos necessários para que sigam adiante. Com isso, a longo prazo, sobra menos tempo para aprofundar o conteúdo científico e formar profissionais de ponta”, explica o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Daniel defende a revogação da reforma e a formulação de um modelo que faça melhor articulação entre a educação regular e aquela voltada para a formação profissional, sem a necessidade de itinerários. Segundo o pesquisador, os itinerários formativos desorganizaram as atribuições dos docentes, e sua implementação formal em todas as escolas seria impossível. “Acreditamos que o ideal seria ter aprofundamentos do conteúdo curricular por meio de disciplinas optativas, pautadas por áreas, mas somente no último ano do ensino médio. Nos dois primeiros anos seria mantida a formação geral básica, com todos os componentes curriculares necessários”, argumenta.
Visão das faculdades
Para Lúcia Teixeira, presidente do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior de todo o Brasil, a proposta dos itinerários formativos tem méritos e o trabalho já desenvolvido pelas escolas não pode ser desperdiçado, mas o formato deve ser aperfeiçoado. “Não há uniformidade na implementação, cada instituição está atendendo a exigências com aquilo que pode oferecer de melhor. Precisamos contornar isso investindo na valorização dos docentes, em capacitação pedagógica e infraestrutura, de modo a aproveitar todo o desempenho dos alunos”, afirma.
Doutora em Psicologia da Educação pela PUC-SP, Lúcia acredita que um dos grandes problemas é que o Novo Ensino Médio pode agravar as desigualdades na educação, e já está mostrando a discrepância socioeconômica entre a rede privada e a pública. Uma pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) constatou que 70,2% dos estudantes de universidades federais pertencem a famílias de baixa renda.
Com a falta de educação de qualidade nas escolas públicas, essa realidade pode mudar, segundo a professora. “As escolas públicas já tinham muitas lacunas antes. Agora, isso está sendo aprofundado. Essa falta de planejamento acabou fragilizando o modelo. Para que o estudante esteja pronto para a universidade, temos de garantir que tenha segurança para transitar entre diversas linguagens e aprender de forma integral”, destaca.
Ela também se preocupa com a falta de professores capacitados, que deve acarretar em impactos negativos também para o ensino superior. Um estudo do Instituto Semesp aponta para um déficit de cerca de 235 mil docentes em 2040, caso seja mantido o atual ritmo de formação de professores.
A visão dos estudantes
Procurada pela reportagem do Estadão, a Andifes preferiu não se manifestar. A entidade informou que será realizada ainda no mês de maio uma reunião do conselho da associação para deliberar sobre o posicionamento perante a reforma do ensino médio. A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bruna Chaves Brelaz, argumenta que o futuro profissional deve ter os mecanismos necessários para lidar com diferentes temas e disciplinas no ensino superior. A entidade defende a elaboração de uma nova proposta. “O currículo está sendo muito compartimentalizado, o que acaba pormenorizando algumas disciplinas, como Sociologia e Filosofia. Temos de pensar em uma estrutura mais adequada”, afirma.
Escolas pioneiras e os resultados do Novo Ensino Médio na prática
Diversas escolas já se adaptaram à proposta do Novo Ensino Médio e estão desenvolvendo iniciativas voltadas especialmente para capacitar os alunos para o ensino superior e para a vida profissional. Uma delas é a Humboldt, em São Paulo (SP), no bairro de Interlagos, zona sul. O colégio começou a ofertar disciplinas eletivas para os estudantes do ensino médio ainda em 2019. Agora, algumas dessas matérias são EAD.
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Essas aulas fazem parte dos itinerários formativos. Para além das disciplinas da formação geral básica, o aluno pode construir um currículo a cada semestre de acordo com seus interesses. São duas opções: o itinerário Sociedade&Cultura, que envolve as áreas de Ciências Humanas, Artes e Música, e o projeto MINT, voltado para as áreas de ciências investigativas e de pesquisa por meio de Matemática, Informática, Ciências da Natureza e Tecnologia. Caso tenha interesse, o estudante pode cursar disciplinas de ambos os itinerários.
No Colégio Franciscano Pio XII, que também fica na capital paulista, no Morumbi, os itinerários formativos foram organizados em três partes: Itinerário Integrado, mais focado nos campos tradicionais do conhecimento; Itinerários Temáticos, que incluem temáticas mais específicas; e Projeto de Vida. Este último surgiu justamente com o intuito de abrir espaço para reflexão sobre tomada de decisões e futuro, abrangendo dimensões pessoais e coletivas, como dúvidas em relação à universidade.
Um exemplo prático é a iniciativa Produção e Consumo, associada a um dos itinerários. Trata-se de atividade que propõe que os alunos desenvolvam e executem ideias de startups por conta. Um dos grupos está preparando uma plataforma de checagem de notícias, por exemplo, que terá orientações sobre os riscos das fake news e como se prevenir. “Dessa forma, convidamos o estudante a compreender como suas escolhas se refletem na sociedade. Queremos que os alunos se entendam como indivíduos que colaboram com a sociedade, independentemente de suas decisões”, explica Viviane Paiva Direito, coordenadora pedagógica do ensino médio do Franciscano Pio XII.