O novo reitor da Universidade de São Paulo (USP), o médico Carlos Gilberto Carlotti Junior, pretende contratar futuros professores com cotas para negros e para mulheres. “Se não fizermos de maneira induzida, vai demorar dezenas de anos para ter maior diversidade na universidade”, disse com exclusividade ao Estadão, horas após ter sido nomeado pelo governador João Doria. Ele foi o mais votado na eleição interna, justamente apostando numa política de maior inclusão.
A USP tem 159 professores pretos ou pardos, o que representa 2,7% de 5.788 docentes. Por outro lado, neste ano, 44,1% de estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas se matricularam, o que deve se repetir nos próximos anos por causa das cotas no vestibular. “Precisamos espelhar no nosso corpo docente a mesma diversidade que temos no corpo discente, porque senão o aluno, que é de uma determinada situação, nunca vai enxergar um professor na mesma situação que ele.”
Segundo Carlotti, que toma posse em 25 de janeiro, há previsão e recursos para contratar cerca de 400 professores nos próximos anos. O detalhamento dessas propostas vai ficar com a nova pró-reitoria de inclusão, que será criada pela sua gestão. Ela vai pensar também políticas para aumentar bolsas e outras maneiras de ajudar na permanência dos estudantes de renda baixa na universidade. Em 2020, pela primeira vez, a USP teve 50% de seus novos alunos vindos de escolas públicas. Veja a seguir outros trechos da entrevista em que também falou de volta presencial, aumento de salário e mudanças na Fuvest.
A nova pró-reitoria de inclusão começará já no primeiro ano de seu mandato? Sim, no primeiro semestre já queremos mandar para o conselho universitário a mudança de regimento e do estatuto que cria a pró-reitoria de inclusão e também para colocar a inovação no mesmo nível da pesquisa na pró-reitoria de pesquisa. Temos de conversar com a comunidade e colocar nos colegiados. Mas grandes mudanças têm de ser feitas no começo da gestão, para as modificações já poderem ser avaliadas. Vamos unificar algumas estruturas já existentes, superintendência social, escritório Usp Mulher, área de saúde mental, não vamos sair do zero.
Há orçamento para isso na USP? A situação econômica da USP está boa, precisamos só qualificar as nossas ações, utilizar o orçamento para modificações que realmente afetem a sociedade, não seja mais do mesmo. Isso é o grande desafio da gestão, mas é positivo. Deixar de se preocupar com as contas mensais e fazer um planejamento estratégico para modificar a história da universidade.
Há queixas sobre a necessidade de novos professores para completar os quadros de várias áreas. Na última aprovação do orçamento, houve aumento com gasto de pessoal, tanto para reposição de número quanto salarial. O mais burocrático seria fazer reposição igual pra todo mundo, mas nós temos jovens docentes sentindo a pressão salarial maior que aqueles professores titulares que estão no topo da carreira. Eles tiveram mudança na aposentadoria, não vão incorporar salário. Pessoas que têm salário menor sofrem mais o peso da inflação. Hoje temos os benefícios iguais para todo mundo, vale alimentação, por exemplo. Será que não é mais interessante aumentar de forma diferenciada para quem tem salário menor? Nas novas contratações, gostaríamos de voltar ao número que tínhamos quando começou a crise financeira. A estimativa é contratar ao menos 400 professores nos próximos quatro anos, mas temos de ver o perfil que precisamos.
Quando o senhor fala em perfil, pensa em cotas raciais e de gênero para contratação de professores? Eu gostaria, se a situação legal me permitir. Se não fizermos de maneira induzida, vai demorar dezenas de anos para ter maior diversidade na universidade. Precisamos de contratações voltadas para o gênero feminino e para a situação étnico racial. Precisamos espelhar no nosso corpo docente a mesma diversidade que temos no corpo discente, porque senão o aluno que é de uma determinada situação nunca vai enxergar um professor na mesma situação que ele. Ter as cotas faz todo o sentido no momento que estamos da sociedade atual, que quer ver essa diversidade em todas as atividades.
A volta presencial de alunos será obrigatória ano que vem? Se a pandemia estiver dessa forma que está agora, vamos voltar presencial para todo mundo em 14 de março. Nosso perfil é presencial, é isso que sabemos fazer e é a melhor maneira de formarmos nossos alunos. Mas vai depender da pandemia, da variante, tudo pode mudar muito rapidamente e aí teremos de rever nas próximas semanas ou meses.
Fuvest e Enem
Durante a cerimônia de anúncio do novo reitor da USP ontem, o secretário estadual da Educação, Rossieli Soares, passou um bilhete para Carlotti em que estava escrito “Fuvest”. Rossieli tem recebido reclamações de diretores de escolas particulares e públicas de que o vestibular da USP não está ainda adaptado ao novo ensino médio, que será implementado a partir de 2022 no País todo. O modelo é mais flexível e permite que os estudantes escolham parte do currículo que vão estudar ao longo dos três anos. O atual secretário também foi um dos responsáveis pela ideia quando era ministro da Educação, em 2017.
“No conselho universitário esse assunto nunca foi discutido, mas precisamos discutir. A Fuvest faz um exame de excelência, mas não é imutável”, disse o reitor ao ser questionado pela reportagem.
Sobre a crise do Enem, Carlotti diz que a USP mantém, em princípio, a participação, mas se o exame “for enfraquecendo e tivermos dúvida da qualidade da seleção, podemos repensar.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.