O professor que transforma praças em salas de aula

Paradas por quase dois anos com a pandemia, aulas do projeto Adote um Aluno voltam a praças do Rio

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Foto do author Marcio Dolzan

Quando a reportagem chegou à Praça Mauro Duarte, em Botafogo, zona sul do Rio, o engenheiro eletricista aposentado Silvério Moron pendurava um cartaz do seu projeto, Adote um Aluno, numa das mesinhas de concreto do lugar. Uma mulher que passava acenou e avisou: "Meu pivete não vem hoje, tá doente." Minutos depois, chegaram Hugo – que, aos 9 anos, precisa aprender a divisão por dois algarismos – e Pedro Carlos – que, aos 63, quer saber calcular logaritmos.

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Criado por Moron, o Adote um Aluno está renascendo após quase dois anos de recolhimento com a pandemia. O projeto completará quatro anos em março. O Estadão contou sua história em setembro de 2019, época em que a ação reunia 50 voluntários e 300 pessoas de todas as idades para "desenvolver a educação!", como gosta de dizer o engenheiro e professor. 

Esse número foi para 90 voluntários e 450 alunos espalhados por nove praças da capital, duas de Niterói e uma de Cabo Frio em março de 2020. Aí veio a covid-19. "Dei aula a distância por WhatsApp durante a pandemia. Acho (o app) mais objetivo, eles tiram foto das dúvidas, dos exercícios, me enviam, e eu retorno explicando a dúvida", conta Silvério. "Ajudei em torno de 20 alunos dessa forma, por um ano e sete meses."

O professor Silverio Moron, engenheiro eletricista e idealizador do projeto Adote um Aluno, em uma de suas aulas realizada na praça Mauro Duarte, em Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO - 30/11/2021

Silvério voltou à Mauro Duarte em outubro. Aos poucos retoma seus alunos e voluntários. Em menos de dois meses, já reuniu 16 pessoas dispostas a ensinar e 20 querendo aprender. Gente em busca de todo tipo de aprendizado.

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Alunos

Aluno da 4ª série de uma escola que fica próxima da praça, Hugo Barbosa passou a frequentar as aulas de Silvério e de Mônica Coelho, uma voluntária, atrás de respostas para as dúvidas sobre divisão. Quem o levou foi a avó, Elizabeth. Ela também aproveitou para aprender algo. "Como eu já estava aqui, em vez de ficar à toa, decidi aprender coisas básicas de inglês", contou Elizabeth, que tem 61 anos. 

"O Hugo vem de segunda a quinta. O custo para contratar aulas particulares é muito caro, nem todo mundo pode pagar, ainda mais depois de uma pandemia, pois muita gente perdeu trabalho."

Quem também elogiou a iniciativa foi o escritor Pedro Carlos Csou. Deficiente visual, ele buscou ajuda de Silverio às vésperas das provas do Enem. "Matemática, para quem não enxerga, é muito difícil", explicou. "Eu não sabia logaritmo e recorri a ele para tentar entender", explicou. "Você não vê nada e vai acumulando, espelhando tudo no cérebro. Tive duas aulas com o Silvério e percebi que o cara é bom, ele conhece. Se tivesse caído logaritmo no Enem, eu saberia tudo."

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Não há nenhuma exigência ou pré-requisito para ter aulas com algum voluntário do Adote um Aluno. "O projeto é muito simples: a sala de aula é uma praça a céu aberto. É só chegar, não precisa marcar nada. Acho fundamental que os espaços públicos sejam ocupados com educação", diz Silvério. 

Sonho

"São 181 bairros na cidade do Rio. Nosso objetivo é que em cada um desses bairros tenha uma praça desenvolvendo a educação, mas para isso é muito importante a adesão de um morador de cada bairro para compartilhar seu conhecimento", pontuou o engenheiro, que decidiu promover aulas na praça pela situação difícil do ensino público.

"Dou aula particular desde 2003, e é muito triste uma pessoa que trabalha no mundo da educação ver a educação da sua cidade regredir em vez de progredir", lamentou. "Fui aluno de escola municipal em 1970 e tive ensino de excelência. É muito triste ver que isso regrediu, então optei por vir à praça pública, perto de dois colégios municipais, justamente para atender a esses alunos."

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Mônica Coelho, engenheira eletrônica aposentada, decidiu ser voluntária por razão semelhante. "Minha irmã é professora em escola pública, e sabemos que a escola não dá condições de acompanhar cada aluno."

Sempre sorrindo e disposto, Silvério ficou com a voz embargada ao responder ao Estadão se acredita que a educação no Brasil ainda pode dar certo. "Se não acreditasse nisso, eu não estaria na rua", afirmou. 

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