O que TikTok, games e memes nos ensinam sobre como motivar as crianças nas escolas?

Renne Hobbs, especialista americana em educação midiática, diz também que é preciso refletir sobre como as mídias sociais intensificam o medo e a raiva

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Foto do author Renata Cafardo
Atualização:
Foto: Tiago Queiroz
Entrevista com Renne HobbsDoutora em Educação por Harvard

Uma das maiores especialistas em educação midiática do mundo, a americana Renne Hobbs pede a pais e professores que sejam curiosos e não furiosos em relação às novas mídias, numa brincadeira com o sufixo das palavras em inglês. Pesquisadora da Universidade de Rhode Island e doutora em Educação por Harvard, ela ensina docentes a fazer vídeos no TikTok e memes para engajar os alunos. E diz que os games ajudam as crianças a desenvolverem habilidades de negociação e resolução de problemas. “O que torna os games viciantes é que as crianças falham, falham, e aí obtêm sucesso e se sentem muito bem. Como seria legal se elas pudessem ir para a escola com esse mesmo sentimento.”

Hobbs conversou com o Estadão em sua passagem esta semana pelo Brasil para o Encontro Internacional de Educação Midiática para a Democracia e Equidade Social, promovido pelo Instituto Palavra Aberta e pela Embaixada Americana. Ela fala de como o conceito de educação midiática, voltado para leitura crítica das informações que estão na internet e combate à desinformação, ganhou novas camadas.

“Em comparação a 10 anos atrás, pensávamos em educação midiática principalmente como habilidades cognitivas. Agora inclui competências socioemocionais”, diz. “As pessoas precisam olhar com cuidado e refletir para as formas como as mídias sociais intensificam seu medo e sua raiva e como são manipuladas por meio de propaganda, desinformação, mentiras, teorias da conspiração.” A educação midiática também foi discutida na série Reconstrução da Educação, realizada pelo Estadão para debater as principais políticas para uma escola pública de qualidade no País.

Na entrevista, Hobbs ainda comentou a discussão sobre o PL das Fake News no Brasil e disse que, apesar de defender a regulamentação das plataformas, não acha possível o País ter um grupo de pessoas que decide o que é notícia falsa ou não.

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'Ajudamos os professores a fazer um vídeo simples, fazer um TikTok, um meme e eles descobrem que há muita sofisticação nisso, que podem ser usadas para fins educacionais', diz a especialista Foto: Dado Ruvic/Reuters

Ainda é difícil para professores ensinar educação midiática, por falta de formação, mas também por não conseguirem se livrar de seus próprios vieses e preconceitos. Como fazer isso?

O primeiro passo é todos reconhecermos nossa complexa relação de amor e ódio com a mídia. Ao crescer nos Estados Unidos, tenho um conjunto de medos e esperanças, e aqui no Brasil é a mesma coisa. Alguns professores têm medo do Chat GPT. Outros professores estão entusiasmados com as possibilidades de usá-lo para melhorar o pensamento crítico e a redação dos alunos. O primeiro passo é refletir sobre seus próprios preconceitos. Isso é especialmente importante porque os mecanismos de recomendação algorítmica agora estão embutidos em todas as mídias. O New York Times escolhe algoritmicamente quais notícias colocar na minha frente, sabendo sobre o que gosto de ler. A mídia é personalizada e adaptada a nossos interesses pessoais. Portanto, nos tornarmos conscientes de nosso próprio viés é o mais importante no ensino.

Renee Hobbs em sua passagem por São Paulo nesta semana Foto: Tiago Queiroz

E o que eles podem fazer na prática?

A ciência está sempre mudando, o conhecimento científico na década de 1970 é diferente dos anos 2020. Os currículos muitas vezes são criados pelo ministério e mudam lentamente. Professores podem usar as mídias para fazer com que as informações se tornem relevantes para as crianças, como um gancho. E, claro, desenvolver habilidades de pensamento crítico. Nós (na universidade) sempre fazemos os professores criarem mídias, mas não só power points, há muitas maneiras melhores de comunicar ideias. Ajudamos os professores a fazer um vídeo simples, fazer um TikTok, um meme e eles descobrem que há sofisticação nisso, que podem ser usadas para fins educacionais. Muitos professores nos dizem que nunca viram o TikTok antes, mesmo ensinando alunos do ensino médio. Outros têm preconceito contra os videogames. Eles pensam que são inúteis, mas seus alunos dizem que não. E eles são realmente muito úteis.

Como eles são úteis para a educação?

A criança aprende habilidades de negociação e resolução de problemas. Aprende a pensar quando ser estratégico ou agir imediatamente. Além disso, a jogabilidade do game é social, tem muita negociação com os outros. É dar e receber, saber quando liderar e quando seguir.

É uma percepção que pais também devem ter?

Sim, pais precisam perceber que a melhor maneira de desenvolver habilidades de educação midiática com o filho é tentar perguntar a eles sobre o que estão fazendo. Seja curioso. Um slogan que temos para o programa é “seja curioso, não furioso”. Porque é fácil para os pais e professores dizerem: nada disso! Mas a curiosidade é mais propícia ao aprendizado. Quando seu filho estiver no videogame, diga que está curioso para saber por que ele gosta do jogo, quem é o seu personagem preferido, qual a situação mais difícil que já lidou ao jogar, onde falhou e como conseguiu melhorar. O que torna os games viciantes é que as crianças falham, falham, e aí obtêm sucesso e se sentem bem. Como seria legal se pudessem ir à escola com esse mesmo sentimento.

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O que torna os games viciantes é que as crianças falham, falham, e aí obtêm sucesso e se sentem muito bem. Como seria legal se elas pudessem ir para a escola com esse mesmo sentimento.

O que acha de leis em alguns Estados americanos que proíbem redes sociais a crianças e adolescentes?

Agradeço às leis que restringem o uso e, se fossem aplicadas ou executáveis, seria ótimo. Não entendo pais que deixam filhos terem redes sociais aos 9 anos. Concordo com restrições para menores de 13. Oor volta dos 12, 13 anos, as crianças se envolvem em um tipo de pensamento crítico em que podem não ser tão literais. Os pensamentos não são tão concretos, podem imaginar e prever uma consequência que ainda não aconteceu. Nessa idade, podem pensar hipoteticamente e ser mais capazes de usar a mídia social do que a criança menor.

Você fala da importância da educação midiática para melhorar a saúde. Por quê?

As mídias sociais têm impacto enorme em nosso físico e mental. Sabemos que olhar para o Instagram pode fazer você se sentir inadequado, fazer você odiar seu corpo. A exposição à mídia agressiva pode fazer você se sentir agressivo e sentir que ser violento é o correto. Especialistas dizem que nunca sabemos quem se tornará um extremista violento. Mas o que eles têm em comum é que experimentaram uma combinação de profunda humilhação e isolamento social. São esses os ingredientes que podem levar alguém a invadir o prédio em Washington em 6 de janeiro ou se envolver em tiroteios em escolas. Pela mídia, posso experimentar humilhação e isolamento social. Irônico, não? Embora a mídia seja para nos unir. Também pode nos fazer sentir mais isolados.

O Brasil teve recentemente ataques a escolas e sensação de pânico entre pais e professores por causa de supostas ameaças nas redes. Como lidar com isso?

Nos Estados Unidos houve mais de 100 tiroteios em escolas só no último ano. Nosso medo mais primitivo é o de perder nossos filhos. E só há um antídoto para o medo, a coragem. Por isso que intitulamos nossa iniciativa de educação midiática de ‘corajosa’, porque percebemos que isso reduz o medo e o ódio que levam à violência. Quando você não tem informação, quando nem as autoridades sabem o que fazer, nossa abordagem tem sido: olhe com cuidado e reflita para as formas como as mídias sociais intensificam seu medo e sua raiva e como são manipuladas por meio de propaganda, desinformação, mentiras, teorias da conspiração. Alguns críticos dizem que as plataformas são monetizadas em torno da indignação. Quanto mais você fica com raiva, chateado, preocupado, mais tempo passa nelas. Quando as pessoas começam a reconhecer suas emoções e percebem como estão sendo manipuladas, podem, juntas, tentar vencer o medo. Trata-se de criar conexões sociais entre as pessoas para prevenção da violência e redução do ódio, fazer com que possam ouvir respeitosamente quem discordam. Mas por causa do medo ficam polarizadas.

Isso é parte da educação midiática?

Sim, ajudar as pessoas a se conscientizarem de como o medo faz isso conosco e de como temos que resistir ao impulso de polarização quando lidamos com fortes emoções são grande parte da educação midiática. Em comparação com 10 anos atrás, pensávamos em educação midiática principalmente como habilidades cognitivas. Agora inclui competências socioemocionais.

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Qual o impacto do Chat GPT e outras inteligências artificiais na educação?

Tenho relação de amor e ódio com o Chat GPT. A primeira vez que usei, ele me deu um texto perfeito sobre os tópicos que pedi. Mostrei ao meu aluno de pós-graduação e ele estava trabalhando naquilo havia duas semanas. O material do Chat GPT era melhor. Mas meu aluno precisava ler todos aqueles artigos e os diferentes pontos de vista. Se tivesse lido só o resumo que o Chat GPT me deu, não teria construído seu conhecimento da mesma forma. Todas as tecnologias quando são novas sempre parecem mágicas e gradualmente aprendemos a entendê-las. Quando começamos a ensinar sobre algoritmos, sobre como a Netflix sabe exatamente meu filme favorito, parecia mágica e agora temos melhor compreensão. Ao longo do tempo descobriremos como podemos ajudar os alunos a compreender o Chat GPT e usá-lo para os melhores propósitos, evitando riscos e danos. Alguns professores já acham que ele pode ser bom para crianças com dificuldades de aprendizado porque organiza e sintetiza. Também pode ser útil nas aulas de uma segunda língua para ajudar os alunos a se expressarem melhor. Aprendi ao longo de 30 anos ensinando professores é que quando eles colocam as necessidades do aluno no centro, encontram com criatividade formas de melhorar a aprendizagem.

Todas as tecnologias quando são novas sempre parecem mágicas e gradualmente aprendemos a entendê-las. Alguns professores já acham que o Chat GPT pode ser bom para crianças com dificuldades de aprendizado porque ele organiza e sintetiza.

No Brasil há grande debate sobre o PL das Fake News e sua função de regular as plataformas. Qual a sua opinião?

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É um tema de grande interesse para os Estados Unidos e em todo o mundo. Não posso dizer como os brasileiros vão decidir isso, é uma decisão do País. Mas eu não chamaria de PL das Fake News. Porque regular conteúdo por sua precisão ou imprecisão é muito difícil. Na ciência, por exemplo, o que Anthony Fauci (famoso imunologista americano) diz que é preciso hoje, daqui a um mês pode não ser porque o conhecimento mudou. Eu não regularia a exatidão ou precisão do conteúdo. Não acredito em ter alguns especialistas em desinformação que vão dizer o que é desinformação. Mas, sim, regularia o motor econômico da plataforma digital que vende nossa privacidade e nos coloca em uma bolha de filtro, criando uma situação em que é realmente difícil obter diferentes pontos de vista. No meu celular nunca vou encontrar alguém que pense diferente. Sei que as plataformas e seu modelo de negócios me mantém longe do mercado de ideias. E acredito no mercado de ideias. Mesmo ideias que achamos odiosas as pessoas têm o direito de expressá-las.

E como lidar com influenciadores? Muitos acreditam que é melhor ter informações vindas de influencers do que da imprensa.

Há dois tipos de influência, uma delas vem da expertise, alguém que tem anos de experiência, que estudou o tópico, que tem alguma autoridade formal, um título. Este é um tipo de credibilidade. Outro é aquela que parece crescer: a autenticidade. Esta pessoa não tem experiência nem títulos. Os novos influenciadores não reivindicam poder institucional, reivindicam carisma. Alegam semelhança: ‘acredite em mim, porque sou como você, sou mãe como você, tenho um problema igual ao seu’. Isso se chama proximidade relacional. Os influenciadores transmitem esse sentimento. Isso também é uma espécie de credibilidade. Muitas pessoas confiam neles porque têm a credibilidade da autenticidade. É importante que as pessoas sejam críticas a essas formas de confiança. Nas sessões que fazemos, elas percebem que confiar em quem têm a mesma experiência de vida pode levar a uma limitação, porque mantém a pessoa presa dentro da própria experiência de vida. Só receber mensagens que reforcem o que já se tem é perigoso. Queremos que as pessoas possam usar especialistas e influenciadores para tomar decisões informadas sobre em quem confiar. Na era da internet, todo mundo é comunicador, persuasivo. Portanto, em quem confiar acaba sendo importante e requer prática, estratégias, informações e abertura para conversas.

O Estadão tem realizado, ao longo de maio, a série de eventos “Reconstrução da Educação – O que o Brasil precisa para uma escola pública de qualidade”. O projeto é uma parceria com Fundação Itaú, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Fundação Vivo Telefônica, Instituto Natura e Instituto Península. E tem o apoio do Consed, da Undime e do Todos Pela Educação.

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