Óculos de realidade virtual, metaverso, app e game: como a tecnologia ajuda na universidade

Inovações oferecem aos estudantes simulação de ambientes e modelos digitais; uso dos recursos também vira oportunidade para a pesquisa

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Por Vanessa Fajardo

Óculos de realidade virtual, sala de realidade estendida, aplicativos com simulados para provas e plataformas gamificadas têm sido incorporados pelas universidades para engajar e mediar a aprendizagem. Inaugurado há um ano, o Centro de Realidade Estendida (CRE) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), por exemplo, desenvolve e oferece experiências para a graduação e a pós.

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Do CRE, já saíram óculos de realidade aumentada para enxergar minúcias de insetos; avatares que simulam conversas entre supostos médicos e pacientes; mesa interativa digital que usa banco de dados de alta definição para construir modelos digitais fiéis à realidade, inclusive em escala.

Outro exemplo é um jogo projetado em uma cave (espécie de sala em formato cilíndrico com projeção em 360 graus), em que é possível interagir com importantes filósofos do passado.

O Centro de Realidade Estendida é utilizado em salas de graduação e pós e oferece até avatares médicos. Foto: Divulgação/PUC-PR

“São experiências poderosas, que permitem aos estudantes a imersão em atividades que normalmente não seriam possíveis ou seguras em contexto real. As tecnologias digitais podem gerar ganhos significativos na aprendizagem, quando utilizadas de forma significativa e intencional. Não é usar por usar, para ‘cumprir tabela’, mas compreender que a tecnologia é um meio para a aprendizagem acontecer; nunca um fim”, diz Anna Carolina Legroski, coordenadora do CrEAre (Centro de Ensino e Aprendizagem) da PUC-PR.

A demanda vem dos próprios professores, que apresentam o problema para a equipe – composta essencialmente por docentes e alunos dos cursos de jogos digitais. “Não funciona se for algo feito para colocar na gaveta. (Com os games) Todas as áreas podem se beneficiar porque têm a capacidade de fazer você ficar focado em uma tarefa para poder aprender”, diz Bruno Campagnolo de Paula, coordenador dos cursos de jogos digitais da PUC-PR.

Metaverso

As tecnologias digitais, em especial o metaverso, um ambiente imersivo onde os usuários podem interagir por avatares, são aliados importantes, segundo Alessandra Montini, professora da FIA Business School. Ela diz que os dispositivos deixam as aulas mais divertidas e ajudam a fixar a atenção dos estudantes.

Um dos exemplos é a sala de exposição do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) criada no metaverso, que os estudantes acessam e visitam como se fosse um museu cheio de quadros. “Em vez de somente ler algo, eles podem ver as dicas como se fossem quadros, clicar e baixar PDFs com as informações. No fim das contas, é a mesma coisa, só que de jeito mais divertido”, explica Alessandra.

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Na Universidade de São Paulo (USP), o metaverso envolve pesquisa. Almir Almas, professor associado da Escola de Comunicações e Artes (ECA), coordena uma série de iniciativas que envolvem realidade virtual, realidade expandida e ambientes imersivos. Uma delas é o Projeto Transcender, pesquisa multidisciplinar criada para que as pessoas vivenciem o luto e demonstrem o afeto por entes queridos, no metaverso da USP.

Nesse ambiente imersivo, avatares podem prestar homenagens como acender velas ou incensos. O projeto envolve pesquisadores como alunos e professores dos cursos de Comunicação, Psicologia, Direito e Engenharia. “A área da Comunicação está constantemente em evolução. O que a gente propõe aos nossos alunos é conhecer o que há de inovação e trazer para a graduação e a pós. E esse caminho é por meio da pesquisa, que se reverte em ensino e extensão. Uso a pesquisa como porta de entrada para essas inovações”, diz Almas.

Ele reforça que o interessante para os pesquisadores é dar espaço ao afeto dentro do metaverso, normalmente explorado por corporações.

Outra novidade da USP é a criação da própria plataforma digital de aprendizagem, que reunirá cursos, projetos, atividades e formações baseadas em projetos e games relacionados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs). É a Universos Abertos à Imaginação, à Fantasia e às Artes da Invenção (Uaifai), que será lançada em 29 de outubro na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.

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“A Uaifai vai trabalhar com ‘edugamificação’ voltada à ética transformadora com cursos certificados pela USP. Vamos tratar de temas como educação financeira, educação sexual, educação socioambiental, entre outros. Queremos produzir soluções com base em conhecimento, diversidade e sustentabilidade”, afirma Gilson Schwartz, professor de games na Escola de Comunicações e Artes da USP e coordenador da Uaifai.

A plataforma pretende ser um contraponto às notícias ruins da internet e das redes sociais. “Na Uaifai você vai se conectar com a USP e várias redes para ter ciência, tecnologia e inovação. A ideia é que seja uma ferramenta que ajude a resolver problemas em todas as áreas”, diz o coordenador. Já está previsto um game para explicar as emergências climáticas. O acesso à plataforma não será restrito aos alunos da USP. Qualquer pessoa poderá utilizá-la, segundo Schwartz, e o público mais esperado são crianças e jovens em situações de vulnerabilidade.

App do exame da OAB

De olho no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os alunos de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie contam com um aplicativo próprio da instituição que os ajuda na preparação. Ele tem três módulos: simulados disponíveis, com questões aleatórias; questões por disciplinas; e o chamado simulado Mackenzie, em que os alunos resolvem questões selecionadas pelos professores.

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“As maiores inovações estão representadas pelo fato de os professores comentarem objetivamente as questões, indicando acertos e erros. Outro destaque é que a ferramenta permite ao aluno salvar pontuações gerais e/ou por disciplina, e assim avaliar sua evolução”, afirma Juliana Daher Delfino Tesolin, professora de graduação e pós do Direito e coordenadora de projetos da Mackenzie Brasília.

Mundo híbrido

Eliane Schlemmer, pesquisadora do programa de pós em Educação da Unisinos (RS), acredita que ainda haja defasagem das universidades em relação a tecnologias digitais oferecidas a uma geração de alunos que desde cedo teve acesso a jogos com design elaborados.

“Os estudantes vêm de uma lógica onde tudo é desafiador, se trabalha com missões, com a cultura de game. Quando chegam à universidade, os ambientes virtuais têm perspectiva mais instrucionista, com pouca ação do sujeito, o que não é desafiador.”

Segundo Eliane, o fato de as crianças de hoje poderem criar os próprios ambientes digitais com cenários, casas, acessórios e utensílios, pensando a partir da tecnologia nas chamadas “condições habitativas”, mudou a forma de pensar, aprender e produzir conhecimento.

“A criança pode fazer colagem no ambiente geográfico e brincar de massinha no virtual. O mundo delas é híbrido. A experiência de aprendizagem é construída com um mundo híbrido, e óbvio que muda a forma de pensar.”

Eliane lembra, entretanto, que o acesso à internet ainda é um desafio. “A conectividade tem de ser igual à energia elétrica. É necessário haver para se ter o mínimo de inclusão. Com acesso à internet, abre-se um mundo de informações.”

Competências digitais

A formação docente para lidar com as tecnologias é outro entrave para incorporar essas ferramentas no ambiente universitário, segundo Ana Paula Gonçalves, professora de tecnologia educacional do Instituto Vera Cruz, dedicada à formação de professores.

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“Para que a tecnologia seja utilizada de forma fluida, é preciso um suporte aos professores, que sejam bem assistidos. Nos cursos de Pedagogia do Vera Cruz, os estudantes são convidados a refletir sobre a tecnologia, mas sobretudo a utilizar ferramentas como a inteligência artificial para se familiarizar e entender as aplicações em sala de aula.”

“O desenvolvimento da tecnologia digital passa pela intencionalidade. O que quero que o aluno aprenda? Produção de artigo, material de apresentação, criação de conhecimento, expressão digital de suas aprendizagens… Isso demanda recursos a que até mesmo os nativos digitais não estão acostumados”, acrescenta ela.

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