Piora resultado das escolas estaduais de SP: alunos de 14 anos não entendem artigos de opinião

Resultados da avaliação das escolas estaduais, o Saresp, mostram queda no desempenho em relação a 2022 em Português e Matemática. Governo diz que tem realizado ‘mudanças importantes para melhorar o processo de aprendizagem’

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Foto do author Renata Cafardo
Atualização:

Resultados da avaliação da rede estadual de São Paulo, o Saresp, mostram que o desempenho na educação piorou m 2023. A média dos alunos nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) caiu 10 pontos em Português e 3 pontos em Matemática em relação a 2022. Elas voltaram a patamares de dez anos atrás e ainda são piores do que as registradas imediatamente após a pandemia.

No último ano, a gestão de Educação foi marcada por polêmicas do atual secretário Renato Feder, que chegou anunciar a intenção de não usar mais livros didáticos e depois voltou atrás. Há incentivo para que as aulas sejam dadas usando material feito pela secretaria, em Power Point, e para o uso de tecnologias, com aplicativos para leitura, Matemática e lições de casa.

  • O número de alunos nos níveis básico e abaixo do básico, considerados insuficientes, também aumentou; estão em 79% em Português e 88% em Matemática.
  • Os estudantes que fazem a prova estão no 9º ano, ou seja, tem 14 anos.
  • A maioria não consegue localizar os argumentos em um artigo de opinião e não sabe resolver equações de 2º grau. Ambas as competências são consideradas adequadas para a série.

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Em nota, a secretaria do Estado da Educação afirmou que “tem realizado mudanças importantes para melhorar o processo de aprendizagem em todos os ciclos de ensino da rede”.

“Os passos mais efetivos neste sentido começaram a ser dados no segundo semestre do ano passado, com a adoção do material digital, a introdução de plataformas, formação de professores e a melhoria na infraestrutura da rede”, completa. O texto diz ainda que, este ano, o principal objetivo é “a recuperação da defasagem educacional, diagnosticada no ano passado na rede e confirmada pelos números do Saresp”, por meio de material e tempo específicos dedicados à recomposição.

Para especialistas, os resultados são “muito preocupantes” e mostram que não houve no Estado uma recuperação da aprendizagem após a pandemia, quando as escolas ficaram fechadas. E ainda que a gestão não levou em conta as evidências que já existem na educação e focou em “invencionices”.

As provas foram feitas em dezembro de 2023 por cerca de 500 mil alunos do 2º, 5º e 9º anos do ensino fundamental. Os resultados estão disponíveis em tabelas de Excel no site da secretaria desde o início de maio, mas não houve divulgação dos dados consolidados nem na internet nem para a imprensa, como se fazia em gestão anteriores.

A tabulação foi feita pelo Estadão. O governo diz que os resultados “foram amplamente divulgados no site”.

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  • Nos anos iniciais (1º ao 5º ano) a nota das escolas estaduais subiu em relação a 2022 e 2021 , mas ainda não chegou aos patamares anteriores à pandemia. Não houve prova em 2020 por causa da crise sanitária.
  • 48% das crianças ainda estão nos níveis básico ou abaixo do básico em Português e 57% em Matemática.
  • Isso significa que elas não conseguem entender o tema de uma história em quadrinhos aos 10 anos e não associam que 15 quilômetros equivalem a 15 mil metros, por exemplo.

O esperado em avaliações como o Saresp é que os alunos estejam ao menos no nível chamado de “adequado”, ou seja, sabendo as competências e habilidades relativas à série.

  • No fundamental 2, 17% dos alunos estão no nível adequado em Língua Portuguesa e 10% em Matemática.
  • No fundamental 1, são 34% e 31%, respectivamente.

‘Não se pode abrir espaço para invencionices’, diz especialista

Para a presidente do Todos pela Educação, Priscila Cruz, o fato de a rede estadual paulista não só não conseguir voltar aos padrões pré-pandemia, mas ter piorado, mostra que não houve trabalho para recuperar as aprendizagens na crise sanitária.

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Em Língua Portuguesa, os resultados do fundamental 2 são piores do que os registrados em 2015. Em Matemática, eles estão próximos do desempenho de 2013.

Além disso, completa, o Estado brecou programas como o aumento das escolas em tempo integral, que já têm evidências de que trazem resultado. Priscila cita ainda a aprovação, nesta semana, do projeto da gestão Tarcísio para ter escolas cívico-militares no Estado, como mais uma política que não dá resultados na aprendizagem.

“Não sou contra inovações, mas não se pode abrir espaço para invencionices. Essa crença de que de dentro de secretaria se consegue controlar o que acontece nas escolas com mediação tecnológica, e que isso por si só vai fazer os alunos aprenderem mais, não tem nenhum amparo em evidências”, afirma.

O Estado tem investido em plataformas de tecnologia com aulas em Power Point, lições e exercícios em aplicativos, cujo uso em cada escola pode ser monitorado o tempo todo pela secretaria. “A gestão tem ideias muito particulares, com excesso de vontade de se deixar uma marca pessoal, em vez de olhar para o que já deu certo”, completa.

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Segundo a diretora do Instituto Reuna, Katia Smole, disponibilizar plataformas e saber que alunos estão usando não é suficiente para entender se há ou não aprendizagem. “Não basta por a disposição e dizer ‘use’, não vejo uma movimentação para formação dos professores”, completa.

“O professor precisa saber como vai lidar com essa diversidade de aprendizagem na sala de aula, precisa ter estratégias de acompanhamento desses alunos, caso contrário esses resultados vão se repetir ano a ano.”

“O que o aluno não sabe no ano anterior tem um peso muito grande no que ele aprenderá. Para aprender equação, ele precisa saber fração, as quatro operações, então por mais interessante que seja a aula no Power Point, ele não vai aprender”, completa Katia, que foi secretária da educação básica no Ministério da Educação (MEC) e integra o Conselho Estadual de Educação.

“Ter essa quantidade de alunos abaixo do básico e no nível básico é muito preocupante, indicando que as escolas não estão sequer atingindo os resultados do ano passado e baixando a patamares de bem antes da pandemia”, completa a ex-secretária da Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, que também é membro do conselho estadual.

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Para ela, a gestão precisa agora focar na recuperação da aprendizagem e no diálogo com professores e coordenadores. “Não adianta ter muita tecnologia, usar plataformas, IA, que podem ser uma tendência no mundo tudo, mas todo mundo sabe que isso nunca vai substituir bom professor, a gestão na escola, a formação docente.”

Priscila também destaca que não é possível ainda saber os resultados de outros Estados já que a avaliação nacional de 2023, o Saeb, ainda não foi divulgada pelo MEC. “Mas mesmo que outros Estados também tenham piorado, São Paulo tem a obrigação de ter resultados melhores. Não podemos admitir que o Estado mais rico da nação, que tem as melhores universidades, especialistas, esteja nessa situação tão preocupante.”

Escola estadual da capital em aula durante a pandemia de covid Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Governo do Estado cita melhoras nos anos iniciais e destaca mudanças na prova

A nota da secretaria da Educação diz ainda que os resultados do Saresp foram “amplamente divulgados para a rede em 3 de maio e estão disponíveis para acesso no portal da secretaria”. E que há material específico e tempo destinado à recomposição em todas as escolas da rede.

O governo ainda informa que o Programa Multiplica SP, de formação, tem em 2024 “1.200 professores multiplicadores que atendem a 40.000 professores cursistas”, além da capacitação também de diretores. “Pensando em atender ao maior número de professores, nossa projeção ainda em 2024 está para 1800 professores multiplicadores e 60.000 professores cursistas.”

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O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) chama atenção para a melhora dos resultados nos anos iniciais do fundamental em 2023 e destaca mudanças na prova. “Pela primeira vez na história, o Saresp de 2023 avaliou todas as turmas de anos finais do ensino fundamental — do 6º ao 9º ano — e todas as três séries do ensino médio. Essas últimas no processo inédito do Provão Paulista Seriado”, afirmou.

“Outra novidade é que a Seduc-SP agora avalia, além de Língua Portuguesa e Matemática, todos os componentes do currículo para as duas últimas etapas da educação básica, incluindo história, geografia, língua inglesa, ciências, biologia, sociologia, filosofia, química e física.”

Não é possível ainda fazer comparações do desempenho dessas disciplinas porque a série histórica tem apenas Português e Matemática. “A partir da mudança na forma de aplicar o Saresp — com expansão para a quase totalidade de disciplinas do currículo, a pasta poderá acompanhar se haverá mudanças nos resultados para os próximos anos no 9º ano do ensino fundamental”, completa a nota.

Segundo a secretaria, a prova de 2023 foi feita de forma digital nos anos finais do fundamental; até 2022 era impressa. Nos anos iniciais, isso não mudou.

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Este ano, diz o texto, “para facilitar o acesso às notas e às metas de cada escola para a prova de 2024″, a secretaria anunciou um novo formato de boletim. “A partir deste ano, o modelo inédito passa a apresentar os resultados por escola e por disciplina. A proposta é que as escolas visualizem com mais clareza, em notas de 0 a 10, o desempenho geral da unidade de ensino.”

O Saresp tem também médias específicas por escola e o Estado oferece um bônus em dinheiro para unidades e professores que alcançam a meta na nota do Saresp. As que chegam a 100% da meta recebem uma bonificação de dois salários; a 50%, um salário. Não foram divulgadas quantas receberão o bônus.

O que é responsabilidade do Estado e do município na educação

Os anos finais do ensino fundamental são de responsabilidade do Estado, e para os quais também são pensadas as políticas do governo paulista. Os anos iniciais devem ser oferecidos pelas prefeituras, segundo a lei.

Como essa divisão ficou mais clara na década de 90, esse movimento têm se intensificado nos últimos anos. A municipalização das escolas de fundamental 1 tem sido incentivada pelo governo Tarcísio, que repassou 50 unidades este ano para a Prefeitura da capital.

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Apesar disso, o Estado ainda tem 25% do fundamental 1 paulista e são essas as avaliadas pelo Saresp (as redes municipais também podem participar do exame por adesão). No fundamental 2 é o contrário: 71% estão com o Estado e 29% com as prefeituras.

O Estado tem também obrigação de oferecer o ensino médio e sempre avaliou os adolescentes no Saresp. Neste ano, no entanto, a secretaria criou o Provão Paulista para esta etapa, exame de ingresso para as universidades públicas do Estado, iniciativa elogiada por especialistas.

Eles lamentam, no entanto, que como a prova é diferente, não é possível ser comparada com o Saresp e se perdeu uma série histórica de resultados.

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