Nos últimos dias, ocorreu debate acirrado sobre questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) envolvendo o agronegócio. Críticos afirmavam que os formuladores das questões estariam ligados ao PT, hoje no governo federal.
Na verdade, como esclareceu Manuel Palácios, dirigente do Inep (órgão responsável pelo exame), essas perguntas são do banco de itens da prova, elaborados a partir de edital de 2020, portanto na administração anterior. Além disso, foram cobradas questões de interpretação de um texto. A resposta correta não dependia, portanto, da visão do aluno, e sim da compreensão do que foi escrito pelo autor.
Mas que lições ficam do episódio? Afinal, em educação devemos aproveitar cada oportunidade para aprender.
Infelizmente, temos de admitir que há sim visão preconceituosa contra o setor produtivo, e, em especial, contra o agronegócio, entre nós educadores. E, toda vez que temos preconceitos, nos arriscamos a enxergar a realidade de forma fragmentada e a agravar a cultura de ódio tão presente hoje em boa parte do mundo.
É preciso enfrentar isso com coragem. A educação deve ser preservada como política de Estado, e não de governo, mas não pode ser isolada da sociedade. A escola é o local onde se ensina, além do saber letrado, a debater de forma respeitosa mesmo diante da diferença de opiniões.
O agronegócio, por exemplo, não é bandido nem mocinho. Sim, há uma parcela de pessoas nesse setor com atitudes prejudiciais à sustentabilidade, mas não dá para generalizar. Neste sentido, temos de educar as novas gerações para cuidar do ambiente, não desmatar, e promover agricultura sustentável. Esse setor tem se modernizado e pode dar cada vez mais oportunidades de trabalho ao jovem no campo, inclusive com oferta de cursos profissionalizantes voltados a um agronegócio mais verde.
Além disso, há de se vencer os preconceitos contra o próprio setor produtivo e contra uma educação que prepare para o mundo do trabalho. A educação deve preparar para a vida, o que inclui a cidadania, a fruição do belo e instigante – o domínio das artes- e o exercício de uma profissão. Mas não há vida que exclua o mundo do trabalho e formar para a autonomia também está associado a isso. Ninguém é plenamente autônomo se depende de caridade alheia.
E como mudar isso? A Base Nacional Curricular Comum, documento que estabelece os objetivos de aprendizagem em cada etapa escolar, já trata da questão de aprender com o outro e da comunicação não violenta. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4, aprovado por 194 países (entre eles o Brasil), também vai na mesma direção.
A formação de professores, tanto a inicial como a continuada, deve incluir a Educação para a Paz, o que envolve a escuta desarmada e a educação midiática. Com isso, os mestres estarão ainda mais preparados para instilar estas atitudes nos estudantes.
Além disso, é necessário engajar o setor produtivo, fazer com que entendam e apoiem as escolas no seu desafio de educar. Não é fácil, mas sem que a sociedade toda se envolva, não melhoraremos a qualidade da educação não desarmaremos preconceitos e a cultura do ódio.
*É presidente do Instituto Singularidades e foi Diretora Global de Educação do Banco Mundial
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.