Há uma forte demanda a pressionar os secretários de educação pelo País: o aumento no número de vagas em creches. Nas cidades grandes o problema é mais agudo, como também a cobrança do Ministério Público, dos tribunais de contas e de quem mais quiser ganhar aplausos fáceis defendendo um direito das crianças. Mas estamos mesmo protegendo nossos bebês com tudo isso?
Está muito estabelecido na literatura médica a importância dos primeiros 1.000 dias de vida. Isso equivale a dois anos e nove meses: da concepção aos primeiros dois anos. Muitas organizações têm se empenhado em esclarecer as populações ao redor do mundo da importância desse período: Unicef, Banco Mundial, governos de diversos países e há até uma organização dedicada inteiramente ao tema, a 1000 Days.
A face mais evidente da defesa desse período fundamental da vida de qualquer indivíduo é a nutrição, mas a ela se agrega a importância dos afetos para um desenvolvimento emocional e cognitivo sadios. Em nenhum desses programas a principal bandeira é prover creches para as crianças nessa idade.
No Brasil, contudo, essa se tornou a política educacional pública exigida pelos tribunais aos executivos dos milhares de municípios do País. O Plano Nacional de Educação previu a inclusão de 50% das crianças até 3 anos em creches até 2024. Com base em quê? Certamente, não nas necessidades das crianças!
Com que evidências definiram que é melhor para as elas estarem em creches e que isso deveria ser o caso para pelo menos metade de todas os bebês do país até 2024, quando nova meta será definida (e, provavelmente, aumentada!)?
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Com base na lei do PNE, Lei 13.005/2014, a questão tem sido judicializada. Tornou-se um direito a ser cumprido pelo Estado. Faz sentido garantir os cuidados e a alimentação para todos na primeira infância, mas esse é um direito muito diferente daquele que prevê que sejam colocados em creches.
A ideia que essa política difunde é a de que é melhor para as crianças pequenas que estejam em instituições. E isso fundamenta para muitos pais a concepção errada de sejam menos competentes do que elas para cuidar de seus bebês. Isso é um erro e um desserviço para os pequenos.
Do ponto de vista legal, a questão foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal em favor dos pais que demandam vagas, reforçando a cobrança sobre as secretarias de Educação. Contudo, o ponto aqui não é se o Supremo tem razão ou não em estender a todos que desejarem o direito à creche. O Supremo interpreta a constituição. O ponto também não é se aqueles que procuram o Estado para uma vaga deveriam tê-la ou não de graça. A primeira é uma questão constitucional, a segunda, econômica.
Do ponto de vista educacional, a pergunta é se oferecer creche ao maior número possível de crianças deve ser uma política. Ou, ainda, se é bom para as crianças que elas sejam enviadas massivamente a creches tão cedo quanto possível. A resposta a isso é não.
Creches atendem a um legítimo direito de pais a terem ajuda no cuidado de seus bebês enquanto trabalham ou de famílias perigosamente disfuncionais. A política educacional, contudo, que deve sempre ter em vista as crianças, deve supor que o melhor para elas é o cuidado de suas famílias. Ajudá-las a fazer elas mesmas o que é melhor para seus filhos seria mais adequado como política de Estado.
Famílias fazem bem aos bebês, e esses lhes fazem bem, ajudando seus adultos a amadurecerem como pais. Essa relação deve ser incentivada. Para os casos excepcionais, medidas excepcionais.
E é assim que as creches devem ser vistas na política educacional. Tratar o tema sob a ótica do direito à creche tem distorcido o direito que toda criança tem ao melhor atendimento a que possam ter acesso. Esse, via de regra, é sua família que pode dar.
Adriano Naves de Brito é doutor em Filosofia, ex-secretário municipal de Educação de Porto Alegre e visiting scholar na Graduate School of Education, da Universidade de Stanford
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