A alta taxa de evasão escolar é um dos maiores gargalos para a educação no Brasil, visto que um baixo índice de escolaridade dificulta a redução da desigualdade e o crescimento econômico. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2022, realizada pelo IBGE, mais de 9 milhões de jovens entre 15 e 29 anos não concluíram a educação básica nem frequentam a sala de aula.
Pesquisa sobre o tema foi encomendada pelo Itaú Educação e Trabalho e pela Fundação Roberto Marinho, divulgada nesta segunda-feira, 11. O Datafolha ouviu presencialmente cerca de 1,6 mil jovens de todo o País para entender os motivos pelos quais abandonaram os livros:
- 43% não têm fundamental completo e 35% não têm o ensino médio completo: o abandono ainda no fundamental evidencia que as estratégias para manter o aluno em sala de aula não devem mirar somente o ensino médio
- Estão há, em média, 6 anos fora da escola, o que indica lentidão do poder público em trazê-los de volta à sala de aula. Para especialistas, quanto mais tempo fora, menor a chance de retorno;
- Maioria são negros (25% pretos e 23% pardos), indígenas (28%). E estão na parcela de maior vulnerabilidade socioeconômica (31% estão entre os 25% mais pobres do País), moram em área rural (33%) e/ou têm deficiência (35%);
- As principais justificativas para a evasão são falta de engajamento com a escola e baixa autoestima intelectual (68% já foram reprovados alguma vez), atrelada à necessidade de conseguir renda para manter a família (32% dos que não pretendem voltar alegam não conseguir conciliar trabalho e estudo) ou cuidar de filhos e parentes (17% dos que não pretendem voltar, sobretudo mulheres);
- 73% ainda pretendem concluir a educação básica e, destes, 77% têm intenção de cursar o ensino técnico, visando uma melhor colocação profissional. No entanto, 54% alegam que não há vagas compatíveis com sua rotina perto de onde moram;
- 43% têm interesse em completar rapidamente a educação básica, 35% em se preparar para entrar na universidade ou passar em concurso público e 31% têm desejo por formação profissional mais imediata.
Especialistas apontam que a falta de conexão entre a realidade da classe e as demandas dos jovens estão entre os fatores que impulsionam o abandono escolar, assim como a necessidade de trabalhar.
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Uma das iniciativas para reduzir a escala do problema é o programa Pé de Meia, ideia proposta pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, na campanha presidencial de 2022. A ação federal prevê auxílio financeiro para que jovens se mantenham no ensino médio.
Mas, segundo os especialistas envolvidos na pesquisa, bolsas do tipo, embora tenham impacto positivo, não podem ser a única ou principal política contra a evasão. Prova disso é que aproximadamente 43% dos que abandonaram a escola o fizeram ainda no fundamental.
“O ensino médio é a UTI”, em termos de estratégia de retenção dos estudantes na escola, define a superintendente do Itaú Educação e Trabalho, Ana Inoue. Segundo ela, é preciso considerar toda a trajetória escolar, olhando principalmente para a aprendizagem e para o desejo e necessidade desses jovens em trabalhar e ter uma profissão.
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“Os dados revelam a questão do mundo do trabalho como central na decisão dos jovens que estão fora da escola, seja na tomada de decisão para interromper os estudos, seja para retomá-los. Temos o compromisso constitucional de, na escola, formarmos profissionalmente os jovens, para que tenham condições de garantir inserção produtiva digna e dar sequência na carreira que desejarem optar”, avalia Ana.
Por esses motivos, a solução para o problema, segundo a especialista, deve ser intersetorial, indo desde o auxílio financeiro e a ampliação dos programas de Jovem Aprendiz, até uma melhor formação e valorização dos professores e aumento da oferta de vagas em creches para que as mulheres possam seguir estudando mesmo depois de se tornarem mães ou não precisem cuidar de irmãos menores.
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Ensino técnico abre oportunidades para novas gerações
Outra frente apontada pelos especialistas como fundamental para evitar o abandono escolar é oferecer oportunidades de formação profissional, como nos cursos técnicos e tecnológicos. O Ministério da Educação (MEC) tem afirmado que essa é uma prioridade, com meta de criar cem novos institutos federais da rede de ensino profissional nos próximos anos.
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Mas a proposta do MEC para reformulação do novo ensino médio, enviada ao Congresso em 2023, tem recebido críticas de parte do setor.
Originalmente, a reforma do ensino médio previa carga horária mais flexível, com parte do conteúdo a ser escolhido pelo aluno. O técnico é uma das opções que as escolas podem oferecer no novo modelo.
A principal divergência entre o texto proposto pelo governo e o relatório apresentado pelo relator na Câmara, o deputado Mendonça Filho (União-PE), é o tamanho carga horária básica. O relator sugeriu um teto de 2,1 mil horas para a formação geral básica, enquanto o MEC defende 2,4 mil horas, com a possibilidade de que a educação técnica cumpra apenas 2,1 mil horas.
O argumento do parlamentar para propor a modificação é de que a estrutura proposta pelo ministério inviabiliza o ensino técnico profissional, já que restariam poucas horas para a parte específica.
Países desenvolvidos, que têm os melhores resultados em avaliações internacionais, investem para que os alunos cursem o ensino profissional junto do médio. No Brasil, cerca de 10% dos alunos cursam o técnico, quando a taxa é de 68% na Finlândia e de 49% na Alemanha.
Não pode haver tolerância da sociedade, diz especialista
“O fato de termos mais de 9 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que não frequentam a escola e não concluíram a educação básica revela preocupante ‘tolerância’ da sociedade brasileira em relação à exclusão educacional dos mais vulneráveis”, afirma Rosalina Soares, Assessora de Pesquisa e Avaliação da Fundação Roberto Marinho.
“É alarmante constatar que 86% deles já ultrapassaram a faixa etária adequada para frequentar o ensino regular. Enquanto para os jovens das camadas mais privilegiadas é praticamente uma formalidade concluir o ensino médio, para as juventudes mais vulneráveis, a violação do direito à educação não tem recebido o devido cuidado”, diz a especialista.