Profissões ligadas à Matemática ganham mais do que outras? Estudo traz resposta

Pesquisa do Itaú Social e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada analisou como a disciplina impacta diretamente na economia, a partir de um modelo francês

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Foto do author Caio Possati
Atualização:

Os profissionais que atuam em áreas ligadas à Matemática, como tecnologia da informação (TI), engenharia, arquitetura, economia, áreas contábeis, são, em média, melhor remunerados em comparação às ocupações que não utilizam de forma regular e intensa esse tipo de conhecimento. Segundo estudo feito pelo Itaú Social, as ocupações que demandam maior aplicação da Matemática ofereceram, no 3º trimestre de 2023, salários na média de R$3.520, enquanto que os rendimentos dos demais trabalhadores foram de R$1.607 - uma diferença de 119%.

Os dados integram o estudo “Contribuição da Matemática para a economia brasileira” realizado pelo Itaú Social com o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). A pesquisa foi adaptada de uma investigação feita pelo Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, que avaliou como a disciplina da Matemática impacta diretamente na economia do país europeu.

  • Para a realidade brasileira, os estudos utilizaram dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) para avaliar o número de trabalhadores e suas remunerações associadas às atividades relacionadas à Matemática.

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O mesmo estudo aponta, que, entre 2012 e 2023, os rendimentos dos profissionais que atuam em áreas ligadas à Matemática corresponderam a uma média anual de 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) Brasileiro.

O objetivo da pesquisa, segundo a superintendente do Itaú Social, Patricia Mota Guedes, é justamente mostrar como a Matemática usada nas profissões é relevante para o crescimento econômico do País, e como investimentos em políticas públicas para os setores produtivo e de desenvolvimento podem servir de tração para melhorar a qualidade do ensino da Matemática e diminuir a desigualdade nacional, tanto no aspecto profissional como educacional.

“O objetivo (do estudo) está na sensibilização da importância de passarmos a monitorar e dimensionar políticas mais ambiciosas para que passemos a avançar no desenvolvimento da economia e da sociedade”, diz Patricia. “O que os outros países têm feito é usar esses indicadores para monitorar a efetividade das suas políticas de desenvolvimento econômico, incentivo à inovação, incentivo à pesquisa, e incentivo ao desenvolvimento tecnológico”, completa.

Especialistas têm defendido o incentivo à carreiras ligadas à Educação Stem, sigla que engloba as áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Esse movimento,surgido há pouco mais de duas décadas nos Estados Unidos, está ligado a um tipo de ensino que estimula a resolução de problemas reais, a criatividade e a autonomia. Países com bons resultados de aprendizagem, como Coreia do Sul e Cingapura, têm investido na formação sob essa perspectiva.

  • No trabalho do Itaú Social, a classificação das ocupações que usam a Matemática de forma intensiva foi adaptada a partir da escala usada no estudo francês. Cada ocupação ou profissão possuí um score que varia com base na intensidade do uso desse conhecimento.
  • Por exemplo: engenheiros em geral, gerentes de sucursais de bancos, dirigentes financeiros possuem uma pontuação de 1,0 do uso intensivo de Matemática; arquitetos, possuem 0,5 de score; e médicos especialistas, 0,1.

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De acordo com o estudo, 7,4% dos trabalhadores brasileiros ocupam, atualmente, alguma atividade que utiliza os princípios da Matemática. Trata-se de crescimento de cerca de 2% na comparação com 2012. Mesmo pouco expressivo, é superior ao aumento de 0,99% dos ocupados em geral no mesmo período.

Matemático ministra aula na sede do Impa, no Rio Foto: Fabio Motta/Estadão - 19/10/2017

Em 2023, no País, os cinco setores que abarcaram o maior número de trabalhadores que têm a Matemática ligada ao cotidiano de trabalho foram:

  • Atividades de serviços de tecnologia da informação (772.935 ocupados - 11%);
  • Serviços financeiros (650.030 ocupados - 9º%);
  • Atividades jurídicas, de contabilidade e de auditoria (515.151 ocupados - 7%);
  • Serviços de arquitetura e engenharia e atividades técnicas relacionadas; Testes e análises técnicas (416.915 ocupados - 6%);
  • Construção de edifícios (246.799 ocupados - 3%).

“O que se identificou é uma diferença na matriz econômica. No Brasil, as ocupações com uso intensivo da Matemática estão muito mais concentradas em áreas de serviços administrativos, mercado financeiro, ciências contábeis”, diz Patricia Mota.

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A pesquisa do Itaú Social revelou, porém, que as ocupações com uso intensivo de Matemática demonstram a predominância de um tipo de perfil de trabalhador. Destes cargos, 69% são homens, 62% são pessoas brancas e 62% possuem ensino superior completo — o que demonstra que são cargos que demandam especialização, diz a pesquisa.

Além disso, trabalhadores que atuam nessas ocupações estão mais concentrados em Estados do Sudeste e do Sul — São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná abrigam mais da metade desses profissionais —, o que demonstra que a regionalidade também é um forte marcador na maneira como as atividades ligadas à Matemática estão distribuídas pelo País.

A ampliação do espaço para mulheres e pessoas negras ainda encontra resistências, indica a pesquisa. O crescimento de negros nesse tipo de ocupação até aumentou entre 2012 e 2023, mas de forma tímida, passando de 33% para 36% do total. No caso de mulheres, a participação subiu de 28% para 31%.

“Se pensar em desenvolvimento com a redução das desigualdades, o maior acesso a profissões com uso intensivo da Matemática por parte de negros, de mulheres, pode contribuir no sentido de trazer oportunidades profissionais, horizontes e rendimentos muito significativos”, afirma Patricia.

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Para que a Matemática provoque impacto ainda mais relevante na economia do País e, consequentemente, encurte esse acesso desigual às ocupações ligadas a essa área, a superintendente do Itaú Social sugere alguns caminhos. Um deles é a melhora do ensino da disciplina, tanto no nível básico, como no superior. O outro é tornar a formação de professores de Matemática mais atraente.

Como argumento, ela lembra que o Brasil vem apresentando rendimento ruim em avaliações internacionais, como o Pisa, a prova mais importante da educação do mundo. O exame, aplicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), teve os resultados de 2022 apresentados dezembro no ano passado. Entre os estudantes brasileiros avaliados, 73% estão no grupo considerado abaixo do básico no conhecimento da disciplina.

Patricia cita também outra barreira que precisa ser superada para que a Matemática seja mais democratizada, e que mais pessoas a utilizem de forma aprofundada em suas ocupações.

“É necessário dar condições de aprendizagem da Matemática de forma que engaje o estudante e o faça romper com as crenças de que a Matemática é apenas para alguns, que é uma questão de dom”, diz. “Por conta dessas crenças, muitos estereótipos e exclusões vêm retirando jovens de ocupações profissionais atrativas e com muito potencial de realização”, afirma.

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Setor tem alto índice de formalidade, mas vê informais crescerem

Outra característica apontada pelo estudo do Itaú Social é que as ocupações que usam a Matemática de forma intensiva apresentam alto índice de formalidade na regulamentação trabalhista — 84% ante a média da economia brasileira, que registra aproximadamente 67% de trabalhadores no mercado formal, conforme os dados da Pnad Contínua do terceiro trimestre de 2023.

Porém, a investigação revelou que, entre 2016 e 2023, houve aumento de trabalhadores informais nessa área, sobretudo de mulheres. Enquanto para o público masculino o aumento de trabalhadores não registrados foi de 36,8%, o do feminino teve elevação de 57,8%, passando de 226 mil para 357 mil trabalhadoras informais na Matemática.

O aumento de empregos formais no setor, em geral, foi mais tímido: 7,3% — sendo um aumento de 23% para mulheres e 8% para homens.

“Seria importante fazer estudo mais detalhado e entender esse perfil para questionar: ‘Por que as mulheres não conseguem ser aceitas e ter acesso a trabalhos formais?’, ‘Por que precisam recorrer à informalidade?’, questiona Patrícia Mota Guedes.

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