Programa no HC da USP cobra quase R$ 8,5 mil de alunos de outras faculdades; entenda

Curso, que pode durar até 3 meses, é criticado por estudantes grevistas da própria universidade; faculdade diz que prática é regular e rende verba para a instituição. Modelo tem respaldo jurídico

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Foto do author Roberta Jansen
Atualização:

Estudantes de Medicina de qualquer faculdade do País e até mesmo do exterior podem fazer um curso no prestigioso Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo. A experiência, porém, não é gratuita: custa pelo menos R$ 8.450 por mês.

O programa pago tem sido alvo de críticas de alunos grevistas da Faculdade de Medicina, que veem perda de espaço para universitários de escolas privadas. Professores defensores do modelo dizem que o formato, criado em 2023, tem processo transparente e traz verba para a universidade. A cobrança de cursos de extensão por instituições públicas encontra respaldo jurídico.

  • O Experiência HC foi criado em 2023 e 214 alunos já participaram. Conforme o site do Hospital das Clínicas, é possível escolher até três disciplinas diferentes.
  • São mais de 160 horas de atividades práticas e “uma oportunidade para conhecer a rotina médica do maior hospital da América Latina, junto a profissionais referenciados em suas áreas de atuação”.

Alunos do 4º ao 5º ano de Medicina de qualquer curso podem participar. Cada disciplina dura um mês. O dinheiro da mensalidade, segundo o HC, é revertido para a própria universidade.

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Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP oferece estágio para alunos de qualquer curso mediante pagamento de R$ 8.450 por mês Foto: Werther Santana/Estadão

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O fim do programa é uma das reivindicações dos estudantes da Faculdade de Medicina da USP, em greve desde o dia 7. A liderança do movimento critica o que chama de “mercantilização do ensino público” e diz que os alunos da USP estão sendo prejudicados em seu treinamento em detrimento dos alunos que pagam pelo curso.

“Tem sido anunciado pela diretoria que o número (de alunos do curso) será triplicado ainda no primeiro trimestre de 2024, chegando a 690 vagas por semestre e ultrapassando o número de estudantes da própria FMUSP que fazem internato (estágio) no HC”, diz o movimento estudantil.

“Além de clara mercantilização e privatização do ensino público sem nenhum critério de seleção, em um mês, período de duração da experiência, os alunos já realizaram procedimentos práticos em pacientes do HC, um hospital público, enquanto os alunos da própria universidade passam por treinamento com professores, preceptores e residentes antes do início de qualquer prática”, continua.

Professor titular da Pneumologia da FMUSP, Rogério Souza diz que cursos privados nas instituições públicas são comuns há décadas e que o do HC veio, na verdade, para dar mais transparência e regularizar uma situação que ocorria informalmente.

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“O curso trouxe regras para algo que acontecia informalmente. Tínhamos um monte de alunos de outras instituições, públicas ou privadas, fazendo períodos dentro do HC, dependendo das conexões que cada um tinha”, afirma.

O programa pago tem sido alvo de críticas de alunos grevistas da Faculdade de Medicina, que veem perda de espaço para universitários de escolas privadas Foto: Werther Santana/Estadão

“A grande maioria da verba retorna para a própria graduação e para bolsas de permanência estudantil. Não adianta apenas dar acesso à universidade se o aluno não consegue se manter por lá. Por fim, o programa é inclusivo: 10% das vagas levam em conta critérios de vulnerabilidade social, conclui.

Conforme a Faculdade de Medicina da USP, o Experiência HC foi estruturado de forma que as disciplinas feitas pelos alunos do curso de extensão nunca coincidissem com aquelas frequentadas.

Professor diz que curso amplia oportunidades; colega vê ‘seleção perversa’

Já o infectologista Gérson Salvador, professor de Propedêutica da faculdade, é crítico ao modelo. “Só nos últimos dez anos tem cota na USP. Estudantes pobres, filhos de pessoas periféricas, egressas do ensino público estão conseguindo entrar”, destaca. “Na hora em que, enfim, a classe trabalhadora acessa esse curso, se oferece uma via paralela para um cara da elite pagar R$ 8.450? É uma seleção perversa.”

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O professor de Pediatria Clóvis Artur da Silva, por sua vez, elogia a iniciativa após experiência própria. “Quando eu era estudante de Medicina na Bahia, fiz um curso pago de três semanas no HC e fiquei encantado”, relata.

“Por causa desse curso, acabei fazendo residência aqui e toda a minha carreira. Isso aconteceu porque tive a oportunidade de ter vivência no maior hospital da América Latina”, continua. “Por isso, sou entusiasta do programa.”

Já o presidente do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, Tales Areco, afirma ser complicado o “avanço do capital privado” dentro do ensino superior público. “Nossa preocupação é que haja cobrança menor para que o Estado cubra os gastos da universidade pública.”

Programa é regular e foi amplamente debatido, diz faculdade

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Faculdade de Medicina da USP informou que “o programa “HC Experiência” é um curso regular de extensão universitária destinado à graduação, de curta duração e devidamente registrado na USP.

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Ele opera na modalidade de programa de atualização, conforme estabelecido pela Resolução do STF, CNE/CES n° 1, de 08/06/2007, que reconhece a possibilidade de cobrança em cursos de extensão.”

Ainda conforme a instituição, os recursos obtidos pelo programa são direcionados prioritariamente para a assistência estudantil de alunos em situação financeira precária e para o apoio a projetos de graduação.

“Uma premissa fundamental do programa é a separação das atividades dos alunos da USP, que são supervisionadas dentro do contexto das atividades em curso em cada área”, afirma.

A faculdade diz ainda que a criação do programa e sua proposta passaram por ampla discussão em diversas instâncias institucionais, sendo aprovadas pelos órgãos máximos da faculdade (congregação) e do HC (conselho deliberativo), formado pela direção da faculdade, presidentes de comissões, chefes de departamentos, professores, funcionários e representantes dos alunos.

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