SÃO PAULO E BRASÍLIA - As escolas do País devem começar o ano letivo de 2025 já com uma lei que proíba os celulares nas redes públicas e particulares. Integrantes do Congresso e do Ministério da Educação (MEC) ouvidos pelo Estadão acreditam que o tema está pacificado, tanto entre governo quanto entre parlamentares da oposição, e dizem que não haverá dificuldades para aprovar um projeto de lei até o fim do ano.
A intenção é a de, logo após as eleições municipais, apressar os processos para que a votação seja rápida. O segundo turno será realizado no domingo, 27. Ainda que haja agora aparente consenso entre governo e oposição, nos bastidores, houve uma espécie de “guerra fria” pelo protagonismo no projeto.
Enquanto o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), ficou nos holofotes por pautar o tema nacionalmente no mês passado, o presidente da Comissão de Educação da Câmara, o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) caminhou com a tramitação de um projeto de lei de relatoria do deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), também apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Diversas pesquisas têm mostrado nos últimos anos o prejuízo para a aprendizagem e para a concentração pelo uso de celulares nas escolas. Países como Finlândia, Holanda, Portugal, Espanha, Estados Unidos já têm políticas de proibição ou restrição dos aparelhos.
Uma das maiores evidências veio de um relatório do ano passado da Unesco, órgão das Nações Unidas, que compilou estudos que relacionam o uso de celulares e os resultados educacionais em 14 países. A conclusão da entidade foi de que os efeitos são negativos, com impacto principalmente na memória e na compreensão.
Leia também
Outras pesquisas mostram que os alunos podem levar até 20 minutos para se concentrar novamente no que estavam aprendendo depois de usarem o celular para atividades não acadêmicas e ainda que, mesmo o aparelho desligado ou usado por um colega, pode levar a problemas de aprendizagem.
Pesquisa realizada pelo Datafolha e divulgada nesta semana mostra que 62% da população apoia o banimento de celulares nas escolas, índice que é semelhante entre eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de Bolsonaro. Movimentos da sociedade civil, como o Desconecta, também ganharam força em centenas de escolas do País, pedindo a proibição.
O consenso e o clamor popular da medida podem fazer com que o MEC aproveite o tema para ganhar pontos no Congresso. Segundo o Estadão apurou, Camilo não faz questão de ter um texto do governo e pode contribuir com projetos sobre o assunto que já foram apresentados, o que também aceleraria a discussão.
O projeto em debate na Câmara foi apresentado pelo deputado Alceu Moreira (MDB-RS) em 2015. A ele foram apensados outros 12 semelhantes. Relator do texto na Comissão de Educação, Diego Garcia (Republicanos-PR) apresentou um texto que prevê que alunos da educação infantil (creche e pré-escola) até o 5º não possam ter o celular nem na mochila. Já os de 6º a 9º e do ensino médio poderiam portar o aparelho, mas sem usá-lo na sala de aula e tampouco no recreio.
A exceção é para o uso como instrumento pedagógico, com orientação e monitoramento por parte do professor. Ou para estudantes com necessidades especiais que dependam do aparelho para acessibilidade.
No MEC, segundo o Estadão apurou, há ainda a preocupação de não passar a ideia de “demonização da tecnologia”, que pode ser aliada em alguns processos educacionais. O governo quer que políticas de educação midiática e de uso consciente dos celulares façam parte do projeto.
Especialistas da área chamam a atenção para o fato de que as novas tecnologias fazem parte da sociedade atual, especialmente dessa geração de crianças e jovens, e que só a proibição não será efetiva para mitigar os riscos.
Garcia afirmou que não se opõe à participação MEC na discussão. Segundo ele, a pasta também não criou nenhum tipo de oposição ao texto que foi apresentado por ele na Comissão de Educação. Ele tem reunião marcada com a equipe do ministério na próxima terça-feira, 22.
“Se eles tiverem alguma outra contribuição positiva a apresentar, não vamos nos opor a nada. O projeto já está maduro suficiente. Acolhemos sugestões de todos parlamentares, todos partidos que nos procuraram. Na verdade, quem está atrasado é o MEC. Já fizemos essas discussões que tinham que ser feitas”, disse.
Segundo Garcia, o presidente da Comissão de Educação se comprometeu em pautar o projeto para votação na próxima sessão, ainda sem data. Na semana passada, Nikolas colocou o tema em discussão, mas não houve votação.
Caso o projeto seja aprovado na Comissão de Educação, ele segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, presidida pela bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC). Depois da apreciação na CCJ, o texto segue para o Senado.
A expectativa é de que o projeto tenha tramitação concluída na Câmara ainda neste ano. Então, caberia ao Senado garantir celeridade para a medida ser aprovada até o fim de 2024.
Situação em São Paulo
Se aprovado no Congresso, o projeto valeria para todo o País. A ideia é a de que as redes públicas e privadas seriam responsáveis por decidir como seria a implementação da medida, se haveria espaço para os celulares serem guardados, se não poderia nem ser levado à escola etc.
Mesmo com o projeto nacional, há iniciativa semelhante em São Paulo, também acelerada nos últimos dias. Um projeto que proíbe celulares nas escolas públicas e particulares foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia Legislativa nesta quarta-feira, 16.
A norma impede o uso dos aparelhos inclusive no recreio. O projeto é de autoria da deputada Marina Helou (Rede), mas também une esquerda e direita, com coautoria dos parlamentares Lucas Bove (PL), Altair Moraes (Republicanos) e Professora Bebel (PT).
Apesar do governo paulista também se posicionar a favor, há uma limitação nas escolas estaduais. Boa parte das atividades atualmente é feita pelos alunos em aplicativos da própria secretaria, usando o telefone celular, como redações, leituras e lições de casa.
Mesmo tendo propósito pedagógico, segundo pesquisas, o potencial de distração ainda existe quando o estudante usa um aparelho próprio, com acesso a redes sociais e outras funções.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.