É possível distinguir a Fuvest de outros vestibulares em diferentes aspectos, e um deles é a redação. Na prova para entrar na Universidade de São Paulo (USP), o tema da redação costuma ser “mais filosófico e abrangente”, explica a assessora pedagógica da Redação Nota 1000, Heloisa Guimarães. Por isso, as sugestões de assuntos para analisar para a prova são diferentes daquelas pensadas para o Enem, por exemplo.
Outro elemento que diferencia a Fuvest é a avaliação em relação à originalidade do texto, ou seja, a capacidade do estudante de construir uma argumentação autêntica, a partir da inserção de novas ideias que deem continuidade às discussões iniciadas pela coletânea, explica Guimarães.
As provas da segunda fase da Fuvest 2025, principal porta de entrada para os cursos de graduação da Universidade de São Paulo (USP), acontecem neste domingo, 1.º, e segunda-feira, 16, em 23 cidades do Estado de São Paulo.
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O professor Vinicius Beltrão, coordenador de ensino e inovação no SAS Educação, acrescenta que enquanto o Enem costuma trazer uma abordagem social do Brasil, sem polêmica, a Fuvest propõe assuntos “mais delicados e sensíveis”, que tiveram visibilidade durante o ano.
Ele recomenda aos candidatos que deixem muito clara sua visão sobre o assunto abordado na redação, garantindo uma coerência na organização dos argumentos para que se chegue a conclusões adequadas sobre o tema. Chama atenção ainda para evitar contradições e lembra que, diferente do Enem, na Fuvest não é preciso, necessariamente, elaborar uma proposta de intervenção.
Algumas temáticas que podem ser estudadas para a redação da Fuvest 2024 são:
Redes sociais na difusão de notícias falsas e discursos de ódio
Desde as eleições presidenciais de 2018, o papel das redes sociais na comunicação e formação de opiniões tem ficado cada vez mais evidente, especialmente no que tange a contextos políticos e sociais. “Nesse sentido, discutir sobre a força das redes sociais atualmente envolve reflexões sobre como as redes podem criar bolhas de informação, influenciar eleições e promover ou combater a desinformação e os discursos de ódio”, explica a assessora pedagógica.
“A Fuvest pode querer avaliar a capacidade do candidato de refletir sobre as implicações sociais, políticas e éticas desse fenômeno”, completa.
O avanço da IA e seus impactos éticos e sociais no mundo contemporâneo
Apostas do momento, a inteligência artificial e a automação estão transformando rapidamente vários aspectos da vida cotidiana, trazendo questões sobre o futuro de empregos, os impactos econômicos, culturais e filosóficos e a privacidade, especialmente no que diz respeito ao uso de dados pessoais. Há ainda questionamentos relacionados à ética e ao controle dessa ferramenta.
Discutir o impacto global da IA é essencial, ainda, para evitar a criação de um “abismo tecnológico” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, pontua Guimarães.
“A Fuvest poderia cobrar do aluno uma reflexão a respeito da necessidade de regulamentação da IA, um posicionamento sobre a questão da autoria de mídias e artes criadas por IA ou mesmo focar a dissertação no seu impacto na vida cotidiana, como um todo”, diz.
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O tédio e a anestesia na modernidade
“Vivemos em uma era marcada por tecnologias que prometem um acesso constante à informação e entretenimento. Mas esse fluxo intenso de estímulos pode gerar um sentimento de ‘anestesia’, no qual as pessoas se tornam cada vez mais insensíveis às experiências do cotidiano”, afirma Guimarães.
O tédio pode ser visto não apenas como uma sensação individual, mas como um sintoma coletivo, refletindo a dificuldade de encontrar significado em atividades rotineiras ou em uma vida saturada de estímulos superficiais, ela explica. Essa questão está diretamente relacionada com os desafios enfrentados pela sociedade moderna, como a dependência de redes sociais, a constante busca por gratificação imediata e o impacto dessas dinâmicas na capacidade de atenção e reflexão profunda.
O tema também abre espaço para discussões sobre o consumo excessivo de produtos culturais e mídias digitais, levando a uma reflexão sobre como esses fatores podem influenciar a saúde emocional e social das pessoas.
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Saúde mental: entre a patologização e a banalização do autodiagnóstico
A saúde mental tem ganhado cada vez mais importância por parte da sociedade, especialmente dos mais jovens. Apesar de fundamental, o debate sobre a saúde mental é fundamental e envolve complexidades, diz a assessora pedagógica, como a banalização do autodiagnóstico, impulsionada pela ampla disseminação de informações na internet em redes sociais como o X e o TikTok. “As redes têm gerado uma cultura em que qualquer pessoa se sente capacitada a diagnosticar sua própria saúde mental, frequentemente sem a orientação de um profissional qualificado”, pontua.
Essa prática pode acarretar sérios riscos, como o aumento da ansiedade, desinformação sobre tratamentos e até mesmo a minimização de problemas graves que necessitam de cuidado especializado.
“O tema permite uma reflexão crítica sobre os limites e os perigos de uma sociedade em que a informação sobre saúde mental é acessível, mas, muitas vezes, superficial e mal interpretada”, ela avalia.
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Questões climáticas e seus impactos sociais
No Brasil e no mundo, as questões climáticas foram alvo de muitas notícias - de queimadas a enchentes, os extremos estiveram presentes em um mesmo ano.
“A América Latina teve um recorde na emissão de carbono por conta da quantidade absurda de incêndios que ocorreram, não só no Brasil, mas em vários países da região. A gente pode trazer aqui também a questão do Rio Grande do Sul, um recorte específico de um Estado, mas não só pelas enchentes, como também por uma questão social, dada a mobilização do Brasil para ajudar o Rio Grande do Sul”, comenta Beltrão.
“Podemos também pensar na gestão dessas cidades, falando de política, e se existe uma gestão para lidar com situações extremas. A gente tem toda uma questão que poderia ser abordada não só de temperatura, que nos afetou de uma forma muito cruel, mas de mobilização social”, completa.
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