Quanto o curso técnico aumenta o salário de um profissional? Novo livro traz esse cálculo

Revisão de estudos feita pelo pesquisador Ricardo Paes de Barros, do Insper, mostra remuneração 32% maior e elevação da empregabilidade para quem conclui educação profissional e tecnológica

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Foto do author Renata Cafardo
Atualização:

Uma revisão de 16 estudos nacionais e internacionais concluiu que há aumento de 32% na remuneração recebida ao longo da vida de profissionais que concluem o ensino técnico. A análise, feita pelo pesquisador do Insper Ricardo Paes de Barros e outros colegas, resultou em um livro que será lançado nesta quarta-feira, 29. O levantamento também vê a educação profissional e tecnológica como investimento público rentável, em que para cada R$ 1 voltam R$ 3 em forma de salário para o jovem.

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A pesquisa ainda indica que o ensino técnico eleva a probabilidade de ocupação dos trabalhadores em 7,6 pontos percentuais, em comparação com aqueles que fizeram o ensino médio regular. “O jovem vai ficar menos tempo desempregado, vai trabalhar um número maior de horas e ainda ganhar mais por essas horas”, diz Paes de Barros.

“A evidência disponível é absolutamente unânime em apontar a educação técnica como investimento social extremamente rentável”, conclui o estudo Impacto da Educação Técnica sobre a Empregabilidade e a Remuneração, feito em parceria com o Itaú Educação e Trabalho e o Instituto Unibanco.

Ensino técnico é visto também como uma forma de trazer significado à escola para o adolescente Foto: ROBERTO SUNGI

Segundo o Estadão mostrou na semana passada, outro estudo do Insper revelou que ampliar a quantidade de alunos no ensino técnico tem um impacto positivo de até 2,32% no PIB brasileiro.

“Precisamos, com urgência, propor um caminho para que os jovens consigam se desenvolver profissionalmente. Temos 50 milhões de jovens de 15 a 29 anos no País e, para 76% deles, o ensino superior não é uma realidade”, diz a superintendente do Itaú Educação e Trabalho, Ana Inoue.

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Para ela, o estudo mostra evidências da necessidade do investimento em educação profissional e tecnológica. “Teremos mais gente trabalhando e com boa qualificação, um retorno muito positivo para a pessoa e para o desenvolvimento do País”, afirma.

O ensino técnico também é visto como uma forma de dar significado à escola para o adolescente e ser um grande mobilizador entre teoria e prática. O estudo do Insper fala de como a “exposição a temas profissionais e tecnológicos pode dar concretude ao currículo do ensino médio”, evitar o abandono e “promover maior aprendizado nas áreas de conhecimento tradicionais”.

Países desenvolvidos, que têm os melhores resultados em avaliações internacionais de educação, investem muito para que os alunos cursem o ensino profissional junto com o médio. No Brasil, só 10% dos alunos estão matriculados no técnico, quando a taxa é de 68% na Finlândia e de 49% na Alemanha.

A ampliação da modalidade é encarada como prioridade pelo Ministério da Educação (MEC), mas há críticas sobre como a carga horária foi definida na reformulação do novo ensino médio, enviada ao Congresso pelo governo mês passado.

O técnico é uma das opções que as escolas estaduais podem oferecer no novo ensino médio, que prevê currículo de carga horária mais flexível, com parte do conteúdo a ser escolhido pelo aluno.

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Pesquisador Ricardo Paes de Barros, do Insper, analisou estudos nacionais e internacionais (Foto de 24/9/2019 Foto: Hélvio Romero/Estadão

Não adianta só ‘passar’ pelo técnico; tem de terminar, diz pesquisador

Paes de Barros explica, no entanto, que para que haja o impacto previsto, o estudante precisa concluir o ensino técnico e trabalhar nas áreas sobre as quais estudou. “O jovem tem de terminar. Não é uma passagem pelo técnico que vai fazer diferença. E ele tem que usar o que aprendeu.”

Como o ensino médio técnico costuma ter mais qualidade, há muitos estudantes que fazem essa opção, mas depois acabam indo para carreiras completamente diferentes da educação profissional que receberam. Além disso, estudos considerados na pesquisa de Paes de Barros mostram que 60% dos estudantes abandonam o técnico antes da conclusão.

“Em termos de política pública, é preciso ajudar os jovens desde o 9º ano do ensino fundamental com aulas de projeto de vida, além de ter um leque grande de cursos para que não seja obrigado a escolher algo por falta de opção”, diz.

Com base nos estudos analisados, os pesquisadores consideraram que o aluno que finaliza o ensino médio regular no Brasil tem estimativa de remuneração ao longo da vida de R$ 427 mil. Esse valor aumenta em R$ 137 mil, o que representa 32%, chegando a R$ 564 mil quando o aluno conclui o ensino médio técnico.

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Os pesquisadores também calcularam quanto do investimento feito pelo governo voltaria em forma de salário ao trabalhador. A estimativa é a de que se invista R$ 16 mil a mais por aluno no ensino técnico, se comparado ao médio regular. “O Brasil vai gastar R$ 16 mil a mais para o aluno ganhar R$ 137 mil a mais, ou seja, uma relação de 1 para 8″, diz Paes de Barros.

Mas, explica, é preciso considerar que 60% não concluem o técnico, portanto, não têm ganho algum, segunda a pesquisa. Dessa forma, para cada R$ 1 investido há um retorno em remuneração dos beneficiados superior a R$ 3, “o que certamente coloca a educação técnica entre os investimentos públicos mais rentáveis no País”, diz o estudo.

Técnico pode ser uma ‘porta para faculdade”

Segundo Paes de Barros, uma vez que o estudante cursou ensino superior não há mais o impacto do técnico sobre a remuneração. Isso porque o ganho de salário é muito maior com a universidade.

Apesar disso, a pesquisa diz que “a educação profissional e tecnológica serve como um indispensável primeiro passo” para quem quer fazer faculdade porque ajuda na aquisição de habilidades, reduz custos e promove maior qualidade na formação final dos profissionais. Os pesquisadores defendem integração entre os currículos do ensino técnico e superior.

Em agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou uma lei que exige que universidades validem como créditos as disciplinas cursadas no ensino técnico, em áreas semelhantes. A intenção, segundo a deputada federal Tábata Amaral (PSB-SP), relatora do projeto de lei, é justamente a de deixar mais claro que ensino técnico e universidade podem ser um objetivo comum.

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“Hoje o ensino técnico é a porta para fazer faculdade no futuro”, diz Tábata. “O importante é a educação ao longo da vida, os blocos vão se somando. Se o aluno já teve um curso de álgebra, hidráulica, por exemplo, isso se soma em um sistema de créditos.”

A lei ainda aguarda regulamentação do governo para se detalhar como será o sistema, mas a nova legislação prevê ainda articulação dos currículos com empresas, expansão de vagas e a criação de uma avaliação da qualidade dos cursos, tudo isso numa grande política nacional de educação profissional e tecnológica.

Ana Inoue também lembra que, no século 21, “o mundo do trabalho está sendo impactado pela tecnologia, o que vai trazer muitos trabalhos novos, mudanças rápidas, exigindo que todos estudem e se atualizem sempre”. Por isso, o ensino técnico seria apenas uma etapa inicial de desenvolvimento profissional, afirma. “O ensino técnico não pode ser colocado como em oposição ao ensino superior. Isso é uma visão ultrapassada: eles são complementares.”

Reforma do ensino médio

O MEC foi pressionado durante todo o ano a mudar a reforma do ensino médio, que contempla o ensino técnico como um dos caminhos possíveis para o aluno. O projeto enviado ao Congresso pelo governo, em outubro, mexeu nas cargas horárias e deixou o ensino profissional com 2,1 mil horas para as disciplinas básicas e 900 para as técnicas (nos três anos de ensino médio). Já o ensino médio regular ficou com 2,4 mil horas para a formação básica.

Para o relator do projeto no Legislativo, o ex-ministro da Educação e atual deputado federal Mendonça Filho (União Brasil-PE), essa estrutura promove desigualdades e inviabiliza os cursos técnicos no País. “Quando se garante um conteúdo comum diferente para dois públicos, não está promovendo equidade”, diz ele, que era titular do MEC em 2017, quando a reforma foi aprovada.

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Além disso, ele ressalta que “cursos técnicos mais qualificados, como da área de Tecnologia de Informação (TI) e Saúde, que exigem 1,2 mil horas específicas”, não poderão ser oferecidos, já que foram deixadas apenas 900 horas para essa parte do currículo.

Como o Estadão mostrou, mais de 65% dos cursos técnicos têm hoje 1,2 mil horas, segundo exigências curriculares do próprio ministério. Ao se adicionar as 2,1 mil horas para as disciplinas básicas, como propõe o MEC, ficaria um total de 3,3 mil horas, o que não é possível de se oferecer em um turno apenas - manhã, tarde ou noite.

Para cumprir a nova carga horária, as escolas que oferecem o ensino médio junto com o técnico nessas áreas seriam obrigadas a investir em educação em tempo integral, que exige mais recursos e estrutura, ou terão de fechar vagas. Por causa disso, alguns secretários de educação também têm se posicionado contra o projeto apresentado pelo governo.

O MEC tem defendido justamente que os Estados invistam em ensino integral caso queiram ofertar modalidades técnicas que exijam carga horária maior. Muitos especialistas ligados ao técnico dizem também dizem que é possível oferecer cursos de qualidade com 900 horas.

Mendonça Filho pretende elaborar sua proposta até o começo de dezembro para tentar votar no Congresso antes do recesso de fim de ano.

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