Racismo no Enem: um ato de coragem

Falar de racismo e questões sociais no Enem ainda é visto como um ato de coragem do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep)

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colunista convidado
Foto do author Renata Cafardo

Houve pais que, ao conhecerem questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, se questionaram se seus filhos teriam condições de responder corretamente à prova. Ou se saberiam dissertar sobre o tema da redação.

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A reflexão sobre o racismo estrutural estava lá, ao se perguntar sobre expressões como “lado negro” na língua portuguesa. Ou em dois trechos de Quarto de Despejo, da escritora negra Carolina de Jesus, catadora de papel que escreveu sobre sua vida numa favela, em 1960.

Na redação, adolescentes de 17 e 18 anos, que passaram quase um quarto das suas vidas com um presidente que bradava contra os povos tradicionais, tiveram de dissertar sobre como valorizá-los. Será que a escola do meu filho já falou sobre os quilombolas?

Movimentação de alunos para realizarem as Provas da Primeira fase do ENEM desse ano, no colégio Objetivo, rua Vergueiro, na zona sul de São Paulo Foto: ESTADAO / TIAGO QUEIROZ

Desde 2003, uma lei exige que faça parte do currículo das escolas a “história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política”. São quase 20 anos desde a aprovação deste texto, que inclui ainda o dia de hoje, da Consciência Negra, no calendário escolar.

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Mesmo assim, pesquisa realizada este mês pela Associação Nova Escola, com 2 mil professores do País, mostra que 6 em 10 dizem que não existe (ou não sabem se existe) investimento em ações para o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas em que trabalham. E 70% não usam nenhum autor negro em suas aulas. Carolina de Jesus foi um dos nomes citados pelos poucos 20% que conheciam alguma referência negra.

Falar de racismo e questões sociais no Enem ainda é visto como um ato de coragem do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC. A prova de domingo ficou pronta meses antes do resultado das eleições, sob habitual sigilo. Se Bolsonaro tivesse sido reeleito, não se sabe as consequências para os servidores.

O exame deste ano, que continua hoje com Matemática e Ciências da Natureza, é um último grito de um grupo técnico e experiente, sufocado por pressões ideológicas e assédio durante quatro anos de Jair Bolsonaro. Um grito que será ouvido por muito tempo.

O Enem é um grande indutor dos currículos das escolas, públicas e particulares. Quando ele fala de racismo, mostra que elas precisam falar de racismo. Quando faz 3 milhões de jovens refletirem sobre direitos humanos, sobre a sociedade em que vivem, sobre conflitos de terra, gênero e cultura regional, a escola faz o mesmo. Longa vida ao Enem 2022.

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