Não haverá um caminho único para suprir o déficit de alfabetização no Brasil pós-pandemia, mas sim vários. A recomposição da aprendizagem entre crianças e adolescentes, segundo especialistas, deve considerar particularidades de cada ambiente e as desigualdades sociais. Esse foi o tema do debate promovido pelo Estadão na manhã desta segunda-feira, 15, o primeiro da série de eventos Reconstrução da Educação.
O painel teve a participação de Kátia Schweickardt, secretária da Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Fred Amâncio, secretário municipal de Educação do Recife, Tiago Bartholo, professor da Universidade Federal do Rio (UFRJ), e Telma Vinha, doutora em Educação e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A mediação foi de Renata Cafardo, repórter especial e colunista de Educação do Estadão.
Em uma série de encontros, especialistas são convidados a debater o atual cenário da educação brasileira e os possíveis caminhos para obter melhora na aprendizagem de crianças e adolescentes. Os eventos são gratuitos e podem ser acompanhados pelo canal do Estadão no YouTube.
Segundo Amâncio, o desafio de alfabetização na idade adequada, até os 7 anos, já existia no Brasil, mas foi potencializado com a pandemia. “Crianças que em 2020 ou 2021 estavam no primeiro e no segundo ano (do ensino fundamental) são aquelas que estão chegando no quarto e no quinto ano com déficit de aprendizagem e do processo de alfabetização”, ressalta. “Isso existia, mas de forma menor e se tornou mais grave: crianças de sexto, sétimo, oitavo e até nono ano que não estão plenamente alfabetizadas.”
O problema se torna mais complexo quando esbarra na estrutura curricular dos anos finais do fundamental, conforme o secretário, uma vez que os professores que lidam com estes alunos não são pedagogos. “Os professores dos anos finais são profissionais que, na realidade, são de licenciatura, de disciplinas especificas, eles não foram preparados para alfabetizar.”
Tiago Bartholo participou de estudos que medem esses efeitos do ensino remoto nas crianças. Foram comparados quatro grupos, que fizeram a transição da educação infantil para o fundamental em 2019, 2020, 2021 e 2022. Ou seja, havia crianças que tiveram menor frequência presencial na pré-escola (ficaram em casa por causa da quarentena) e também alunos que frequentaram esta etapa de ensino normalmente (antes da pandemia). A diferença de desenvolvimento, especialmente o cognitivo, é de aproximadamente um ano, conforme os resultados da pesquisa.
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Desigualdades sociais devem consideradas
Segundo o professor da UFRJ, programas de reforço e tutorias em pequenos grupos, aliados com outras políticas de melhoraria estrutural, como a criação de turno integral, são capazes de reverter essas consequências negativas. Isso vale, sobretudo, para crianças em situação de mais vulnerabilidade social.
“A temática das desigualdades educacionais já era presente e foi ampliada de forma importante. A gente tem batido nessa tecla de que os programas de recomposição de aprendizagem devem olhar para essa dimensão”, alerta Bartholo. “Com políticas assertivas que foquem nesses grupos, seríamos capazes de mitigar esses efeitos em 12, 24, 36 ou até 48 meses”, afirma ele.
As vulnerabilidades ficam ainda ainda mais evidente quando é levada em conta a questão racial. “Pretos e pardos têm desempenho inferior, independentemente de nível socioeconômico”, ressaltou Kátia, secretária do MEC.
Segundo ela, as políticas públicas promovidas pelo MEC para recompor a aprendizagem no País envolvem a ampliação da jornada (do tempo de permanência dos alunos na escola). A estratégia para essa mudança foi lançada na sexta-feira, 12, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Também haverá o Compromisso Nacional pela Alfabetização, que deve ser lançado pela pasta em breve. Segundo a secretária, esse segundo programa tem um “braço forte” em impulsionar a alfabetização na idade certa. Essa aprendizagem na faixa etária adequada, diz Kátia, “é importante para a garantia de uma vida acadêmica promissora”.
Na perspectiva de considerar as particularidades de cada realidade, Kátia ressalta que, dentro do Compromisso Nacional pela Alfabetização, haverá estratégias específicas para quilombolas e indígenas. “Precisamos de uma estrutura curricular que incorpore a potência e suas culturas, porque o aprendizado está conectado com o modo se ser desses grupos sociais.”
As particularidades que precisam ser levadas em conta se encontram até dentro de uma mesma sala de aula, destaca Amâncio. “Um fator que cresceu muito são desigualdades dentro das escolas, dentro das turmas. Os estudantes tiveram níveis de acompanhamento diferentes”, diz. “As estratégias de recomposição de aprendizagem têm de ter uma visão de rede, mas o grande desafio é adaptar para dentro da escola, entendendo a necessidade de cada escola e de cada turma”, afirma.
A violência nas escolas
A crescente violência no ambiente escolar - em abril, foram dois ataques em colégios de ensino básico - e os caminhos para combatê-la também foram abordados pelos especialistas. Segundo Telma Vinha, as políticas públicas destinadas ao combate deste problema pecam em focar no efeito, e não nas causas.
“Segurança não muda ódio, não muda racismo, não muda misoginias”, argumenta. “Você não foca na violência, foca na construção de um ambiente com um clima mais positivo, com convivência ética, democrática, de tal maneira que você vai promover um ambiente em que vou desenvolvendo essas competências e habilidades, as transformações da minhas concepções, na vivência escolar”, complementa.
A visão é compartilhada com a secretária da Educação Básica no Ministério da Educação. Em abril, o governo federal lançou pacote de R$ 3 bilhões para ações de proteção nas escolas, que incluiu medidas como instaurar um grupo de trabalho focado no tema, elaboração de recomendações de segurança no ambiente escolar, programa de formação para implementar recomendações com membros da comunidade escolar
“É claro que o cidadão às vezes quer ter a sensação de segurança. Quer guarda armado, um monte de câmera, algo mais relacionado à disciplina, segregar alunos com determinado tipo de comportamento. Mas isso é apenas uma ilusão de solução”, disse a secretária.
Segundo Telma, esses ataques têm características próprias, as quais precisam ser consideradas na formação de políticas públicas. “São meninos, brancos, jovens, estudantes ou ex-estudantes. Eles tem interação em comunidade online, mas principalmente são análogos a crimes de ódio, e além disso têm um significado negativo da escola. Foram vítimas de bullying, foram excluídos, humilhados.”
A professora da Unicamp também chama a atenção para a implementação de políticas nas escolas, criando ações que não sejam “pacotes prontos”, mas políticas que “atinjam o chão” da escola. “Os cursos dão formação para a prática, mas é na prática que você tem de estar junto deles para superarem essas dificuldades que têm no processo”, alertou. “Quando falamos em política pública, é uma que consiga transformar a cultura escolar com sustentabilidade.”
Programação
15/5 – 10h: Educação no Brasil hoje e recomposição da aprendizagem
16/5 – 10h: Ensino integral e professores
18/5 – 10h: Educação infantil e alfabetização
23/5 – 10h: Ensino médio
25/5 – 10h: Ensino fundamental 2 e tecnologia
29/5 – das 10h às 12h: Fórum Reconstrução da Educação
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Reconstrução da Educação é uma realização do Estadão, em parceria com a Fundação Itaú, Fundação Lemann, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Fundação Vivo Telefônica, Instituto Natura e Instituto Península. E tem o apoio do Consed, da Undime e do Todos Pela Educação
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