Após o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), chegar a um acordo com o deputado Mendonça Filho (União Brasil - PE) sobre o texto da reforma do ensino médio, o projeto de lei foi votado pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, 20.
A carga horária de formação básica (as disciplinas obrigatórias) da etapa ficará em 2,4 mil horas para o ensino regular, como queria o Ministério da Educação (MEC). Já nos casos do ensino técnico, essa formação básica poderá ser menor, com um mínimo de 1,8 mil horas, como defendia o deputado. A negociação entre os dois envolveu momentos tensos, até com episódios de socos na mesa.
Essa proposta de estrutura curricular libera mais espaço para as aulas da educação técnica ou profissional. Mais de 65% dos cursos técnicos têm hoje 1,2 mil horas, segundo exigências do próprio ministério, como aqueles nas áreas de saúde, infraestrutura e produção industrial.
Quando a parte técnica exigir menos horas, a formação básica pode ser maior. Desde o fim do ano passado, Mendonça discutia com o governo a possibilidade de reduzir a carga horária para formação básica apresentada pelo MEC. O deputado foi ministro da Educação na gestão Michel Temer (MDB), quando a reforma do ensino médio foi aprovada.
No Ministério da Educação, a avaliação é de que o texto foi o “acordo possível”, já que era urgente resolver o impasse. A discussão da reforma é um dos testes de fogo para Camilo, que teve de equilibrar interesses da base do governo, secretários e ativistas da educação. No ano passado, as discussões a respeito da reforma do ensino médio renderam desgastes para o governo até mesmo entre a militância.
Gestores, especialistas e parlamentares elogiam a aproximação do consenso diante da urgência em se definir o desenho curricular da etapa e preparar o próximo ano letivo. Parte da base do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém, se mostra frustrada com partes do texto.
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Roni Miranda, secretário da Educação do Paraná, elogiou o fato de a pasta federal ter cedido na negociação. “Foi um passo grande para a melhoria da qualidade de ensino e, principalmente, um ensino médio mais atrativo aos adolescentes”, avalia ele, que integra a gestão Ratinho Junior (PSD).
A especialista em educação Claudia Costin vê o acordo como positivo. “Baixar para 1,8 mil horas de formação geral (no ensino técnico) vai ao encontro do que outros países fazem”, diz ela, que preside o Instituto Singularidades, voltado à formação docente, e já foi diretora de Educação do Banco Mundial.
Nações desenvolvidas, que têm os melhores resultados em avaliações internacionais de educação, investem fortemente para que os alunos cursem o ensino profissional junto com o médio. No Brasil, só 10% dos alunos cursam o técnico, quando a taxa é de 68% na Finlândia e de 49% na Alemanha.
“Eu esperava que também baixassem para os outros itinerários formativos, mas não fizeram. E acordo é acordo. Vamos ver como se detalha o ensino técnico profissional e como faz avançar de maneira mais ordenada o novo ensino médio”, acrescenta ela, ex-diretora de Educação do Banco Mundial.
Segundo ela, Estados e escolas estavam inseguros sobre como planejar o próximo ano letivo e temiam e retorno do antigo modelo de ensino médio. “Tínhamos quatro horas de aula (por dia), com treze matérias espremidas . O que, em tempos de inteligência artificial, não ensina ninguém a pensar″, diz.
Priscila Cruz, presidente executiva do Todos pela Educação, apontou “saldo muito positivo” em publicação nas redes sociais. “Importante também que a aprovação nas duas casas do legislativo ocorra em poucas semanas, para que a nova Lei, que corrige problemas da reforma vigente, possa ser implementada já no ano que vem”, escreveu.
Presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, o deputado Rafael Brito (MDB-AL) disse ao Estadão que a proposta põe fim ao limbo dos estudantes. Para ele, a “essência do ensino médio, que foi pensada no passado, continua presente no texto de uma forma melhorada”.
“Acompanhamos a angústia de 8 milhões de jovens do Brasil que cursam o ensino médio e que já sabiam que esse modelo iria mudar. A essência do Ensino Médio, que foi pensada no passado, continua presente no texto de uma forma melhorada, garantindo uma formação básica para que os alunos entrem e saiam do Ensino Médio com capacidade e condição de fazer melhores escolhas no futuro”, disse o deputado.
Um dos vice-presidentes da Comissão de Educação da Câmara, o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), manifestou preocupação com alguns pontos do texto. Membro da base do governo, ele disse que a nova proposta não resolve todas as questões da etapa.
“Importante estabelecer uma carga horária da base comum de 2,4 mil horas, mas me preocupa o Espanhol não ser obrigatório e ter permanecido o instrumento do notório saber. Nenhuma mudança sem apoio de professores prospera . Esta não é a melhor proposta mas é uma melhoria em relação à proposta inicial do relator”, afirma.
Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, apontou avanço no tamanho da carga horária da formação básica, mas também criticou pontos do PL nas redes sociais. Entre as ressalvas, ela diz que a proposta é “reducionista sobre formação profissional, em carga horária e em possibilitar voluntarismos em estágios, e itinerários frágeis, etc”.
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