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Crianças invisíveis

Turmas com alunos de várias idades não são avaliadas e sofrem com a falta de investimentos

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Foto do author Renata Cafardo

Você sabia que 1,2 milhão de alunos no Brasil estudam em salas de aula que juntam mais de uma série? Se o leitor não mora no Norte do País, onde está a maioria delas, provavelmente não sabe. Mas há cidades com mais de 60% de seus alunos nas chamadas salas multisseriadas e a invisibilidade delas levanta uma discussão importante sobre equidade na educação brasileira.

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A junção dos alunos de diversas idades em uma turma acontece por necessidade, numa tentativa louvável de garantir o direito à educação para todas as crianças e adolescentes. A maioria está em cidades da zona rural – o que no Brasil muitas vezes significa estar no meio da Floresta Amazônica.

Manicoré, no Amazonas, é um exemplo fácil de entender. Ela é grande em extensão e sua população vive de maneira espalhada por causa da mata, assim há 0,2 aluno por quilômetro quadrado (no Rio de Janeiro, são 594 alunos/km²). Não é possível, portanto, reunir uma quantidade suficiente de estudantes da mesma idade numa sala.

Um estudo sobre o tema publicado este mês mostra ainda que as escolas com salas multisseriadas estão em municípios pobres, onde os professores têm pior formação e sofrem com a falta de internet, banheiro, biblioteca e até água potável.

Estudo mostra que escolas com salas multisseriadas estão em municípios pobres Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Também são enormes os desafios para quem ensina alunos de várias faixas etárias. O docente precisa dominar diversos conteúdos, lidar com questões de aprendizagem e de desenvolvimento, que são diferentes por causa das idades. E só 40% dos professores declaram ter tido formação específica para salas multisseriadas.

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Contribui muito para a invisibilidade desses alunos o fato de as escolas multisseriadas não serem avaliadas pelo sistema nacional (Saeb) e nem ter, portanto, um índice educacional, o Ideb, concluem os pesquisadores, entre eles Guilherme Lichand, da Universidade de Zurich, e Kátia Schweickardt, da Federal do Amazonas e atual secretária da Educação Básica do Ministério da Educação.

Isso pode levar a incentivos perversos como o de um município transferir os piores alunos para salas multisseriadas para que eles não participem da avaliação nacional. A pesquisa fez cálculos para estimar o Ideb dessas turmas e concluiu que ele seria 20% menor que o registrado quando há uma série só.

Não existem incentivos no País para melhorar a aprendizagem dessas crianças, em geral pretas, pardas e indígenas. Há, sim, previsão de maior financiamento para alunos vulneráveis, que são a maioria nas salas multisseriadas, mas é difícil acreditar que gestores vão privilegiar justamente aqueles que não aparecem no Ideb.

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