Apesar de os dados divulgados nesta quinta-feira, 3, pelo Ministério da Educação (MEC) mostrarem um ensino superior brasileiro tomado pela educação a distância, o mercado já percebe que a situação começou a mudar. A avalanche de novos alunos em EAD, que vinha desde 2018, pela primeira vez não teve crescimento de dois dígitos e ficou em 6% em 2023. E pesquisas mais atuais já indicam que, em 2024, até as bets, as apostas esportivas online, fizeram os estudantes desistirem da graduação.
Análise feita com dados fornecidos pelas próprias faculdades e universidades até agosto mostram que o número de ingressantes em cursos online já está em queda este ano, algo que o Censo da Educação Superior do MEC ainda não consegue captar. Foram 10% a menos do que o registrado no mesmo mês do ano passado, segundo a consultoria Hoper Educacional, que tabulou os números de uma amostra de 240 instituições do País.
Além de estabilidade natural, no pós-pandemia, o mercado atribui às chamadas bets uma boa parte desse fraco desempenho. Pesquisa feita em setembro revelou que 35% dos jovens que querem fazer faculdade no Brasil disseram mudar de ideia porque estão endividados com as apostas online. E ainda 37% afirmaram que terão de parar de apostar se quiserem ingressar no ensino superior em 2025.
O levantamento foi feito pela Associação Brasileira de Mantenedores do Ensino Superior (Abmes), que reúne faculdades e universidades, setor preocupado há meses com o aumento da desistência de alunos que se diziam endividados.
O público das bets é justamente o de jovens, de classes mais baixas - o mesmo do ensino superior privado. A maioria declara gasto mensal médio entre R$ 100 a R$ 500 com apostas, valor semelhante ao cobrado nas mensalidades, em especial no EAD.
Entre os integrantes das classes D e E, 52% afirmaram que precisarão parar de jogar em bets se quiserem fazer faculdade no ano que vem - algo que a ciência mostra que não é tão fácil, dado o potencial viciante das apostas a um clique de celular.
A investida do MEC contra o EAD também ajudou a criar um clima de desconfiança com relação aos cursos a distância, que pode ter afastado alunos. Desde o ano passado, o governo Lula tem feito mudanças nas regras, com falas duras do próprio ministro Camilo Santana contra o modelo, chamando a atenção para a falta de qualidade e de regulação.
Em junho, o MEC suspendeu a criação de novos cursos na modalidade até março do ano que vem. E em maio, já havia homologado uma resolução determinando que cursos de licenciatura a distância passaria a ter de oferecer no mínimo 50% das aulas em formato presencial.
Junta-se a isso tudo o que especialistas chamam de fim de estoque de alunos. A EAD tradicionalmente é procurada por estudantes mais velhos, que não tiveram a chance de cursar a graduação e precisam trabalhar durante o curso. Essa idade média, que já foi de 28 anos, vinha caindo e agora se igualou ao dos alunos dos cursos presenciais, em 19 anos.
O setor já órfão do Fies - o sistema federal de financiamento estudantil que foi uma grande alavanca para ensino superior privado a partir de 2010 - vê a sua âncora soltar da areia. Hoje, o programa acolhe só 5% do alunado.
Com crescimento de 700% no número de cursos nos últimos dez anos, o EAD é o que vinha segurando o mercado do ensino superior privado em pé. A despeito das críticas muitas vezes legítimas, o setor é o que dá oportunidade para os jovens pobres, pretos, de periferia. Resta saber como o governo vai equilibrar essa balança.
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