Mesmo em dia de centenário de Paulo Freire, fica difícil ‘esperançar’, como dizia o educador. Relatórios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgados na semana passada mostram que o País deixou as escolas fechadas por mais tempo, não aumentou seus investimentos em educação durante a pandemia como outras nações e ainda tem o pior piso salarial do professor. Somam-se a essas novas constatações outros alertas dados o ano todo sobre prejuízos de aprendizagem das crianças brasileiras que nos farão andar décadas para trás. Sobre os milhões de estudantes que não tiveram nenhuma atividade escolar, online ou presencial, durante a pandemia. Sobre as meninas e os meninos que desistiram da escola, mesmo remota, para trabalhar.
Mas o insensível ministro da educação e pastor Milton Ribeiro não está preocupado que o Banco Mundial diga que o desenvolvimento econômico do Brasil será muito prejudicado por causa da situação atual. Ao contrário, enfureceu-se semana passada por ter “jogado no lixo” o dinheiro que colocou no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para pagar isenções de estudantes carentes que acabaram faltando à prova por causa da covid, em janeiro. Negou-se a dar gratuidade novamente a eles, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou que o fizesse. Ribeiro então achou por bem humilhar mais um pouco os já humilhados jovens que nem sequer podem pagar R$ 85 para fazer o Enem. Enquanto isso, durante a pandemia, países como Portugal e França contrataram milhares de professores para ajudar no enfrentamento da covid nas escolas, tanto para substituir os afastados como para dividir turmas. Aqui, o Ministério da Educação de Jair Bolsonaro parece que não tem nada a ver com o professorado. Só aparece para criticar quando acredita que, por não jogarem pedras em Paulo Freire, estão todos querendo manipular a cabecinha de seus alunos para a esquerda. O relatório da OCDE mostrou que o Brasil paga um piso salarial equivalente a US $ 13 mil anuais, enquanto na Alemanha são US $ 70 mil. Chile e Colombia também tem melhores salários: US $ 20 mil anuais. A pandemia ainda exigiu desafiadoras aptidões dos trabalhadores mais mal pagos entre os 40 países estudados. Tiveram de aprender a ensinar pelo celular. E com os pais ao lado, alguns reclamando da aula, metendo o bedelho, dizendo que a prova está difícil. A maior crise educacional recente não foi suficiente pra que o governo brasileiro acreditasse que era preciso investir mais na área. Houve cortes nas universidades federais, que já tinham seus orçamentos reduzidos e trabalharam em pesquisas sobre covid. Com muito atraso, o MEC apresentou apenas parcos programas de ajuda às escolas públicas no período. Segundo a OCDE, dois terços das nações aumentaram seus investimentos em educação durante a pandemia. Por aqui, preferimos deixar as escolas fechadas por 178 dias – outro recorde mundial – e torcer para que tudo voltasse ao seu rumo quando a tempestade passasse. Em setembro de 2021, ainda há cidades que não abriram um só dia sua educação desde março de 2019. Está óbvio que países que já tinham a educação de pior qualidade, não só vão aumentar essa desigualdade como também a distância que estavam das nações desenvolvidas. No Pisa, o exame internacional feito pela OCDE, os estudantes brasileiros já não chegavam nem perto do desempenho da média dos colegas de outros países. “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” Paulo Freire, 100 anos.
É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTAS DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)
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