Se você está preocupado que não ofereceu nada “educativo” ao seu filho ou sua filha nas férias - e elas já estão acabando - não se desespere. No começo de julho, as famílias são inundadas de ofertas de cursos, que vão de costura a robótica, e todos os tipos de esportes. Mas nem sempre há organização ou dinheiro pra isso tudo. Os dias vão passando e a criança vai ficando, ora na casa dos avós, ora com amigos em casa, ora à toa. Problema algum, dizem as pesquisas.
Você deve estar apreensivo, sim, se essa criança ficou o dia todo no celular, nas redes sociais. A ciência tem mostrado nos últimos anos como o uso excessivo de tecnologias na infância e adolescência pode causar dependência, exposição a conteúdos inapropriados, atrapalhar relações interpessoais e ainda contribuir para ansiedade, depressão, aumento de peso e alterações no sono.
Mas se a criança conseguiu usar o tempo sem aulas com brincadeiras livres, esportes não orientados por adultos e até momentos de tédio, as férias estão ajudando muito no seu desenvolvimento e na sua saúde mental.
Muitos estudos já têm mostrado que fazer atividades de maneira independente ajuda as crianças a melhorarem a sensação de controle das suas próprias vidas e de que são capazes de resolver problemas quando eles aparecem. Nas brincadeiras livres, sem adultos para ajudar ou interferir, são elas que comandam, que decidem, que entram e saem dos conflitos, das histórias, dos desafios.
Como enfatiza o pesquisador americano Peter Gray no artigo Decline in Independent Activity as a Cause of Decline in Children’s Mental Well-being, publicado no The Journal of Pediatrics, esses momentos contribuem para o bem estar da criança - e do adulto que ela vai se tornar.
Ele e colegas que assinam o trabalho mostram evidências de que deixar de brincar livremente leva a uma maior propensão para ansiedade e depressão, por exemplo.
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Se as crianças têm poucas experiências em que decidem sobre o que querem brincar ou jogar, pouco também vão desenvolver a capacidade de enfrentar desafios e de se sair bem quando eles surgirem.
Vem daí os muitos alertas de especialistas sobre os problemas das agendas infantis cheias, com muitas atividades extracurriculares programadas, inclusive no período de férias. E ainda as recomendações, para surpresa de muitos pais, de uma infância com alguns riscos compatíveis com a idade, como subir em árvores ou brinquedos altos ou se aventurar na natureza.
A pressão e o pouco estímulo à autonomia - que muitas vezes vem adicionado a uma paternidade superprotetora nas últimas décadas - estão levando a gerações de ansiosos e deprimidos. Pesquisas ainda mostram que quem teve uma infância mais livre e aventureira se torna um adulto com mais sucesso social, maior autoestima e melhor saúde psicológica e física em comparação com aqueles que relatam menos dessas brincadeiras.
Portanto, férias livres são também férias saudáveis e educativas. Mas dar autonomia não é o mesmo que abandonar ou não zelar pela segurança e proteção das crianças. Apesar do gigante papel do professor e da máxima importância dos olhos atentos dos pais e mães responsáveis por elas - nada disso em questionamento aqui -, o desafio das famílias é tentar manter uma infância mais independente também na volta às aulas.
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