Quando meu filho mais velho tinha 4 anos, li para ele o livro Malala, A menina que queria ir para a escola, de Adriana Carranca. Logo no começo, ele me questionou por que Malala não podia estudar. Expliquei que, onde ela morava, no Paquistão, naquele momento havia pessoas que consideravam meninas piores do que meninos. “Mãe, não existe esse tal Paquistão, né?”, rebateu, incrédulo.
Na semana passada, fomos assistir à emocionante adaptação teatral do mesmo livro, em cartaz em São Paulo até o fim do mês. Agora, foi minha filha menor, de 3 anos, que não acreditou no que viu. Me questionou antes, durante e depois do espetáculo sobre as razões que fizeram Malala ser impedida de ir à escola.
Orgulho-me da dificuldade que eles têm para entender injustiças e preconceitos. Mas as indagações das crianças me fizeram pensar também em como o País mudou nos últimos anos na área da educação. Aqui também não havia escola para todo mundo, obviamente não pelos mesmos motivos.
Muita gente ainda diz que a escola pública era muito melhor no passado, por mais que se repita que a educação era boa porque era para poucos. Na década de 1940, por exemplo, um terço das crianças tinha acesso às escolas. Não havia vagas ou mesmo unidades escolares. Estudar era, de fato, um sonho para muitas crianças, especialmente as mais pobres e que viviam no interior. Em alguns lugares, quem não tinha dinheiro para pagar uma instituição particular não estudava e ponto.
O movimento para tentar oferecer escolas para todas as crianças começou nos anos 1960 e 1970 e se intensificou, mesmo, nos 1990, com políticas que garantiram mais dinheiro para os Estados e municípios que tivessem mais alunos. Nos anos 2000, os gráficos também só apontam para cima. Aumentou a quantidade de crianças em creche, pré-escola e até no ensino médio, que sofre tanto com a evasão de jovens. Entre 2013 e 2017 cresceu também em 30% o número de estudantes em educação especial, ou seja, com deficiências e transtornos de desenvolvimento.
Mas, ao nos comparar internacionalmente, estamos, sim, longe do Paquistão, mas perto de Líbano, Tunísia, Kosovo. Desde o começo dos anos 2000, quando já tínhamos quase todas as crianças na escola, a qualidade da educação brasileira está entre as piores do mundo. No Pisa, exame internacional feito pela OCDE, permanecemos até a última prova, feita em 2015, atrás da Albânia, da Turquia, do Uruguai, por exemplo.
Neste mês das crianças, me angustia pensar que futuro haverá para elas. Essa geração – em sua maioria – tão consciente, tão humana, tão desprovida de preconceitos, Malalas, Gretas.
O País deu saltos quantitativos, tornou-se menos excludente na educação, mas levou todos os problemas da sociedade para dentro da escola. E muito pouco foi feito para preparar essa nova escola para receber todos.
Este ano, com novo governo, começou cheio de dúvidas na educação. Chegou ao décimo mês e os temores não cessaram.
Não há políticas para melhorar a qualidade do que se ensina nas escolas, para formar melhor professores, para dar esperança a crianças e jovens. E o Ministério da Educação (MEC) tornou-se um aliado na disputa ideológica que vem desde as eleições.
Na semana passada, foi lançado um Pronatec piorado, sem dinheiro e com menos abrangência. Há menos recursos também para bolsas, ensino integral, ciência. E o ministro Abraham Weintraub, em vez de se preocupar em melhorar a formação no ensino superior, teve a ideia de punir os alunos que se saem mal nas provas ao fim dos cursos, impedindo a formatura. Feliz Dia das Crianças.
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