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Opinião | O que a nova série ‘Adolescência’, da Netflix, nos ensina sobre lifelong learning para pais e mães

Atração da Netflix choca famílias com as graves consequências de um mundo cheio de novas palavras, símbolos e formas de interação das redes sociais; responsáveis se vêem impotentes, mas há muito que fazer para estar mais perto dos adolescentes

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Foto do author Renata Cafardo
Atualização:

A notícia de que a nova minissérie Adolescência, da Netflix, tornou-se a mais vista no mundo é um alento em tempos em que pais e mães se veem tão distantes de seus filhos recém-saídos da infância. A arte pode ajudar a reduzir o abismo causado pela falta de habilidade da sociedade adulta para entender em que planeta os adolescentes vivem. Seja emocionalmente ou digitalmente - ou os dois ao mesmo tempo.

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Sem spoilers, a série conta a história de uma família britânica afetada pela acusação de que o filho de 13 anos teria matado uma colega da escola. Seria só um bem filmado thriller de crime se elementos comuns das redes sociais, como emojis, cyberbullying e incitação ao ódio, não fossem o motivo principal.

Quem assiste - adulto, claro - se choca ao ver as consequências de um mundo cheio de novas palavras, símbolos e formas de interação. Pais e mães choram na frente da TV com aquela sensação de que a coisa pode dar muito errado e de que parecemos impotentes diante de um problema grande demais, com camadas demais.

O ator Owen Cooper que interpreta Jamie Miller em 'Adolescência' Foto: Netflix/Divulgação

Jonathan Haidt em seu livro A Geração Ansiosa, além de detalhar os efeitos nefastos para a saúde mental dos jovens por causa dos algoritmos que valorizam isolamento, expectativa por resposta positiva, linchamento público, também cita uma mãe que diz que não tem como lutar contra uma máquina que ensina sua filha a enganá-la.

Mas como qualquer luta que vale a pena, essa também tem de ser feita pelo conhecimento. Ser pai e mãe é um aprendizado como muitos outros. Claro que ninguém precisa nos ensinar a amar nossos filhos, mas há muito o que estudar sobre educar pessoas, ainda mais em tempos de transformação digital. Difícil entender por que adultos, muitas vezes profissionais tão preocupados com o tal lifelong learning em suas carreiras, param de tentar aprender depois que já sabem dar de mamar e trocar fraldas.

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Na adolescência, o cuidar é de outro jeito. É preciso ir atrás de informações - livros, reportagens, podcasts, vídeos, séries - sobre desenvolvimento dos adolescentes, mas também sobre a tecnologia que emoldura a vida deles, quer você goste ou não disso tudo. Entrar nas diversas redes sociais para entender a lógica, jogar videogame com eles, assistir aquele canal chato do YouTube, pesquisar sobre os termos e símbolos, ouvir os especialistas que já se debruçam sobre os efeitos da nova forma de se relacionar dos jovens.

Claro que não existe receita de sucesso, mas também não há chance se as famílias deixarem só por conta deles. Como já dissemos nesta coluna, o cérebro do adolescente ainda está em desenvolvimento, é vulnerável e sedento por riscos que despejam dopamina. O vínculo cultivado com muita conversa, compreensão e empatia genuínas - afinal, todos já fomos adolescentes - é essencial.

Mas a relação não é horizontal, não dá mais para dizer que checar celulares é invasão de privacidade e ainda ignorar bons aplicativos de controle parental. Eles vão odiar, reclamar, mas esse pode ser justamente o “fazer mais” que o pais da série se culpam de ter deixado passar. “Mas ele estava logo aqui no quarto. Achamos que ele estava seguro”, lamenta o pai em Adolescência.

Como bem diz a juíza Vanessa Cavalieri, que também chocou famílias recentemente no podcast Fio da Meada, contando casos de adolescentes de classe alta que cometem cada vez mais crimes pelas redes sociais, ninguém precisa fuxicar no WhatsApp do filho sobre quem beijou quem na festinha. No entanto, é preciso perder o sono à noite preocupado com o que eles estão fazendo na internet.

Mas não só pais e mães. Vivemos uma transformação grande demais nas relações humanas para ficar tudo nas costas dos responsáveis por essas crianças e adolescentes. Autoridades precisam lutar por leis que obriguem as empresas a regular contas de menores, a não alavancar discursos de ódio, pornografia, incitação à violência.

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Escolas devem discutir o efeito das redes socias, algoritmos, vício, a construção dessa masculinidade violenta que a série retrata de maneira assustadora. Não é só quem tem filhos nessa idade, todos somos responsáveis por essa adolescência, pelos desafios do presente e pelo futuro que essa geração vai construir.

Opinião por Renata Cafardo

Repórter especial do ‘Estadão’ e fundadora da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca)

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