Pesquisas internacionais e nacionais têm mostrado que talvez haja uma mudança cultural sobre como se enxerga a escola no pós-pandemia. As razões ainda estão sendo analisadas, mas o fato é que aumentou muito o número de crianças e adolescentes que faltam à escola desde que elas foram fechadas durante a crise sanitária.
Se os motivos não são claros, não há dúvida quanto às consequências. Crianças que não vão à escola não aprendem. Crianças que não vão à escola não estabelecem relações com colegas ou professores. Tudo isso leva ao aumento de problemas de comportamento, de saúde mental, a uma baixa motivação, o que, num círculo vicioso, resultaria em mais faltas e déficit de aprendizagem.
Um estudo inédito sobre o Brasil mostra que 4 em cada 10 crianças faltaram três dias seguidos na escola pública ou particular em 2023. Já o chamado absenteísmo crônico, quando as faltas passam de 10% das aulas, atinge 1 em 4 adolescentes do ensino fundamental 2 e médio (25%).
A pesquisa foi realizada com uma amostra de 144 escolas no País por profissionais coordenados pelo professor brasileiro da Universidade de Stanford, Guilherme Lichand. Eles entrevistaram crianças e professores in loco, em vários Estados, e os dados fazem parte do Equidade.info, projeto que tem coletado informações nas escolas brasileiras sobre temas que vão de alfabetização a violência.
Entre as razões mais apontadas para as faltas estão questões de saúde, falta de motivação e tarefas em casa que são responsabilidade do estudante. Apesar de o absenteísmo atingir a todos - meninos e meninas, pobres e ricos - alunos de escolas públicas têm mais chances de faltar de forma crônica do que um da rede privada, segundo a pesquisa.
O Brasil não tem dados iguais para comparar com a situação pré-pandemia. Mas a mesma pesquisa mostra que os primeiros meses de 2024 já registraram número altos também.
Nos Estados Unidos, o tema tem sido discutido por especialistas depois que pesquisas mostraram que as faltas explodiram em todos os Estados. Em 2023, 26% das crianças e adolescentes do país não frequentaram 10% das aulas. Esse índice era de 15% em média antes de 2020.
Lá, alguns psicólogos já dizem que no pós pandemia a relação com a escola se tornou quase opcional. Reportagem recente do The New York Times mostrou que pais acham normal o filho faltar por causa de uma viagem ao Havaí ou outros que não se importam quando a criança perde o ônibus escolar. Em ambos os casos, muitas vezes eles acreditam que os estudantes podem recuperar o que perderam porque as atividades são também passadas por meio da tecnologia.
O aumento das faltas também pode estar relacionado a um novo entendimento de que não se deve mandar as crianças doentes para a escola para não espalhar doenças contagiosas, o que não era comum no passado. E ainda, ao crescimento no número de estudantes com ansiedade ou depressão, depois da pandemia e pelos reflexos desse mundo sufocante de redes sociais e tecnologias.
O mais importante é que crianças e adolescentes sintam que se eles não aparecerem, alguém vai notar. Isso só se faz com uma busca ativa eficiente, com escolas que notificam e procuram as famílias para entender a razão das faltas. E garantem que esse aluno possa voltar a ser assíduo. Possa voltar a se beneficiar do convívio em sociedade que só a escola pode oferecer para uma criança, além, claro, da aprendizagem.
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