Na manhã de ontem (24), cerca de 130 alunos do 3.º ano do ensino médio do Colégio Rio Branco, de Higienópolis, um dos mais tradicionais de São Paulo, se manifestaram contra a instalação de câmeras nas salas de aula. Horas depois, 107 estudantes que participaram da manifestação receberam ligações da escola informando que estavam suspensos e não participariam das aulas de hoje (25). No total, 1,5 mil alunos estão matriculados no Rio Branco, e 170 destes cursam o 3.º ano do ensino médio. Os alunos suspensos poderão voltar às atividades do colégio a partir desta quarta-feira (26).
O protesto começou às 10h20, durante o intervalo, e se estendeu por mais de duas horas. Segundo uma aluna, que prefere não se identificar, o que mais indignou os estudantes foi o fato de a direção não tê-los avisado da instalação de câmeras em todas as salas do terceiro ano do ensino médio com antecedência e se negado a justificar os motivos. Para ela, o sentimento entre os estudantes foi o de privacidade invadida. O colégio já tinha câmeras nos laboratórios e corredores. Os novos equipamentos foram instalados em nove salas de aula, cinco da 3ª série e quatro da 1ª série do ensino médio. A diretora geral do Colégio Rio Branco, Esther Carvalho, afirmou que a instalação das câmeras visa à segurança da comunidade escolar e a medida faz parte um projeto iniciado há quatro anos. “A presença de câmeras já é uma realidade em diversas instituições, inclusive nas escolares. Estou agregando mais uma tecnologia ao nosso trabalho.”
Outro aluno, que também prefere não se identificar, disse que nem os pais, nem os professores foram comunicados da instalação das câmeras. "Elas foram colocadas no fim de semana, e segunda-feira todos foram supreendidos." Na opinião do estudante, a presença da câmera tira a autoridade do professor e inibe os alunos. "Quando você filma, você não faz o papel de educar, mas apenas controla. É um caminho mais fácil, mas não é o adequado."
A mãe de um dos alunos até cogita a possibilidade de uma resposta favorável às câmeras, mas, segundo ela, essa decisão teria que ser resultado do diálogo entre direção, professores, pais e alunos. "A escola cobra tanto a participação dos pais, deveriam ter pedido nossa opinião neste momento."
Esther confirma que não houve aviso prévio à comunidade escolar, porque a medida faz parte da ampliação do projeto de monitoramento, que prevê a instalação de câmeras em todas as salas de aula dos quatro andares da instituição. “Na próxima semana, instalaremos mais equipamentos em salas do ensino fundamental e médio.”
A suspensão dos alunos que protestaram ocorreu, segundo Esther, pelo fato de os estudantes terem se manifestado em horário de aula. “Foi a terceira vez que eles se reuniram para discutir questões do colégio em um momento em que deveriam estar em sala”, diz.
No artigo 110 do regimento escolar do colégio consta que o aluno é proibido de ocupar-se, durante a aula, de qualquer atividade que lhe seja alheia. Para os estudantes que não obedecerem à regra, o artigo 111 os submete à suspensão de até cinco dias. "Conversamos com as famílias, explicamos o posicionamento do colégio e os motivos da suspensão", afirma Esther.
Debate. O uso de câmeras nas salas não fere nenhum direito individual, na visão de especialistas que entendem não só de Direito, mas também da rotina acadêmica, como professores da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de São Paulo. Isso não quer dizer que eles concordem com a medida.
O constitucionalista Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito da FGV, diz que mecanismos de controle, sejam eles câmeras, detectores de metal ou a utilização de inspetores dentro das salas de aula, desconstroem a relação de respeito indispensável que tem de ser estabelecida entre professores e alunos. "Mesmo que o objetivo da escola seja detectar problemas no comportamento do professor ou dos alunos, o recurso retira de um a autoridade e de outro, a responsabilidade necessária com o próprio estudo.".
Segundo Vilhena, em meio a debates recentes sobre segurança em escolas americanas, pesquisas mostraram que a adoção de recursos de monitoramento não é eficaz. "A relação pedagógica só dá certo quando há uma relação de confiança mútua", afirma.
"Juridicamente, não há nada a que se opor", diz Ronaldo Macedo, professor de Teoria do Direito da FGV e da USP. "Se alguém acha que a instalação de câmeras fere a sua privacidade, não pode circular em cidades como Londres, que é cheia delas, nem em algumas empresas cujo espaço é monitorado."
Quanto à motivação da escola, Macedo também faz uma distinção. "Não vejo grandes problemas no uso de câmeras para acompanhar a dinâmica da sala, por exemplo, ou dar feedback ao professor sobre sua aula, ou ainda para identificar casos de bullying", diz.
O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Cezar Britto acredita que há uma incompatibilidade entre a instalação de câmeras e a promoção da segurança no colégios. "Não acredito que seja pedagógico colocar instrumentos de fiscalização em um ambiente de discussão, como a sala de aula. Eles inibem o debate, pois deixam os alunos com a sensação de que estão sendo vigiados", diz. / COLABOROU ALINE VIEIRA COSTA, ESPECIAL PARA O ESTADÃO.EDU
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