PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Instituições, sistemas e indicadores da educação superior, da ciência e da tecnologia no Brasil e no mundo

1924 -- Um Ano Importante para a Física Mundial e para a Física Brasileira - 100 Anos do Nascimento de Cesar Lattes

PUBLICIDADE

Por Roberto Lobo

1924 - Um Ano Importante para a Física Mundial e para a Física Brasileira 100 Anos do Nascimento de Cesar Lattes

PUBLICIDADE

Roberto Lobo* 29 de julho 2024

O ano de 2024 é simbólico para a física mundial e para a brasileira, porque em particular comemoramos: 1- 100 anos do nascimento de Cesar Lattes; 2- 100 anos da publicação dos trabalhos do físico francês Louis De Broglie sobre a Teoria Ondulatória da Matéria que deu origem à Mecânica Quântica; e 3- 60 anos da publicação do Teorema da John Bell, "On the Einstein Podolsky Rosen Paradox" ("Sobre o Paradoxo de Einstein-Rosen-Podolsky") que apresentou uma desigualdade matemática que era um teste crucial para a interpretação da Mecânica Quântica a partir de uma experiência crítica. Em 1924, Louis de Broglie publicou sua tese "Recherches sur la théorie des quanta". Paris: Masson et Cie Éditeurs, (1924) em que propunha a relação entre ondas e partículas, generalizando para partículas materiais o que se observava na radiação eletromagnética (na luz, nos raios X e em outras formas de radiação). Suas hipóteses deram origem a trabalhos posteriores de outros grandes cientistas que viriam a desenvolver e consolidar a teoria quântica. No mesmo ano, nascia no Brasil nosso mais famoso físico, Cesare Mansueto Giulio Lattes, o nosso grande Cesar Lattes, filho de imigrantes italianos, comemorado e homenageado em todo o Brasil. Lattes, em 1947, aos 23 anos, foi um dos descobridores do méson pi, anunciado no artigo "Processes involving charged mesons" publicado na revista Nature. O méson pi é importantíssimo como um "cimento nuclear", sendo o responsável pela interação e atração entre prótons e nêutrons e os mantendo unidos, o que propicia a estabilidade dos núcleos dos átomos de todos os átomos e moléculas que povoam o universo. Somente C.F. Powell, o chefe do grupo, foi agraciado com o Prêmio Nobel por essa descoberta! Quarenta anos depois, já consolidada a teoria quântica desenvolvida por muitos outros pesquisadores notáveis como Erwin Schroedinger, Niels Bohr e Werner Heisenberg, surgiu um trabalho científico que marcou época, sendo considerado como um dos mais importantes do século XX, conhecido como Teorema de Bell, cujo autor foi o irlandês John Stuart Bell que não gostava, na verdade, da interpretação da Escola de Copenhagen liderada por Niels Bohr e Heisenberg. A polêmica, na época, tinha Einstein de um lado, juntamente com Schroedinger (autor da equação de mesmo nome que até hoje é utilizada para explicar e calcular os fenômenos quânticos), discordando da interpretação de Copenhagen, que defendia que as partículas materiais se moviam descritas por ondas que só se materializavam quando eram medidas, ou interagiam com um objeto macroscópico. Einstein e Schroedinger detestavam esta interpretação, mesmo porque argumentavam que objetos macroscópicos são também regidos, em última análise, pela mecânica quântica e propuseram cada um uma experiência para mostrar o absurdo da interpretação de Copenhagen: 1- A experiência EPR - segundo a MQ, se duas partículas quânticas fossem geradas simultaneamente e se dirigissem a lados opostos, ao medir-se uma delas, imediatamente a outra reagiria segundo o resultado da experiência da primeira - instantaneamente, não importando a distância entre elas. Essa interpretação desagradava a Einstein profundamente. Ela a chamava de "spooky action at a distance" (a assustadora ação a distância.). Sendo o formulador da Teoria da Relatividade, Einstein não concebia que nenhum sinal, nem nada, pudesse ser transmitido instantaneamente. A velocidade da luz teria que ser o limite da velocidade de qualquer comunicação. Em 1955, Einstein e outros dois físicos, Podolsky e Rosen (trabalho designado por EPR) propuseram uma experiência para provar que isso não era verdadeiro, e que as partículas ao se separarem já carregavam informações prévias que induziriam seus comportamentos - é a chamada teoria das variáveis ocultas - Hidden Variables. Esta teoria agradava a Einstein e foi desenvolvida no Brasil por um físico americano, David Bohm, exilado dos EUA pela perseguição macartista. Ele veio para o Brasil e aqui ficou, na USP, de 1951 a 1955. Em 1955 foi para Israel com o apoio de Einstein.

2- O gato de Schroedinger - para mostrar a falsidade da interpretação de Copenhagen, Schroedinger ao conhecer as críticas e a sugestão do artigo EPR, propôs uma "gedankenexperiment", (experiência imaginada) que ficou muito conhecia, não valendo a pena entrar em minúcias que são descritas em muitos livros e no próprio Google. A ideia básica era a seguinte: se um gato for preso em uma caixa que possui um vidro que contém um gás venenoso, cuja abertura é realizada por uma partícula emitida por uma fonte radioativa, (o que pode ocorrer a qualquer momento), a teoria quântica, na interpretação de Bohr, afirma que existirão dois estados simultâneos para o mesmo gato: o gato vivo e o gato morto, um deles se concretizando somente quando abrirmos a caixa e observarmos se o gato vive ou não. Isso não incomodava Bohr ou Heisenberg, mas incomodava muito Einstein e Schroedinger, que escreveu a Einstein congratulando-o pelo EPR e descrevendo a experiência do gato, recebida com entusiasmo por Einstein. Em 1964, John Bell escreveu um artigo em que desenvolveu uma desigualdade matemática, chamado agora de Teorema de Bell, que seria válida se a teoria das variáveis escondidas de Bohm fosse verdadeira e inválida se a interpretação de Copenhagen fosse confirmada (a spooky action at a distance de Einstein). Bell torcia para que Einstein tivesse razão, mas a experiência pratica alinhou-se com a Escola de Copenhagen. É o chamado fenômeno do emaranhado ou "entanglement", que faz com que uma função de onda que descreve um estado quântico se espalhe no espaço e se modifique instantaneamente em toda a sua abrangência espacial. A medida feita de um elemento do emaranhado afetaria então todos os demais. Este fenômeno faz com que computadores quânticos sejam mais poderosos do que qualquer computador tradicional. Em 1982 o francês Alain Aspect e colaboradores comprovaram a violação pela Mecânica Quântica da desigualdade de Bell, o que justificou a escolha de Aspect e colaboradores para receberem o Prêmio Nobel de 2022. (A Escola de Copenhagen saiu vitoriosa). Deste trabalho se depreende que não se pode tentar entender com nossos conceitos obtidos a partir da experiência cotidiana de um mundo macroscópico, o comportamento último da Natureza, ao que Einstein retrucava: "Deus não joga dados com a Natureza", ou "Deus é sutil, mas não é malicioso". Como se Einstein quisesse dizer que "A natureza não foi feita como um truque para enganar o homem". O próprio Einstein confessou que ele deixou de acreditar no positivismo (que defende que só existe o que é observável) para adotar o realismo (existe uma realidade mesmo que não seja observável). Em suas próprias palavras: "A física é uma tentativa de captar a realidade como se pensa que ela é, independentemente de ser observada ou não. Nesse sentido fala-se de realidade física". Ainda há quem não goste da interpretação da Escola de Copenhagen (como o físico-matemático e filósofo inglês Roger Penrose) e várias teorias alternativas vem sendo desenvolvidas desde então, tentando se aproximar mais do que compreendemos a partir de nossos sentidos e nossa intuição. Niels Bohr, um dos pais da mecânica quântica, cuja interpretação passou a ser conhecida como a interpretação de Copenhagen (ele era dinamarquês) escreveu: "O postulado quântico implica em que qualquer observação de fenômenos atômicos envolverá uma interação com o agente da observação que não deve ser desprezada. Assim, uma realidade independente no sentido físico ordinário não pode ser atribuída nem aos fenômenos, nem aos agentes da observação. Afinal, o conceito de observação é arbitrário à medida que depende de quais objetos são incluídos no sistema a ser observado." Há um fato histórico que liga todos esses personagens do qual participei diretamente: "Em 1980, Cesar Lattes, que era do conselho diretor do CBPF, Centro Brasileiro de Pesquisas, ligado ao CNPq, que eu dirigia na ocasião, telefonou-me para dizer que queria dar um seminário no CBPF para anunciar que tinha demonstrado que a Teoria da Relatividade Restrita de Einstein estava errada e que ele queria apresentar o trabalho no CBPF, na qualidade de um de seus fundadores. Estranhei um pouco o telefonema, mas não podia negar isso ao Lattes. Além de grande cientista, Cesar Lattes era um excelente conselheiro no CBPF, inteligente e justo. Concordei, marquei e lá estavam os pesquisadores do CBPF, alguns ilustres cientistas reintegrados ao CBPF e a imprensa. Lattes apresentou dados e cálculos, diante do nítido ceticismo de alguns dos presentes. Ao final da palestra, muito anunciada na imprensa pelo próprio Lattes, jornalistas vieram me procurar para saber minha opinião, se era verdade que a teoria da relatividade estava errada. Cuidadosamente, respondi que a teoria tinha muitas experiências comprobatórias e que seria preciso repetir várias vezes as experiências propostas e os cálculos para termos certeza da pertinência das críticas feitas. Que eu saiba, essas teses de Lattes nunca se confirmaram. Nosso Cesar Lattes não gostava de Einstein. Em 1980 concedeu uma entrevista em que afirmava que a relatividade restrita estava errada, e considerava Einstein - o físico criador da teoria da relatividade geral e da teoria da relatividade restrita - um plagiador, vaidoso e oportunista. No entanto, a relatividade restrita, tanto quanto a relatividade geral foram grandes conquistas da ciência e se mantém como teorias científicas corretas, ainda que possam no futuro ser aperfeiçoadas como, aliás, qualquer teoria científica. Com sua genialidade, Cesar Lattes não era um exemplo de comedimento!"

Algumas referências onde se pode encontrar uma bibliografia mais completa: - Aspect, Alain; Grangier, Philippe; Roger, Gérard (1982-07-12). "Experimental Realization of Einstein-Podolsky-Rosen-Bohm Gedankenexperiment : A New Violation of Bell's Inequalities". Physical Review Letters. 49 (2). - Walter Isaacson, "Einstein, Sua vida, Seu Universo", Companhia das Letras, 2007 - N. Bohr "The Quantum Postulate and the Recent Development of Atomic Theory", Nature 121 (1928).

Publicidade

*Roberto Lobo é PhD em física pela Purdue University, foi reitor da USP e é presidente do Instituto Lobo

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.