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As Universidades e os Campos de Futebol

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Por roberto-lobo

As Universidades e os Campos de Futebol¹

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Roberto Lobo* 23 de fevereiro de 2025

O recente debate que tem voltado as atenções para o tipo de piso mais conveniente para a prática do futebol (profissional ou amador avançado) abriu um espaço interessante para importantes contribuições científicas que possam esclarecer e ajudar a apontar as melhores ou mais adequadas soluções, nos diferentes contextos de times e países. É claro que o debate e as opções não serão definidos somente pelo aspecto científico - devem ser levados em conta outros fatores, como: custo de instalação e manutenção do piso, possibilidade de utilização fora da temporada (e mesmo durante ela) para outras atividades. A revista TURF & REC publicou um artigo sobre o tema que está em debate em todo o mundo que se inicia com a seguinte observação: "No campo da construção e manutenção de campos esportivos, um debate persiste há décadas: grama natural ou grama sintética? Cada opção vem com seu próprio conjunto de vantagens e desvantagens, tornando a decisão complexa para equipes esportivas, gerentes de instalações e partes interessadas. A próxima Copa do Mundo da FIFA de 2026 destacou esse debate e determinou que os jogos sejam disputados em superfícies de grama natural (ou híbrida). Isso está forçando oito dos 16 estádios da América do Norte a passarem por extensas reformas. Muitos dos estádios reformados só poderão manter a grama natural temporariamente e serão forçados a voltar para grama sintética após a Copa do Mundo. Ao fazer a escolha entre campos de jogo de grama real e sintética, precisamos pesar os prós e os contras de ambas as opções." E conclui o artigo de forma aberta sem uma conclusão única, mas apresentando opções que dependerão das circunstâncias, inclusive financeiras de clubes e federações: "A decisão entre grama natural e sintética para campos esportivos não é uma situação única para todos. Cada opção oferece seu próprio conjunto exclusivo de vantagens e desvantagens, que devem ser cuidadosamente consideradas no contexto de requisitos e restrições específicos. Embora a grama real possa ser preferida por alguns atletas e ofereça benefícios ambientais, a grama sintética oferece durabilidade, utilização em todos os climas e maior potencial de uso. Em última análise, a escolha entre grama real e sintética deve ser baseada em uma avaliação abrangente para encontrar um equilíbrio entre orçamento, recursos de manutenção, horas de jogo, considerações ambientais e preocupações com a segurança do jogador." Já o Chatgpt apresenta assim os prós e os contras de cada opção: "O melhor campo para a prática do futebol (soccer) depende de vários fatores, como o nível do jogo, a frequência de uso e as condições climáticas. Aqui estão algumas opções e suas vantagens: 1. Relva Natural o Melhor para jogadores profissionais e amadores que preferem um jogo mais autêntico. o Absorve impactos, reduzindo o risco de lesões. o Pode ser afetado pelo clima (chuva torna o campo lamacento). 2. Relva Sintética o Boa para jogos frequentes, pois não exige muita manutenção. o Pode ser jogado em qualquer clima. o Superfície mais dura, aumentando o risco de lesões." Nos EUA, os campos de futebol americano mais famosos são de grama sintética. No entanto, o futebol americano é muito mais aéreo do que nosso soccer e a neve em muitos estados americanos encharcaria os campos de grama natural. Na Europa, Inglaterra e Holanda proíbem a gramado sintético. No Brasil os clubes que instalaram o piso sintético, e a maioria de seus craques, o defendem, ao contrário dos jogadores que atuam em clubes com estádios de grama natural. Não se chega a grandes conclusões daí. Grandes clubes brasileiros como Palmeiras, Botafogo, Atlético-PR e Atlético-MG já instalaram este tipo de piso sintético. O do campo da Arena do Corinthians é híbrido. Alguns jogadores importantes no Brasil escreveram um documento crítico do gramado sintético. "Preocupante ver o rumo que o futebol brasileiro está tomando. É um absurdo a gente ter que discutir gramado sintético em nossos campos. Objetivamente, com tamanho e representatividade que tem o nosso futebol, isso não deveria nem ser uma opção. A solução para um gramado ruim é fazer um gramado bom, simples assim. Nas ligas mais respeitadas do mundo os jogadores são ouvidos e investimentos são feitos para assegurar a qualidade do gramado nos estádios. Trata-se de oferecer qualidade para quem joga e assiste. Se o Brasil deseja definitivamente estar inserido como protagonista no mercado do futebol mundial, a primeira medida deveria ser exigir qualidade do piso que os atletas jogam e treinam. Futebol profissional não se joga em gramado sintético!" Entretanto, a grande questão de facilidade de lesões de jogadores em campos sintéticos é questionada em vários estudos científicos em revistas muito respeitadas. A revista Lancet, em 2023, publicou um artigo sobre o tema dos gramados artificiais no futebol baseado em forte estatística, e conclui: "Valor acrescentado deste estudo: Esta é a primeira revisão sistemática que também produziu uma síntese estatística conjunta sobre a incidência de lesões no futebol em grama artificial em comparação com grama e outras superfícies de jogo e, de longe, os maiores subgrupos de relatórios de pesquisa e todos os tipos de lesões. A incidência geral foi 14% (7% -21%) menor na grama artificial do que na grama. Homens e mulheres tiveram menores incidências de lesões em grama artificial. Não encontramos nenhuma evidência de qualquer subgrupo e análise de categoria de lesão que mostrasse aumento da incidência de lesões em grama artificial. Além disso, as lesões na parte inferior do corpo (pelve/coxa e joelhos) tiveram menor incidência na grama artificial. Implicações de todas as evidências disponíveis: Com base nesses resultados, a grama artificial parece ser uma superfície segura para o futebol, pois a incidência geral de lesões é baixa. Mais estudos, especialmente em amadores, mulheres e jovens atletas, são necessários para se ter melhores estimativas nesses grupos sobre a incidência de lesões. Essas descobertas podem ser utilizadas por médicos esportivos no trabalho diário, mas também por formuladores de políticas que decidem sobre reformas e projetos de campos de futebol e associações de futebol ao discutir superfícies de jogo ideais."

Nota do Atlético-MG sobre o tema reforça a necessidade de um amplo estudo no Brasil sobre o tema tendo em vista as variações climáticas no Brasil e a desigualdade regional: "Referente às publicações realizadas por alguns atletas a respeito da utilização de gramados artificiais no Brasil, o Atlético informa que: O Clube respeita a opinião desses atletas, porém ressalta que não há estudos científicos que comprovem aumento do risco de lesões em gramados artificiais. O gramado sintético que está sendo implementado na Arena MRV é o Quality Pro Stadium, que possui autenticação da FIFA Quality Pro, a mais alta certificação mundial para gramados sintéticos de futebol. O Atlético reforça a necessidade de um amplo debate sobre a qualidade dos gramados no Brasil, sejam eles naturais ou sintéticos, para que o produto futebol seja cada vez mais valorizado."

Mas a solução "A solução para um gramado ruim é fazer um gramado bom, simples assim." - tem seu custo - e custo elevado - Manutenção, um limite máximo de utilização anual. Pode ser exigido de todos os clubes de futebol das ligas brasileiras? Porque se a solução fosse garantir que todos os gramados de grama real fossem de primeira qualidade e assim se mantivessem durante todo o ano em todos os estádios brasileiros estaríamos fazendo uma troca desnecessária, mas quantos estádios no Brasil há gramado natural de qualidade, ainda mais com a quantidade de jogos e eventos que temos? Isso sem falar nos pequenos times...Quem acompanha de fato o futebol lembra facilmente de grandes campos que parecem várzeas barrentas... A CBF promete iniciar um estudo profundo para respaldar futuras decisões. É possível que a solução encontrada não seja única, dependendo da região do país a da capacidade de investimento local. Talvez fosse a hora das escolas de educação física, escolas médicas e escolas de economia das universidades paulistas se juntassem também a esse debate, agregando valor na elaboração de um amplo projeto para estudar o tema que é uma paixão nacional e participar de discussões que poderão trazer bons recursos, pesquisa de grande visibilidade e uma participação efetiva na vida de milhões de brasileiros. Por parecer um assunto singelo, isso pode levar ao erro de se dar menor importância a certas pesquisas, mas as universidades colaboram em muitos campos ligados ao esporte e esse poderia ser (se já não for), mais uma oportunidade para que nossas universidades, no caso imagino as paulistas, possam participar cientificamente de um problema que mobiliza discussões no esporte mais popular do mundo - o futebol

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*Roberto Lobo é PhD em física pela Purdue University, foi reitor da USP e é presidente do Instituto Lobo

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