Uma avó conversou comigo e trouxe duas questões que considero importantes para pensarmos. Ela tem três netos de seus dois filhos e reclamou da reação destes e das mães das crianças quando ela opina a respeito da maneira como eles se relacionam com as crianças. Disse também estar preocupada com dois dos meninos porque acha que eles não são capazes de parar, a não ser quando estão em frente a alguma tela. Pensa em orientar os filhos a procurarem um médico pois acha que eles podem ter alguma síndrome que merece ser tratada. Será?
Sim, nossas crianças andam bem agitadas: correm, gritam, mostram dificuldades em focar a atenção na lição de casa, por exemplo, e na escola também mostram muita dispersão durante as aulas. Quando precisam realizar uma tarefa em casa se distraem e acabam esquecendo de fazer o que precisavam.
Primeiramente vamos reconhecer que crianças aprendem muito com exemplos, correto? E não apenas os de casa, mas da sociedade em que vivem: elas estão sempre de olhos bem abertos observando tudo que e como acontece ao seu redor. E não vivemos sempre na correria atualmente? Quando estão com os pais, em casa ou em alguma programação, percebem que eles fazem várias coisas ao mesmo tempo: olham o celular, atendem a chamadas, chamam a atenção do filho etc.
Entramos num esquema de aproveitar cada segundo do dia de modo produtivo, não é? E por que achamos que com as crianças seria diferente? Estimulamos bebês, apressamos a fala, a retirada das fraldas, não vemos a hora em que eles deem os primeiros passos, aprendam a andar de bicicleta, a escrever seu próprio nome e assim por diante. Depois, queremos que elas fiquem quietas?
Então, surge uma questão delicada: uma característica que é de nossa sociedade acaba se transformando em um problema médico pessoal de muitas crianças. Vamos com calma. Temos muitas crianças com diagnóstico de TDAH realizado de modo impreciso. Não é simples chegar a tal diagnóstico!
Claro que há crianças muito mais agitadas do que outras; algumas delas são bem difíceis e podem precisar de atendimento profissional, mas não necessariamente de medicação. E sempre é importante lembrar que elas se comportam dessa maneira porque, por algum motivo, estão mais sujeitas a seguirem no ritmo que tem sido imposto à sociedade e não porque têm alguma doença, transtorno etc.
E como andam as relações dos adultos da família estendida quando o tema são os mais novos? Para pensar tal questão precisamos considerar algumas características de nosso tempo.
Já não levamos muito a sério a experiência dos mais velhos na educação das crianças e jovens. É que na internet há centenas de profissionais que orientam, dão conselhos, analisam e interpretam quase tudo a respeito do desenvolvimento, da saúde física, mental e social, do comportamento etc. dos mais novos que são considerados muito mais credenciados do que avós, por exemplo. A possibilidade de encontrar informações melhores combinada com outros valores de nosso tempo nos levou a dispensar a opinião dos avós, por exemplo.
Já houve um tempo em que todos os adultos da família estendida eram responsáveis pelas crianças e eram respeitados quando exerciam esse papel. Após tantas mudanças sociais, hoje são apenas os pais que merecem ocupar esse lugar. Por isso eles carregam tantas responsabilidades sozinhos, o que acarreta muita culpa também. Que tal dividir um pouco essa função?
Gostamos muito do provérbio africano “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”, não é verdade? Só falta praticarmos o que ele afirma!
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