BRASÍLIA - Em sessão considerada histórica, o Senado aprovou, por 79 votos favoráveis e nenhum contrário, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Novo Fundeb em dois turnos. Não houve alterações no texto aprovado anteriormente. Esse é o principal mecanismo de financiamento da educação básica pública no Brasil. Especialistas dizem que o fundo tem ainda mais relevância no cenário da pandemia, que exigirá maior esforço para garantir acesso, permanência na escola, além de qualidade de ensino.
A discussão do tema no Congresso, iniciada ainda em 2015, foi marcada por fortes críticas ao modo como o Ministério da Educação (MEC) negligenciou a renovação do fundo na gestão Jair Bolsonaro. A Emenda será promulgada pelo Congresso em uma sessão solene nesta quarta-feira, 26, às 11 horas.
Criado em 2007, o Fundeb era um mecanismo temporário. Agora será permanente e vai aumentar o volume de recursos repassados pela União a Estados e municípios para pagar professores e outras despesas. A PEC aumenta complementação da União na cesta do Fundeb dos atuais 10% do montante para 23%, em seis anos. Válido a partir de 2021, o fundo ajudará a mitigar a desigualdade no financiamento, por permitir que municípios mais pobres recebam mais recursos. Agora, a previsão é que mais 17 milhões de estudantes sejam beneficiados. No modelo atual, municípios pobres em Estados ricos saem prejudicados.
Houve só uma mudança na proposta na votação de ontem. O relator, Flávio Arns (Rede-PR), retirou um dispositivo do texto que previa repasse de recursos para escolas privadas. Segundo ele, a Constituição já autoriza essa transferência para instituições comunitárias e filantrópicas e o trecho da PEC limitaria o pagamento a essas entidades. O ajuste não demanda a devolução do texto à Câmara para reanálise.
Havia, também, um destaque relevante para que Estados e municípios pudessem usar o Fundeb para pagar professores aposentados. O PSD, porém, pressionado por entidades e sindicatos, retirou a sugestão. Nos bastidores, senadores dizem que o Congresso deve buscar alternativa com vistas aos inativos, uma despesa significativa a governos locais. Em Estados com apuros financeiros, o veto ao fundo para a finalidade preocupa.
A Constituição obriga Estados e municípios a aplicarem 25% da arrecadação em Educação. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem barrado incluir a despesa previdenciária no cálculo. Arns diz que uma alternativa deve ser dada, mas com fonte que não seja vinculada à Educação, e por outra proposta.
Fundeb envolve montante de R$ 173,7 bilhões em 2020
Em 2020, o Fundeb envolve R$ 173,7 bilhões que financia a maior parte dos salários de professores e outras despesas de Estados e municípios com a educação básica. Desse valor, R$ 15,8 bilhões correspondem à complementação da União. Com a PEC, o aporte do governo federal deve subir para R$ 17,5 bilhões em 2021 e chegar a R$ 39,3 bilhões em 2026, de acordo com cálculos da Consultoria de Orçamento da Câmara. Estima-se que o investimento mínimo por aluno, por ano, aumente cerca de 50% até 2026, de R$ 3,6 mil para R$ 5,5 mil. “Isso precisa ser reconhecido pela sociedade. Foi, sim, uma conquista do parlamento”, afirmou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Antes, o governo Bolsonaro era contra a redação do novo Fundeb e tentou incluir o programa Renda Brasil, em substituição ao Bolsa Família, no mesmo pacote, o que deixaria a despesa assistencial fora do teto de gastos. Governistas também tentaram adiar para 2022 a aplicação dos novos critérios, medida que, para especialistas, levaria o setor a um “apagão”. As investidas foram rejeitadas.
Logo após derrotas na Câmara e já tendo em vista que perderia no Senado, ainda em julho, Bolsonaro atribuiu o novo Fundeb ao seu governo. Agora, precisará ser regulamentado, iniciativa para a qual o Congresso se articula, em antecipação ao governo. A apatia do MEC é criticada desde que o texto inicial estava sendo formulado pela Câmara.
“Esse governo passou um ano e meio sem se preocupar com Fundeb e tentou pegar uma carona no final. Felizmente, isso é uma emenda constitucional e Bolsonaro não vai poder vetar”, afirmou Humberto Costa (PT-PE). As principais conversas se davam com integrantes do Ministério da Economia, o que congressistas interpretavam como desprezo do governo para com a área. Alegavam que as discussões ficavam restritas a aspectos econômicos, e não a educacionais.
“Quero, em nome do governo do presidente Jair Bolsonaro, reassumir o compromisso de que vamos cuidar da rápida regulamentação dessa PEC”, afirmou o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).
Contexto de pandemia eleva necessidade do fundo, dizem especialistas
Especialistas em Educação dizem que a aprovação da PEC do Fundeb ocorre em momento crucial, quando o País necessitará ainda mais de investimentos na área. Com a pandemia, há queda na arrecadação e aumento de demandas para adequação de escolas. O desafio agora é definir bem os parâmetros para a aplicação dos recursos em uma lei complementar, que deve ser aprovada ainda este ano. Como exemplos da necessidade de ampliação dos gastos, Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, cita recomendações de reduzir alunos por sala, adquirir equipamentos de proteção, contratar professores temporários e até demandas relacionadas ao ensino híbrido. O fundo tem o papel de reduzir as desigualdades educacionais no País, que devem se ampliar com o fechamento das escolas imposto pela pandemia. "Essa ideia de fazer uma distribuição em que se dá conta de municípios pobres, que em regra não têm nenhuma capacidade de arrecadação e que estão em Estados mais ricos, é sinal de que o Fundeb se ajustou para olhar ainda mais para o beneficiário, os estudantes. Esse é o melhor e maior avanço no desenho do Fundeb: a capacidade de ser ainda mais redistributivo e focado nas situações territoriais de maior vulnerabilidade. Poucos lugares do mundo têm algo parecido", diz Henriques. Conforme cálculos do movimento Todos pela Educação, sem o Fundeb, a diferença de investimento entre alunos brasileiros chegava a 15.000% Com o novo Fundeb, a expectativa é de que caia para 300%. “Há maior justiça de distribuição de recursos. Em um país em que temos escassez de políticas de combate à desigualdade, o Fundeb é uma das políticas mais bem formuladas”, diz Priscila Cruz, do Todos pela Educação.
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