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Só 8% das cidades brasileiras abordam questões raciais na formação dos professores, aponta pesquisa

Levantamento realizado pela União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Itaú Social revela ainda que o tema sequer é discutido em quase 20% das redes

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Foto do author Gonçalo Junior
Atualização:

7,9% das secretarias municipais de Educação do País abordam a temática étnico-racial na formação dos professores, gestores, diretores e coordenadores escolares com regularidade (pelo menos uma vez a cada 15 dias).

Os dados fazem parte da pesquisa Percepções e Desafios dos Anos Finais do Ensino Fundamental nas redes municipais de ensino, realizada pela União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Itaú Social, entre maio e junho do ano passado. Foram ouvidas 3.329 redes municipais de ensino (60% do total do País), que concentram 3,4 milhões de alunos de anos finais do ensino fundamental (6.º ao 9.º ano).

Legislação obriga o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira na educação pública e privada. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Na maioria das redes de ensino, a abordagem sobre questões étnico-raciais é ainda mais esporádica na formação para professores. Em 32,8% delas, a discussão sobre o tema acontece apenas uma vez por ano. Em 19,8%, o assunto simplesmente não foi abordado ao longo do ano.

“Embora algumas secretarias que desenvolvam ações importantes de capacitação, a média nacional ainda é baixa em uma amostra expressiva”, afirma Sonia Dias, gerente de Desenvolvimento e Soluções do Itaú Social. “A frequência, ou a falta dela, pode ajudar a entender a ênfase e o papel que esse conteúdo tem na formação do professor”.

Os três temas mais constantes nas capacitações dos profissionais de educação são: apresentações de formas lúdicas, críticas e participativas de aprendizagem dos estudantes (30,4%, duas vezes por mês); levantamento de conteúdos específicos das áreas e componentes curriculares (28,4%) e dicas sobre os usos de metodologias que promovam a aprendizagem autônoma e participativa (23,9%).

A pesquisa reforça as conclusões de outros levantamentos sobre a falta de ações para promover a educação antirracista nas escolas. No ano passado, levantamento do Instituto Alana e a organização Geledés apontou que sete em cada 10 Secretarias Municipais de Educação realizam pouca ou nenhuma ação para implementar a Lei 10.639/03.

A legislação foi promulgada há 20 anos para promover a educação antirracista nas escolas, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira na educação pública e privada brasileira.

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Os resultados da pesquisa também devem influenciar as iniciativas que estão em discussão, como o Plano Nacional de Educação (PNE). O projeto prevê 18 objetivos a serem cumpridos nas áreas de educação infantil, ensinos fundamental e médio, educação integral, profissional e tecnológica e superior até 2034. O texto traz propostas voltadas à redução das desigualdades raciais e de gênero. O projeto está em discussão na Câmara dos Deputados.

Sonia Dias se define como otimista em relação à mudança do cenário e aponta poucos, mas alguns avanços. “A política de cotas e Prouni ajudaram no aumento da presença de pessoas negras e indígenas nas universidades com impacto na presença do professor na sala de aula. O enfrentamento das desigualdades previsto no Plano Nacional de Educação, ainda que não esteja aprovado, é uma oportunidade de mudança. Além disso, os recursos do Fundeb têm um fator um ponderação vinculado à aprendizagem dos alunos negros em relação aos não negros. Com isso, os municípios recebem um recurso maior”.

Entidade promete acionar Ministério Público nos Estados

A Educafro, entidade que atua na inclusão de pessoas negras e de baixa renda nas universidades públicas e particulares, promete cobrar o Ministério Público de cada Estado em relação aos resultados da pesquisa.

“Isso é grave. Vamos cobrar os Ministérios Públicos de cada Estado mais responsabilidade na função que exerce de guardião da lei”, afirma o padre franciscano David Raimundo dos Santos, o Frei David, fundador e diretor-geral da Educafro.

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“Vamos solicitar que todos os Ministérios Públicos, em cada Estado, ofereçam o prazo de 30 dias para que as prefeituras e governos estaduais coloquem em prática a Lei 10639 (educação antirracista). Depois desse prazo, se a aplicação não for feita, vamos sugerir a abertura de processos por improbidade administrativa. A lei é de 2003. Até hoje há falta de ética dos governantes em não colocá-la em prática”, diz o frei David.

O líder religioso vê relação entre a ausência da temática na formação dos professores e o racismo estrutural. “Apesar do debate sobre o racismo nos últimos 10 anos, quase nada mudou. O racismo sistêmico determina as relações de poder para oprimir ou para conceder direitos”, completa.

* Este conteúdo foi produzido em parceria com a Educafro, entidade que promove a inclusão de negros e negras no ensino superior.

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