BRASÍLIA -Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a criança precisa completar 6 anos até o dia 31 de março para ser matriculada no 1.º ano do ensino fundamental no País. O marco temporal já está previsto em resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE), mas era questionado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Pais vinham conseguindo decisões judiciais em todo o País para garantir matricular os filhos fora da data de corte.
O Ministério da Educação não comentou o julgamento. Agora que a Suprema Corte deu a palavra final sobre o tema, a controvérsia deve ser pacificada, e o limite será adotado de forma uniforme pelas escolas do Brasil. Os ministros também mantiveram a resolução do CNE que estabelece a exigência de 4 anos completos até 31 de março para ingresso no primeiro ano da educação infantil. Além do processo da PGR, apresentado em 2013, a questão foi discutida em uma ação apresentada pelo governo de Mato Grosso do Sul em 2007. O Estado buscava firmar a constitucionalidade da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que define que o ingresso no ensino fundamental está limitado a crianças com 6 anos completos no início do ano letivo.
Um estudo feito sobre a judicialização da educação básica no Brasil, desenvolvido para o conselho nacional e para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), identificou que a maior parte das ações na área questionava a data de ingresso da criança no ensino fundamental e na pré-escola. Com diversas resoluções e leis sobre o tema, editadas pelos órgãos estaduais, 12 Estados chegaram a ter o corte etário suspenso por ações judiciais. “A decisão do STF é importante porque ela é vinculante para todos os tribunais. Resolve o imbróglio jurídico que perdura há anos”, afirma a especialista em direito constitucional Alessandra Gotti, responsável pelo estudo.
Para ela, além de criar um padrão para todo o território nacional, a decisão também reconhece a importância de se respeitar decisões de órgãos técnicos especializados, como o CNE. “A decisão dos tribunais apenas pelo ponto de vista jurídico não consegue avaliar todos os possíveis impactos da ação. Diversos estudos comprovam o melhor desenvolvimento da criança ao entrar no fundamental apenas aos 6 anos.”
Com placar apertado, o julgamento só foi decidido no último voto, com a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, que votou pela data-corte. Ficaram vencidos os ministros que defendiam a matrícula de crianças que completassem 6 anos em qualquer época do ano. O julgamento havia sido iniciado em setembro.
Em maio, a análise da questão foi interrompida após empate (com oito votos) e pedido de vista (mais tempo de análise) do ministroMarco Aurélio Mello. Nesta quarta, ele formou o quinto voto favorável ao modelo atual. Depois dele, votaram o decano Celso de Mello, contra a resolução, e Cármen, que desempatou o julgamento.
Além de Cármen e Marco Aurélio, se posicionaram pela manutenção do modelo atual os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Já os ministros Celso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Dias Toffoli entenderam que a criança poderia ser matriculada se completasse 6 anos em qualquer período do ano.
Repercussão
Os ministros favoráveis ao modelo atual destacaram que poderia haver um problema de vagas no ensino fundamental, caso o STF viesse a mudar a regra. Em maio, Gilmar previu que “certamente teremos uma fila de pessoas que vão querer a resolução do problema”. “A decisão que nós produzirmos aqui vai afetar um universo de 15,4 milhões de pessoas”, comentou Barroso na ocasião.
A maioria dos ministros entendeu que o STF não deve interferir na questão, considerando que a resolução do CNE é baseada em entendimento técnico e específico do assunto. “Se mudarmos, haverá um ativismo judicial desnecessário do Supremo”, disse Fux. Para Marco Aurélio, é preciso manter a organicidade do sistema educacional, não a pondo em risco.
Entidades
Movimentos e entidades educacionais se mobilizaram para manter a regra do CNE. O Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil, por exemplo, enviou ofício aos ministros do STF e produziu material informativo. Rita Coelho, especialista em educação infantil, destaca que a decisão passa a valer para todos os sistemas de ensino do País – municipais, estaduais e particulares. “Agora, há um entendimento da instância máxima da Justiça sobre essa questão e todos vão se adaptar ao novo corte etário. O sistema educacional não trabalha com ano civil, mas letivo, que deve ser o mesmo em todo o território nacional”, diz.
Ela também acredita que a decisão deve pacificar ações judiciais individuais, na maioria dos casos contra escolas privadas. “O pai tem aquela ansiedade de o filho progredir, acha que é muito esperto, acredita que na educação infantil só fica brincando. Temos de respeitar o tempo das crianças.”
Atualmente, SP fixa limite em 30 de junho
Ana Paula Pereira, de 36 anos, conta que a filha Larissa, de 6 anos, estudou metade do 1º ano com 5 anos. Ela só faz aniversário em junho. Como em São Paulo o corte etário estabelecido pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) era 30 de junho, a menina estava dentro do previsto. No entanto, Ana Paula conta que o Colégio Santa Maria, na zona sul da capital, chegou a conversar com a família e oferecer as duas alternativas. “Deram a opção de refazer um ano, mas disseram que ela estava em um bom ritmo, por isso achei melhor que fosse antes para o 1º ano”, conta Ana Paula, que diz não ter se arrependido da decisão.
Sueli Gomes, orientadora do Santa Maria, diz que são vários os fatores envolvidos na questão. “Às vezes, o pai acha que, porque o filho já sabe ler e escrever, deve ir para o 1º ano sem ter idade. Mas às vezes o aluno não tem outras habilidades necessárias, como soltura no relacionamento, na linguagem oral. Se torna um desrespeito à criança.” Ela observa ainda que na educação infantil são desenvolvidas diversas habilidades da criança por meio de brincadeiras e atividades lúdicas. Já no fundamental as escolas já têm grade curricular e avaliação.
Em nota, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo informou que a decisão do Supremo – que unifica as datas no País – será pauta da próxima sessão plenária, "uma vez que o assunto requer ser discutido com cuidado".
Matrícula não pode ser negada
Como era antes definido o corte etário? O Conselho Nacional de Educação definiu, em 2010, a exigência de que a criança tenha, para entrar na educação infantil e no ensino fundamental, 4 e 6 completos, respectivamente, até 31 de março do ano de sua matrícula. No entanto, alguns Estados tinham as próprias datas, como São Paulo, que usava 30 de junho.
Qual o impacto da decisão do STF? O entendimento da Corte passa a ser vinculante para todos os Tribunais de Justiça e Poderes Executivos do País. Ou seja, todos terão de cumprir a regra do corte etário até o dia 31 de março.
Meu filho está adiantado na escola, ele terá de regredir uma série? O acórdão da decisão ainda será publicado, mas especialistas entendem que a decisão passa a valer a partir desta quarta-feira, 1. Seus efeitos devem nortear a organização dos sistemas e as matrículas dos alunos a partir do próximo ano. Ou seja, a criança que já está matriculada no ensino fundamental não será afetada.
Escolas privadas também devem seguir a regra? Sim, a regra vale para todos os sistemas (municipal, estadual, federal e privado).
Meu filho poderá ter a matrícula negada por causa disso? Não, a Constituição Brasileira estabelece que é direito de todas as crianças a matrícula a partir dos 4 anos. Se ela ainda não tiver idade para ingressar em determinada série, deve ser matriculada na etapa anterior, ou seja, na educação infantil. / COLABOROU ISABELA PALHARES
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