Tarcísio recua após propor redução da fatia de orçamento de USP, Unicamp e Unesp

Após reportagem do ‘Estadão’, governo avisou que desistirá da mudança; Executivo havia incluído mais 3 faculdades na parcela do imposto destinada ao ensino superior paulista

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Foto do author Renata Cafardo
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A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou nesta sexta-feira, 3, que vai desistir da decisão de diminuir a fatia do orçamento das três universidades públicas paulistas, Universidade de São Paulo (USP), Estadual de Campinas (Unicamp) e Estadual Paulista (Unesp). O Estadão revelou mais cedo que o governo havia enviado esta semana à Assembleia Legislativa uma proposta de diretrizes orçamentárias para 2025 com mudanças na lei.

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Desde 1989, as instituições têm autonomia financeira porque um decreto estadual estipulou que seus orçamentos representariam 9,57% da arrecadação do ICMS do Estado - a proporção é estimada em R$ 14,6 bilhões para este ano.

O governo propunha incluir nessa mesma cota outras três instituições: as faculdades de Medicina de Marília (Famema) e de São José do Rio Preto (Famerp), além da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). O PL não detalhava como ficaria a nova distribuição de recursos entre as instituições.

A USP perderia cerca de R$ 200 milhões, se fossem mantidos os níveis atuais dos orçamentos de Famema, Famerp e Univesp.

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Em nota ao Estadão, a gestão afirmou que “o governo de SP prioriza os investimentos no ensino superior e enviará uma mensagem modificativa para a Assembleia Legislativa do Estado (Alesp), mantendo a redação da LDO vigente”.

Os reitores de USP, Unesp e Unicamp haviam divulgado nota afirmando que viram com “preocupação” a decisão do governo e que a autonomia financeira “tem sido decisiva para que as três universidades sirvam, com crescente excelência, a sociedade paulista”.

Usp fez 90 anos em janeiro e foi considerada a melhor universidade da América Latina Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Os reitores Carlos Gilberto Carlotti Junior (USP), Pasqual Barretti (Unesp) e Antonio José de Almeida Meirelles (Unicamp) pediam ainda “canais de comunicação” com o Executivo. E o “apoio da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para a manutenção das condições que garantam lugar de destaque para nosso Estado de São Paulo”.

Segundo o Estadão apurou, a mudança surpreendeu até o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Vahan Agopyan, que foi reitor da USP e é um defensor da autonomia financeira das universidades. Ele e o secretário de Governo e Relações Institucionais do Estado de São Paulo, Gilberto Kassab, atuaram para que o governador recuasse da decisão.

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A intenção de Tarcísio de tirar recursos das universidades públicas repercutiu negativamente entre acadêmicos e cientistas.

A Universidade de São Paulo (USP) foi considerada ano passado a melhor instituição de ensino superior da América Latina e Caribe, segundo dois dos mais importantes rankings internacionais, QS World University Rankings e THE World University Rankings.

Ao comemorar seus 90 anos em janeiro de 2024, a autonomia financeira foi lembrada como uma das grandes responsáveis para que a universidade se tornasse uma instituição de categoria internacional, pela possibilidade de planejar seus investimentos sem depender das decisões de cada governador. As federais, por exemplo, dependem do Ministério da Educação para a liberação de recursos.

Hoje, da cota de 9,57% do ICMS, a USP recebe 5%, o que equivale este ano a cerca de R$ 7,7 bilhões. A Unesp fica com 2,34% (R$ 3,6 bilhões) e a Unicamp, com 2,19% (R$ 3,3 bilhões).

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Já a Famema, a Famerp e a Univesp recebem juntas cerca de R$ 358 milhões, que vêm de outras fontes do governo, como a Secretaria de Ciência e Tecnologia.

Em simulação feita com os valores deste ano, Unesp e Unicamp, perderiam entre R$ 80 milhões e R$ 90 milhões, com a inclusão das outras três instituições na mesma cota-parte.

Proposta da LDO inclui mais três instituições na fatia orçamentária reservada para USP, Unicamp e Unesp Foto: Reprodução

A proposta de mudança também causa insegurança nas universidades, segundo o Estadão apurou, porque o governo terá de decidir como ficará o orçamento das três universidades públicas com a reforma tributária, já que o ICMS deixará de existir.

Desde a campanha eleitoral e depois que assumiu o cargo, Tarcísio vinha afirmando que assumia o compromisso com os reitores de manter o atual financiamento público mesmo depois de aprovada a reforma tributária.

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Em nota, o governo disse ainda que “diante do atual cenário econômico e com as projeções que indicam aumento da expectativa de arrecadação para 2025, o orçamento da USP, Unicamp e Unesp deve ter um aumento de mais de R$ 1 bilhão” com relação ao de 2024, o que seria uma variação positiva de 8%, superando R$ 16 bilhões em 2025.

Especialistas criticaram mudança

“É um choque porque essa autonomia das universidades que tem funcionado muito bem desde 1989, está consolidada, e tem sido realmente fundamental para as universidades garantirem uma série de melhorias ao longo dos anos em todos os indicadores de impacto, de atendimento de estudantes, de pesquisa”, diz Marcel Knobel, ex-reitor da Unicamp, que também esteve à frente do Insper no ano passado.

“Em quatro anos como reitor, nunca precisei no Palácio do Governador solicitar recursos, porque é previsto que os recursos repassados sejam suficientes. Com isso se planeja recursos para manutenção, construção de novos prédios, reformas, para tudo que a universidade precisa”, afirma ele.

Nina Ranieri, especialista em educação e professora de Direito da USP, diz que outras tentativas de reduzir o orçamento das universidades também motivaram reação forte. “Provocou greves e uma série de manifestações nas universidades”, relembra.

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Para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi esse modelo de financiamento que permitiu o crescimento extraordinário das universidades estaduais paulistas. Uma pesquisa publicada em 2019 pela entidade mostra que desde 1989, quando as três universidades paulistas, USP, Unicamp e Unesp, passaram a gozar de autonomia financeira plena, seus indicadores de produtividade apresentaram ganhos significativos, sendo que o número de funcionários caiu 22% no período de 1989 a 2017, e o de docente se manteve praticamente estável, com ligeira queda de 1,4%.

No mesmo período, as vagas na graduação aumentaram 76% e o número de alunos de graduação e pós nas três universidades mais do que dobrou, com alta de 135%. Já as publicações científicas dispararam (mais 1.514%). USP, Unesp e Unicamp respondem juntas por mais de um terço de toda a produção científica nacional indexada na base de dados Web of Science. / COLABOROU ISABELA MOYA

Leia a nota do conselho de reitores de USP, Unesp e Unicamp (Cruesp)

Foi com preocupação que os reitores das universidades estaduais paulistas – USP, Unesp e Unicamp – leram a publicação da proposta de diretrizes orçamentárias, publicada no Diário Oficial do Estado, no dia 3 de maio.

A inclusão de outras três instituições no percentual de 9,57% alocado à USP, à Unesp e à Unicamp altera uma prática vigente desde 1989. Nesses 35 anos, a autonomia universitária tem sido decisiva para que as três universidades sirvam, com crescente excelência, a sociedade paulista, com importantes reconhecimentos recentes, como o fato de termos uma universidade entre as 100 melhores do mundo.

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As três universidades paulistas integram, em posição proeminente, rankings nacionais e internacionais e contribuem, com excelência, em todas as áreas de conhecimento, produzindo saberes e ações que melhoram as condições de vida de toda a sociedade.

Esperamos que sejam garantidos canais de comunicação com o Executivo para a preservação de conquistas históricas da sociedade paulista e contamos com o apoio da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para a manutenção das condições que garantam lugar de destaque para nosso Estado de São Paulo.

Carlos Gilberto Carlotti Junior - Reitor da USP e presidente do Cruesp

Pasqual Barretti - Reitor da Unesp

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Antonio José de Almeida Meirelles - Reitor da Unicamp

Leia a íntegra da nota do governo do Estado após recuo

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é revista anualmente pelo Governo de São Paulo e todas as medidas são tomadas de forma a garantir e ampliar os investimentos nas universidades públicas do estado de São Paulo. O Governo de SP prioriza os investimentos no ensino superior e enviará uma mensagem modificativa para a Assembleia Legislativa do Estado (Alesp), mantendo a redação da LDO vigente.

Importante informar ainda que diante do atual cenário econômico e com as projeções que indicam aumento da expectativa de arrecadação para 2025, o orçamento da USP, Unicamp e Unesp deve ter um aumento de mais de R$ 1 bilhão com relação à LOA de 2024 – uma variação positiva de 8%, superando R$ 16 bilhões no próximo ano.


Orçamento da universidade está em cerca de R$ 7 bilhões Foto: Estadão

Correções

Diferentemente do publicado na versão original da reportagem, o nome da instituição é Famema.

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