A taxa de jovens brasileiros que não estudam nem trabalham, a chamada "geração nem-nem", é o dobro da de países ricos. Em 2020, 35,9% dos adultos de 18 a 24 anos no Brasil não estavam nem na escola nem empregados, aponta um relatório da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado nesta quinta-feira, 16. O índice de desemprego de adultos entre 25 e 34 anos que não concluíram o ensino médio também cresceu acima da média no Brasil.
No relatório, a OCDE destaca que a pandemia tornou as condições econômicas difíceis em muitos países no ano passado - e a situação perdura neste ano. “Em tempos econômicos difíceis, a transição da escola para o trabalho, que é sempre complicada, torna-se realmente problemática”, aponta o relatório. Na média da OCDE, que inclui os países mais ricos, a taxa de jovens que não estudam nem trabalham é de 15,1%.
O índice brasileiro passou o de países como Turquia (32,2%) e Colômbia (34,5%). O Brasil já alcançava taxas acima da média de jovens "nem-nem" nos anos anteriores, mas o indicador subiu ainda mais na pandemia. Em 2018, era de 30,6%. Enquanto na média dos países da OCDE, menos da metade dos jovens de 18 a 24 anos não estudam, no Brasil, na Colômbia e em Israel, a porcentagem sobe para 65%.
De acordo com o relatório, só um terço (34%) dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos frequentam escolas ou faculdades. Três em cada dez jovens nessa faixa etária estão empregados, apesar de não frequentarem a escola ou um curso superior, mas 13% não estão nem na escola nem empregados. Há ainda 23% que não estudam nem procuram emprego (inativos). Os dados fazem parte do relatório Education at a Glance 2021, que reúne informações sobre escolarização, trabalho e disparidades de gênero.
Durante a pandemia, o Brasil teve dificuldades em manter os jovens engajados nas aulas remotas e calcula-se que boa parte deles não deve voltar para a sala de aula quando os indicadores da covid-19 melhorarem. Entidades e governos locais apontam omissão do Ministério da Educação (MEC) em garantir internet para as aulas remotas e dar incentivo para que os alunos mais vulneráveis continuassem estudando.
A queda na renda das famílias levou essa população a buscar emprego, ao mesmo tempo em que o acesso ao ensino superior tornou-se mais difícil no Brasil. No ano passado, faculdades particulares registraram redução no número de alunos ingressantes e as universidades públicas tiveram dificuldades em garantir a permanência de jovens de baixa renda.
A edição de 2020 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), principal porta de entrada para o ensino superior, foi realizada em janeiro deste ano, em meio à pandemia, e teve recorde de candidatos ausentes. Parte não compareceu por medo de contaminação pelo coronavírus, porque buscava trabalho ou não se sentia preparada para fazer a prova.
Jovens da geração "nem-nem" se dizem perspectivas. "É muito ruim ver minha família necessitada e não poder ajudar", diz Tatiane Lima, de 23 anos. Paulistana da zona leste, ela terminou o ensino médio em 2015 e, desde então, não conseguiu ingressar no mercado de trabalho formal. A última vez que conseguiu uma ocupação no setor informal foi no segundo semestre de 2020, entre a primeira e a segunda onda da pandemia.
Apaixonada por esportes, Tatiane já sonhou em ser jogadora de vôlei e, hoje, se interessa por Economia. Mas depois de seis anos sem estudar nem trabalhar, chega a ter dificuldade para responder quando a perguntam sobre seus sonhos profissionais. "Quando me perguntam qual profissão quero seguir, não tenho resposta, porque não me vejo no mercado de trabalho".
Sem emprego, ela também enfrenta dificuldade para estudar. "Tenho vontade de fazer contabilidade, mas minha condição financeira não permite pagar o curso", diz.
Desemprego aumentou entre adultos sem ensino médio
Se as condições para estudar não são favoráveis para os jovens brasileiros, encontrar emprego também não está fácil. “A pandemia de covid levantou preocupações sobre as perspectivas de emprego de jovens adultos, especialmente em níveis educacionais mais baixos”, apontou o relatório, ao detalhar a situação do Brasil.
No Brasil, segundo a OCDE, a taxa de desemprego entre jovens adultos de 25 a 34 anos que não completaram a educação básica foi de 17,8% em 2020, 3 pontos porcentuais acima do que foi registrado no ano anterior. O crescimento do desemprego foi maior do que a média da OCDE, que registrou índice 15,1% em 2020 (um aumento de 2 pontos porcentuais em relação a 2019).
O relatório da OCDE destacou ainda que as condições de encontrar trabalho variam entre homens e mulheres. Embora as mulheres no Brasil tenham mais probabilidade de ter concluído o ensino superior, elas têm menos chances de serem empregadas, segundo o relatório.
Por meio de nota, o Ministério do Trabalho e Previdência informou que o governo atua para garantir oportunidades para jovens, vulneráveis e desempregados de longo prazo. "Isso porque, de acordo com estudos do Banco Mundial, OIT (Organização Internacional do Trabalho) e outras instituições o 'efeito cicatriz' deve ser combatido por meio de políticas públicas focalizadas nesses trabalhadores."
A pasta explica que este efeito é constatado quando jovens, que começam a procurar empregos durante crises econômicas, acabam por enfrentar piores trajetórias laborais, menores remunerações e menos oportunidades ao longo de toda a vida. O Ministério diz apostar em qualificação e contratação simplificada para trabalhadores.
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