“Caminhante, não há caminho: o caminho se faz ao andar”, ensina um conhecido poema espanhol. Isso se aplica perfeitamente à construção da carreira hoje, como demonstrou o painel “É normal ainda não saber o que fazer?” do Festival Start de Carreiras. Os participantes evidenciaram, pelos próprios exemplos, que a evolução da trajetória profissional raramente coincide com aquela que foi vislumbrada no início.
Mediado pela jornalista Renata Cafardo, repórter especial e colunista do Estadão, o painel proporcionou certo alívio para jovens que ainda não identificaram a profissão que gostariam de seguir. O mesmo alento serve para profissionais mais experientes que, em meio a tantas transformações no mercado e nas prioridades da vida pessoal, podem estar pensando em iniciar outra carreira, mas não têm clareza sobre qual poderia ser esse novo caminho.
“A dúvida é perfeitamente normal, mesmo porque há várias coisas interessantes a fazer na vida”, disse o pedagogo e orientador profissional Silvio Bock, doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e apresentador do programa Desafio Profissão, da TV PUC de São Paulo. “Só de cursos universitários, hoje, são mais de 300 opções”, ele ressaltou.
A parte mais fácil é descartar as atividades com as quais claramente não há afinidade. O problema é que geralmente ainda restam muitas alternativas atraentes, cada uma delas com uma série de prós e contras. “O processo de escolha depende muito de autoconhecimento. Entender quais são os seus valores e o que mais importa para você.”
Influências familiares
O próprio Bock contou que sua primeira escolha universitária foi Administração de Empresas, curso no qual permaneceu por apenas um semestre. “Só mesmo fazendo as aulas consegui perceber claramente que não era pra mim.” Ele decidiu, então, transferir-se para Pedagogia, com o desejo inicial de vir a trabalhar com crianças pequenas. Em decorrência de portas que foram se abrindo depois da formatura, no entanto, ele pouco atuou com essa faixa etária, especializando-se em adolescentes.
Assim como Bock, os demais participantes do painel contaram histórias de reviravoltas nos caminhos profissionais. Gabriela Lopes iniciou o curso de Engenharia por influência da família, que tem vários profissionais nessa área, mas, ao frequentar o campus universitário, ouviu falar que o curso de Design era muito interessante. “Decidi acompanhar uma aula, como ouvinte, e foi amor à primeira vista”, ela lembrou. No dia seguinte, pediu transferência. Formou-se e hoje trabalha como designer industrial.
A atriz Abbadhia Vieira iniciou sua trajetória como contadora – influência da mãe e da avó, ambas profissionais da área. “Cresci em escritório de contabilidade. Minhas brincadeiras eram com máquina de calcular e bobina de papel”, descreveu. Certa ocasião, já formada em Contabilidade e com especialização em Finanças, ela foi convidada para fazer uma palestra. Descobriu ali, diante de 150 pessoas, que tinha verdadeira fobia de falar em público.
Resolveu, então, fazer um curso de teatro para enfrentar essa vulnerabilidade. Adorou a experiência e nunca mais abandonou a arte de interpretar. Fez mestrado em Cinema, doutorado em Ecologia Humana e criou uma carreira como “atriz corporativa”, especializada em encenar situações típicas das empresas, sempre com muito humor. “É uma forma leve e eficaz de levar reflexão às pessoas sobre o próprio comportamento.”
Paixão de infância
Outro depoimento foi o de André Nogueira, que fez o vestibular para Ciências Sociais sem muita convicção. “Como eu não tinha clareza sobre o caminho que seguiria, escolhi um curso que considerava mais genérico e me deixaria livre para encontrar um rumo.”
Enquanto fazia a universidade, André aprofundou o interesse que tinha desde criança por animais silvestres. Logo depois da formatura, decidiu cursar Ciências Biológicas para honrar essa paixão. Por algum motivo, até então, ele não havia considerado que aquele velho interesse poderia se tornar uma carreira.
Depois de formado em Ciências Biológicas, ele fez mestrado em Zoologia e doutorado em Ecologia. Definiu que sua área de especialização seriam os aracnídeos. Hoje, realiza projetos de consultoria que envolvem inventários biológicos e monitoramento de fauna, tanto na Mata Atlântica quanto na Amazônia. “Fiz a minha primeira expedição à Amazônia aos 37 anos, ao lado de colegas bem mais jovens, mas garanto que nenhum deles estava mais entusiasmado que eu.”
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