Um futuro para se viver da ciência

Levantamento da USP indica áreas promissoras; entre as pesquisas em andamento estão experimentos para deter derramamento de óleo em praias

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Por Alex Gomes 
Atualização:

Cortes de investimento, estrutura obsoleta e fuga de cérebros para outros países. Problemas como esses compõem a lista de desafios imposta a diversos segmentos da comunidade científica. No entanto, mesmo em meio à tormenta, alguns campos de produção de conhecimento navegam com uma certa estabilidade. 

Osvaldo Novais, presidente da SBPMat Foto: Cecília Bastos

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Um levantamento feito pelo Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo (USP) indica as áreas que tiveram o maior número de pesquisas acadêmicas com financiamentos entre 2011 e 2018. Na relação, segmentos como Genética, Farmacologia, Biologia Vegetal, Ciência dos Materiais e Astronomia concentram a maior parte dos projetos com recursos advindos das 20 principais entidades que atuam no fomento a pesquisas no País, incluindo instituições ligadas ao poder público federal – como CNPq, Capes e o BNDES –, as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (como a paulista Fapesp) e os entes privados nacionais e internacionais que administram recursos empresariais e institucionais. 

Para a professora Márcia Barbosa, diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC), a atratividade a financiamentos e a alta produtividade têm relação direta com a natureza das atividades. “São áreas que envolvem grandes grupos, ou seja, grande quantidade de recursos humanos em grandes laboratórios. Isso auxilia na captação de recursos nacionais e internacionais”, afirma. 

Márcia Barbosa, da ABC, diz que grandes projetos ainda atraem recursos Foto: Clarissa Machado

Outro ponto em comum entre os segmentos listados é o fato de representarem atividades consolidadas, o que justifica a resiliência em momentos como os atuais, nos quais as verbas para os financiamentos despencam. “Anos de investimentos contínuos e dedicação profissional que lhes deram musculatura para sobreviver às tormentas. São como plantas que, regadas continuamente, florescem e sobrevivem”, compara ela.

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Futuro

Estar estabelecido não significa situação confortável. “É óbvio que a tendência de redução de financiamentos pode apontar para a perda de nossas qualidades. Alunos irão embora do País, almejados justamente por causa da qualidade de nossas produções”, diz Márcia.

O futuro seguro para as ciências no Brasil requer, definitivamente, o incentivo estrutural do poder público. É o que afirma Helena Nader, presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “Nos Estados Unidos, por exemplo, as instituições governamentais são as grandes financiadoras. Muitas vezes as pessoas têm uma ideia errônea por verem entidades que cobram taxas e mensalidades e acharem que assim as pesquisas são financiadas. É preciso se informar.”

Helena Nader, biomédica Foto: Antonio Cruz

No caso do Brasil, afirma, o caminho a ser trilhado é justamente o de volta ao passado. “Tivemos projetos-chave para o desenvolvimento da ciência brasileira que a tornaram hoje uma referência no exterior, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a Embrapa e outros que colaboraram muito para o desenvolvimento de áreas como as Ciências Agrárias, que hoje são fundamentais para a economia. Não posso me esquecer do CT-Infra, que equipou os institutos do Brasil ao longo de anos, ajudou a diminuir as diferenças entre as Regiões e hoje está praticamente extinto.” O Estado listou áreas que estão entre as mais promissoras para a pesquisa no Brasil. 

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Sucesso verde

Com as questões ambientais na ordem do dia na agenda de governos, empresas e setores da sociedade, a demanda por soluções que aliem o desenvolvimento econômico à preservação dos recursos naturais é motivadora natural de novas pesquisas e projetos. A Pós-Graduação em Recursos Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) recebe recursos da ordem de R$ 1 milhão/ano apenas em bolsas. O programa se destina a formar mestres e doutores em conservação de ecossistemas florestais, silvicultura e tecnologias de produtos florestais. 

“Temos 150 alunos e fazemos pesquisas de alto impacto para a área florestal, divulgadas por publicações de grande repercussão como as revistas Nature e Science”, afirma Demóstenes Ferreira, coordenador do curso. “Nosso programa é o melhor avaliado no Brasil na área florestal pela Capes e é atualmente o mais internacional da Esalq.”

O sucesso porém é acompanhado de desafios. A reposição de docentes em regime integral que se aposentam não é suficiente para atender às demandas do curso. “Acredito que ainda conseguiremos manter uma boa produtividade nos próximos quatro anos. Mas é preciso termos professores para que não haja redução em pesquisas e o Estado mantenha a liderança no setor.”

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O potencial da matéria. Aos olhos leigos, as recentes cenas de contaminação das praias com petróleo criaram sentimentos como comoção, revolta ou simplesmente perplexidade. Para pesquisadores em Ciências dos Materiais nas Universidades Federais de São Paulo (Univesp) e de São Carlos (UFSCar), as imagens instigaram ideias. O grupo trabalha com materiais magnéticos que atraem o petróleo cru da superfície da água e assim facilitam o processo de limpeza. Em breve, experimentos de campo serão feitos em águas do Ceará. “Nos últimos anos, tem havido ênfase nas pesquisas de materiais”, diz Osvaldo Novais, presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat). “Em minha equipe, congrego pesquisadores de várias áreas. Tenho físico, biólogo e médico. Essa sinergia faz com que os resultados apareçam.”

Em campos tradicionais como a Medicina, as pesquisas brasileiras com materiais facilitam o desenvolvimento de terapias com modernas opções de próteses, implantes e biossensores, item no qual a produção brasileira é marcada pela excelência no cenário mundial. Nas áreas mais modernas, imersas em tecnologia, projetos nacionais relacionados à internet das coisas ganham incentivos de instituições como o BNDES, que anunciou em julho seu primeiro apoio a um projeto piloto na área. “Ciência dos materiais é uma superárea. Como o nome diz, é estudar a estrutura das matérias, o que inclui até formas vivas”, resume Novais. 

Olho no céu

A mais antiga das ciências da história e uma das mais fascinantes para o grande público, a astronomia, aliada à sua prima mais nova, a astrofísica, constitui um dos campos nos quais os pesquisadores brasileiros são destaques em projetos com repercussão internacional. 

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Um exemplo chama a atenção pela proporção: mapear por completo o céu do Hemisfério Sul. A iniciativa visa a entender a energia escura, responsável pela expansão acelerada do universo.

O projeto conta com um grupo de 50 cientistas brasileiros que, com colegas estrangeiros, deverão atuar na construção do telescópio Large Synoptic Survey Telescope (LSST), no Chile. Previsto para entrar em operação em 2022, o LSST vai fornecer dados importantes sobre o sistema solar e a evolução de estruturas no universo. 

“Ele vai ter capacidade de fazer filmes em alta definição, captando em detalhes os movimentos no céu. Possibilitará, por exemplo, identificar asteroides que estejam próximos da terra e de alguma forma representem perigo”, explica Ricardo Ogando, astrônomo que atua no Observatório Nacional e faz parte da equipe brasileira do projeto. 

Ele auxilia no desenvolvimento do software que vai visualizar as imagens que serão produzidas com mais de 3 mil megapixels. E, ao mesmo tempo em que se envolve com as questões do cosmos, Ogando também se preocupa com um problema bem terreno da ciência brasileira, que é a aproximação com a sociedade. Como representante de uma área que provoca encantamento – afinal, todos querem saber mais sobre o espaço e os planetas –, ele tem ajudado a mostrar a importância e os benefícios da pesquisa científica. E, de quebra, feito os olhos de crianças e adolescentes brilharem com a possibilidade de também serem cientistas.

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Em julho, durante a reunião anual da SBPC, que neste ano ocorreu em Campo Grande, Ricardo Ogando participou de um programa que a entidade realizou em parceria com a rede municipal de ensino, no qual interagiu com centenas de estudantes. “Foi uma chance de matar a curiosidade dos alunos sobre a profissão e de contar para eles como a ciência ensina as pessoas a pensar mais, entender o mundo e tentar melhorá-lo. Os cientistas são profissionais talentosos que sabem Matemática, Física, Biologia, Estatística e diversos outros saberes que deveriam ser disseminados para o bem da sociedade.”

3 perguntas para Sabine Righetti, Pesquisadora da Unicamp em cultura científica

1. Que fatos mostram a força da produção científica brasileira?  O Brasil está entre os 15 países que mais produzem ciência no mundo. No ano passado, foram em média 230 novos artigos científicos por dia e 170 capítulos de livro. Isso é muita coisa. São 400 novos achados por dia de nossos cientistas, em todas as áreas do conhecimento. Se a gente considerar que nossas instituições que fazem pesquisa são extremamente jovens, esse número fica ainda mais impressionante. A USP, nossa melhor universidade, é de 1934. Os cientistas da USP “competem” internacionalmente com cientistas de universidades centenárias com orçamentos milionários. E, mesmo assim, temos trabalhos de impacto mundial.

2. Em pesquisa recente do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, feita com jovens entre 15 e 24 anos, 93% não souberam citar o nome de um cientista brasileiro e 87% não souberam citar instituições científicas. O que fazer sobre isso? Obviamente a gente não pode colocar toda a responsabilidade por esse resultado nas universidades. O Brasil tem um dos piores níveis de educação científica do mundo na educação básica, só 10% das escolas têm laboratório, temos poucos museus de ciência. Com pouco contato com ciência ao longo da vida, fica difícil conhecer instituições que fazem pesquisa ou cientistas. A universidade, porém, tem seu papel: é preciso informar para a sociedade o que se faz. Hoje isso ainda é realizado de maneira tortuosa. Precisamos aprender a comunicar melhor a ciência para não cientistas. 

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3. Como uma possível recuperação da economia pode ajudar a fortalecer a ciência no Brasil? Temos áreas com excelência nas quais o Brasil se destaca e são essenciais para o desenvolvimento econômico do País, como o agronegócio. Dou como exemplo uma pesquisa relacionada à soja, feita pela pesquisadora Johanna Döbereiner, que sozinha elaborou um projeto que fixou o nitrogênio na planta e rende R$ 20 bilhões por ano ao Brasil. Não podemos esperar que a economia se desenvolva para colocar dinheiro em pesquisas em áreas como essa, pois elas ‘alavancam’ o País. A lógica é: se queremos que a economia se recupere, devemos colocar dinheiro na ciência. Do contrário, não conseguiremos desenvolver medicamentos e tecnologias e teremos de importar tudo.

Doutorado por Capes e CNPq tem bolsa de R$ 2,2 mil

Quem precisa de auxílio financeiro para se manter na vida acadêmica durante a pós-graduação provavelmente ouve falar com frequência de dois nomes: Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Principais órgãos de financiamento à pesquisa e à ciência no País, as entidades têm atuações distintas: enquanto a Capes direciona seu foco apenas às pós-graduações, o rol de apoio do CNPq engloba desde pesquisadores do ensino médio até pesquisadores visitantes, compreendendo também a pós. 

Os valores das bolsas para mestrado e doutorado são os mesmos nas duas instituições: respectivamente R$ 1,5 mil e R$ 2,2 mil. Na maioria das vezes, as bolsas de mestrado têm duração de 24 meses e as de doutorado, 48 meses. 

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Os processos seletivos têm como cerne a apresentação de um projeto de pesquisa detalhado, que deve incluir a discriminação do destino dos recursos solicitados e informações sobre outras fontes de financiamento, quando for o caso. Quanto a isso, vale um ponto extra de atenção: com contingenciamentos significativos de recursos em 2019 e um ano de 2020 ainda incerto, é provável que as análises dos projetos se tornem ainda mais rigorosas. Para submeter um projeto e participar do processo seletivo, o pesquisador deve contatar a coordenação da instituição de ensino.

Áreas mais financiadas

  •  Bioquímica e Biologia Molecular
  •  Ciência das Plantas
  •  Ciência dos Materiais
  •  Farmácia e Farmacologia
  •  Química e Física
  •  Astronomia e Astrofísica
  •  Ciências Ambientais
  •  Gastronomia Molecular
  •  Neurociência
  •  Física de Partículas

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