Opinião | ‘Uma educação antirracista discute o racismo; não silencia ou tenta negá-lo’

Primeira mulher negra do País a comandar uma universidade pública federal afirma que o combate à discriminação racial é uma tarefa de todos, não só da população negra

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Por Nilma Lino Gomes

A educação é um direito humano. E a escola é uma das instituições responsáveis pela sua efetivação no processo de formação humana. Aprende-se na escola não somente letras e números. Aprendemos a ser gente, a reconhecer e respeitas as diferenças de raça, etnia, gênero, orientação sexual, credos, saberes.

Passar pela educação escolar como discente ou docente, principalmente a escola básica, no Brasil, e sair impregnado de preconceitos de toda a sorte, discriminando as pessoas devido a sua raça/cor é uma contradição inaceitável.

Para a professora Nilma Lino Gomes, repensar a educação numa perspectiva antirracista é consolidar a educação democrática Foto: Claudio Fachel

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Mas, por mais absurdo que possa parecer, essa é ainda uma realidade em nosso País. Faz-se urgente e necessário repensar a educação em uma perspectiva antirracista. Trata-se de uma ação e de uma postura política, pedagógica, cidadã e ética de combate ao racismo capaz de reeducar a própria educação no trato com as diferenças na escola.

Um processo que não nega a existência do racismo, antes, reconhece, mapeia e desvela a sua presença na escola. Analisa e estuda coletivamente formas de superá-lo.

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A perspectiva antirracista da educação é aquela que trabalha pedagogicamente com a afirmação da questão étnico-racial e não com a sua negação ou silenciamento. Acolhe os sujeitos negros e suas trajetórias, seus saberes, sua cosmovisão. Indaga os currículos, descolonizando-os e busca formas de valorização da ancestralidade africana e sua presença em nossas vidas, quer sejamos pessoas negras ou não.

Constrói estratégias pedagógicas de socialização do conhecimento que valoriza a presença africana e afro-brasileira no nosso acontecer humano, juntamente com as outras presenças étnico-raciais na nossa sociedade e no mundo, sem hierarquias ou privilégios.

Repensar a educação em uma perspectiva antirracista é consolidar a educação democrática pela qual tanto lutamos. É um dever da política educacional e de toda a instituição escolar pública ou privada, como atesta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei 9394/96 -, alterada pela Lei 10.639/03 que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas.

Em 2004, foram elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (DCN), as quais foram homologadas pelo Ministério da Educação. As DCN estão comemorando 20 anos e oferecem as orientações conceituais e pedagógicas para tornar cotidiana a realização de uma educação antirracista.

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Os currículos, o projeto pedagógico, a avaliação, as aprendizagens, a formação de professoras e professores, a relação com os estudantes, com a comunidade e movimentos sociais ao serem redimensionados em uma perspectiva antirracista estarão em sintonia com as conquistas e com o que de mais avançado existe na garantia dos direitos humanos.

E se os direitos humanos são universais, logo, combater o racismo é uma tarefa que envolve toda e qualquer sociedade e pessoas, não somente a população negra.

Opinião por Nilma Lino Gomes

Professora titular e emérita da UFMG e consultora de Políticas Antirracistas da Fundação Santillana

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