Universidade é multada por falhar em ‘liberdade acadêmica’ em polêmica sobre transgênero; entenda

Instituição britânica foi punida após investigação de caso de professora que se demitiu ao ser acusada de transfóbica por alunos; docente havia dito que mulheres transgênero não são mulheres

PUBLICIDADE

Por Amelia Nierenberg (The New York Times)

LONDRES - Autoridades emitiram uma multa recorde contra uma universidade britânica na quarta-feira, 26, por não “defender a liberdade de expressão e a liberdade acadêmica” em uma declaração sobre política de igualdade transgênero. O caso marca uma escalada no debate sobre os direitos de estudantes e funcionários no câmpus.

O Office for Students, órgão regulador do ensino superior na Inglaterra, impôs multa de 585 mil libras (cerca de R$ 4,3 milhões) à Universidade de Sussex. A multa foi aplicada após investigação sobre a universidade, iniciada há mais de três anos, quando Kathleen Stock, professora de Filosofia, pediu demissão dizendo que vinha enfrentando campanha de assédio por parte de alunos e ativistas devido a suas opiniões sobre identidade de gênero.

Universidade de Sussex fica na região de Brighton, no Reino Unido Foto: www.sussex.ac.uk

PUBLICIDADE

A multa do Office for Students chega em meio a debates tensos sobre direitos transgêneros e liberdade de expressão em câmpus dos Estados Unidos e do Reino Unido, com muitas universidades tentando equilibrar o direito à liberdade de expressão com a prevenção ao discurso de ódio.

Stock pediu demissão em 2021 após estudantes e ativistas a acusarem de ser transfóbica por argumentar que mulheres transgênero não eram mulheres. Ela disse que enfrentou uma campanha de assédio, intimidação e assassinato de reputação antes de se demitir.

Publicidade

Na época, a universidade defendeu publicamente Stock. Mas, na quarta-feira, o Office for Students disse que a declaração da política da universidade sobre igualdade transgênero e não binária havia criado um “efeito inibidor” que poderia fazer com que alunos e funcionários se “autocensurassem”.

O órgão regulador disse que, entre outras disposições, a política da universidade exigia que os materiais dos cursos “representassem positivamente as pessoas trans e as vidas trans”. O Office for Students também penalizou a universidade por falhas nos processos de gestão e governança.

Os documentos que regem uma universidade “devem defender os princípios da liberdade de expressão e da liberdade acadêmica”, disse Arif Ahmed, diretor de liberdade de expressão e liberdade acadêmica do Office for Students. Ele acrescentou que a política da universidade “restringia” as liberdades de expressão, ensino e aprendizado e que Stock evitou apresentar a seus alunos materiais que, se não fosse a política da universidade, teria apresentado.

“Nada em nossa abordagem tem a ver com tomar partido nessa questão”, disse ele, argumentando que o órgão regulador estava preocupado apenas com a liberdade de expressão e que era neutro em questões de gênero.

Publicidade

A universidade condenou a decisão, dizendo em comunicado que a multa impossibilitaria a criação de “políticas para evitar discursos de abuso, intimidação e assédio”. Sasha Roseneil, vice-reitora da universidade, prometeu recorrer da decisão e disse que o órgão regulador estava impondo “o absolutismo libertário em termos de liberdade de expressão como princípio fundamental para as universidades do Reino Unido” e estava “perpetuando as guerras culturais”.

O presidente dos Estados, Donald Trump, fez das questões de transgêneros um foco de campanha e, em fevereiro, efetivamente proibiu atletas trans de competir em esportes femininos. O governo também foi acusado de atacar universidades por causa de suas políticas para pessoas trans.

O governo britânico disse em janeiro que implementaria uma nova lei para reforçar a liberdade acadêmica nos câmpus, mas retirou uma cláusula que permitiria que qualquer pessoa que alegasse que sua liberdade de expressão havia sido restringida pudesse entrar com uma ação judicial contra uma universidade.

Bridget Phillipson, secretária de Educação do Reino Unido, disse em comunicado na quarta-feira que as novas medidas eram necessárias para garantir que “estudantes e acadêmicos não sejam amordaçados pelo efeito inibidor demonstrado nesse caso”.

Publicidade

“A liberdade de expressão e a liberdade acadêmica são inegociáveis em nossas universidades, e deixei claro que, quando esses princípios não forem respeitados, serão tomadas medidas enérgicas”, disse ela.

Até agora, a multa imposta à Universidade de Sussex é a demonstração mais significativa do Office for Students.

Roseneil disse que o método da investigação foi “totalmente inaceitável”, pois o órgão regulador não conversou com nenhum funcionário da universidade e se reuniu apenas com Stock. Ela também caracterizou a multa como “totalmente desproporcional”.

A universidade enquadrou a decisão como parte das tensões de longa data entre o setor de ensino superior e o Office for Students. Em 2023, o relatório de um comitê da Câmara dos Lordes, a câmara alta do Parlamento britânico, concluiu que a abordagem do órgão regulador era “arbitrária, excessivamente controladora e desnecessariamente combativa”. Em 2024, uma revisão encomendada pelo governo concluiu que o órgão era visto como “conflituoso e excessivamente legalista”.

Publicidade

Ahmed, que foi nomeado pelo governo anterior, de maioria conservadora, defendeu a investigação e disse que as conclusões eram “robustas e baseadas em fortes evidências”.

Ele acrescentou que o Office for Students havia analisado os documentos que regem a universidade, os quais mostravam que a instituição havia violado as regras do órgão regulador, e que não precisava entrevistar os funcionários.

“Achamos que as provas que obtivemos – e o tipo de provas que obtivemos – eram suficientes para o que estávamos buscando”, disse ele. Stock não respondeu ao pedido de comentário feito pela reportagem.

Este artigo foi originalmente publicado no New York Times. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Publicidade