O governo de São Paulo sustenta que terá que fechar os cursos de formação de professores a distância oferecidos pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) se as novas regras sobre a modalidade foram homologadas pelo Ministério da Educação (MEC). Como o Estadão revelou, o Conselho Nacional da Educação (CNE) definiu em um parecer que as Licenciaturas e Pedagogia terão de ser oferecidas com 50% da sua carga horária presencial.
“Vamos ter que fechar os cursos de licenciatura em educação a distância públicos. Não tem condições de oferecer 50% presencial”, disse ao Estadão o secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, Vahan Agopyan, que é ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP). Ele se refere à Univesp, criada em 2012 pelo Estado, e que formou em 2023 cerca de 5 mil professores.
Atualmente, a Univesp tem 65 mil alunos e 25 mil deles em cursos que formam para docência, como Pedagogia, licenciaturas em Letras e em Matemática. O orçamento da instituição é de R$ 150 milhões.
As aulas são dadas por professores doutores das três universidades públicas paulistas, USP, Unesp e Unicamp, a distância. Elas são gravadas em um estúdio da TV Cultura.
A instituição tem 420 polos de atividades presenciais pelo Estado, que funcionam em escolas públicas, para provas. Seria “impossível” usá-los para aulas porque são estruturas pequenas, diz o secretário. “E isso acabaria com o conceito de educação a distância”, completa.
“A prática não se discute que tem que ser presencial, o que nos preocupa é que metade do conteúdo do teórico teria que passar a ser dado presencialmente, não tem como colocar professores em 420 polos”, afirma o presidente da Univesp, Marcos Borges.
Ele explica que, além dos estágios presenciais em escolas, supervisionados e avaliados, os alunos também precisam fazer projetos a cada semestre voltados para o sistema de ensino. “Tudo isso é supervisionado pela Univesp e pelos nossos pelos facilitadores, que são alunos de mestrado e doutorado de universidades públicas.”
O curso de Pedagogia da instituição foi avaliado com nota 4 no Enade, a avaliação do MEC para ensino superior, cujos conceitos vão de 1 a 5.
O que diz a nova regra
A resolução do CNE ressalta que a “formação inicial de profissionais do magistério da educação escolar básica será ofertada, preferencialmente, de forma presencial”.
Ao detalhar a carga horária do currículo da formação inicial de professores, de 3,2 mil horas no total, diz que:
- As 880 horas para formação geral podem ser feitas de forma presencial ou a distância;
- Das 1,6 mil horas destinadas ao aperfeiçoamento específico na área em que o professor vai ensinar, 880 horas precisam ser presenciais pelo menos (720 horas poderiam em EAD);
- As 400 horas destinadas a estágios devem ser presenciais;
- As 320 horas destinadas a atividades de extensão em escolas devem ser presenciais.
Somadas as horas, do total de 3,2 mil, há a possibilidade de 1,6 mil delas serem oferecidas em EAD. Até então, não havia regras claras e efetivas sobre isso na formação de professores.
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A educação a distância (EAD) para formar docentes no País tem crescido nos últimos anos, com muitos questionamentos sobre a qualidade. Hoje, 64% dos estudantes em Licenciaturas estão em cursos a distância e não há controle sobre o que é feito presencialmente.
As universidades privadas têm a maioria dos cursos EAD e alguns grandes conglomerados oferecem a maior parte das vagas para formar professores, muitas vezes com mensalidades de R$ 100 e cursos quase 100% online. As graduações em EAD, em geral, tem notas no Enade inferiores as que são dadas presencialmente.
O parecer do CNE sobre formação docente foi aprovado por unanimidade em março, mas ainda precisa ser homologado pelo ministro Camilo Santana (PT). O conselho é um órgão de assessoramento ao ministério e responsável por organizar as diretrizes curriculares nacionais. Segundo o Estadão apurou, a nova regra para EAD foi alinhada com o ministério e Camilo deve homologar o documento nas próximas semanas. Procurado pela reportagem, o MEC respondeu que ainda analisa o parecer.
O ministro tem se posicionado contra os cursos não presenciais, especialmente na formação de professores, desde o ano passado, e disse que os que são 100% EAD tinham de acabar.
Procurado, o presidente do CNE, Luiz Curi, afirmou que está em diálogo com todos os setores que procuram o conselho para falar sobre o assunto. O parecer ficou 90 dias aberto para consulta pública até ser aprovado e levou em conta recomendações de um grupo de trabalho do MEC sobre formação de professores.
Diversas entidades já vinham se manifestando contra a proliferação dos cursos EAD, que cresceram 700% no País nos últimos anos, e comemoraram a aprovação do parecer.
“É claro que a educação a distância não é o único problema na formação inicial de professores, mas é inadmissível que o Brasil tenha na EAD a principal estratégia de formação inicial docente”, disse, em nota, Priscila Cruz, presidente executiva do movimento Todos Pela Educação.
“E isso se torna ainda mais grave na medida em que esse crescimento está atrelado à baixa qualidade. Ao seguir permitindo a proliferação de cursos que não preparam os estudantes para o início do exercício da docência, o País está, na prática, promovendo uma tremenda desvalorização da profissão docente.”
Numa carta conjunta em novembro, o Todos pela Educação, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o conselho de secretários estaduais da educação (Consed) e outras organizações pediram medidas urgentes na regulação da educação a distância para a formação de professores.
Já entidades ligadas às faculdades privadas e à educação a distância sustentam que a EAD é única opção para pessoas de baixa renda, que trabalham ou moram no interior do País, para concluir o ensino superior.
A Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) protocolou carta ao ministro e ao CNE pedindo que a resolução seja revista. A entidade teme redução drástica “de professores formados no Brasil nos próximos anos”. Para o presidente da Abed, João Mattar, o MEC deveria criar novas políticas para melhor supervisão e avaliação das graduações, em vez de proibi-las. “O fato de ter cursos de baixa qualidade não pode fazer com que se termine com todos eles.”
Segundo Borges, a Univesp também atende um público com renda de até 3 salários mínimos, e está em mais de 200 municípios paulistas que não têm nenhuma faculdade. “São pessoas que fizeram escola pública, a maioria é o primeiro da família com ensino superior e não faria ensino superior se não fosse a Univesp”, afirma.
O Brasil tem ainda outro programa público de EAD cuja prioridade é formar professores em regiões remotas, a Universidade Aberta do Brasil (UAB). Ele funciona por meio de projetos e as universidades federais e estaduais podem receber financiamento para determinados cursos que são oferecidos a distância. Há questionamentos também como eles vão se adaptar à nova regra.
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